Mercados, não capitalismo – Introdução

Gary Chartier. Artigo original: Markets Not Capitalism — Introduction, de 26 de outubro de 2015. Traduzido por Gabriel Camargo.

A tendência anarquista individualista está firme e forte. Markets Not Capitalism oferece uma janela para a história dessa tendência e destaca sua possível contribuição para o movimento anticapitalista global. Buscamos neste livro estimular uma conversa próspera entre libertários de todas as variedades, bem como aqueles com outros compromissos políticos, sobre o caminho mais frutífero para a libertação humana. Estamos confiantes de que as percepções anarquistas individualistas sobre o potencial libertário dos mercados sem capitalismo podem enriquecer essa conversa e o incentivamos a participar dela.

Introdução

Os anarquistas de mercado acreditam nas trocas de mercado, não em privilégios econômicos. Eles acreditam em mercados livres, não no capitalismo. O que os torna anarquistas é a crença em uma sociedade totalmente livre e consensual—uma sociedade na qual a ordem é alcançada não por meio de força legal ou governo político, mas por meio de acordos livres e cooperação voluntária em uma base de igualdade. O que os torna anarquistas de mercado é o reconhecimento das livres trocas de mercado como um meio vital para uma ordem social anárquica pacífica. Mas os mercados que eles imaginam não são como os “mercados” repletos de privilégios que vemos hoje em dia. Os mercados que trabalham sob o governo e o capitalismo são permeados por pobreza persistente, destruição ecológica, desigualdades radicais de riqueza e poder concentrado nas mãos de corporações, patrões e proprietários de terras. A visão consensual é a de que a exploração—seja de seres humanos ou da natureza—é simplesmente o resultado natural de mercados deixados soltos. A visão consensual sustenta que a propriedade privada, a pressão competitiva e a motivação do lucro devem—seja para o bem ou para o mal—levar inevitavelmente ao trabalho assalariado capitalista, à concentração da riqueza e do poder social nas mãos de uma classe seleta ou a práticas comerciais baseadas no crescimento a todo custo; que seja cada um por si.

Os anarquistas de mercado discordam. Eles argumentam que o privilégio econômico é um problema social real e generalizado, mas que o problema não é um problema de propriedade privada, concorrência ou lucros em si. Não é um problema da forma do mercado, mas dos mercados deformados—deformados pela longa sombra de injustiças históricas e pelo exercício contínuo e permanente do privilégio legal em nome do capital. A tradição anarquista de mercado é radicalmente pró-mercado e anticapitalista, refletindo sua preocupação consistente com o caráter profundamente político do poder corporativo, a dependência das elites econômicas da tolerância ou do apoio ativo do estado, as barreiras permeáveis entre as elites políticas e econômicas e a incorporação cultural das hierarquias estabelecidas e mantidas pela violência perpetrada e sancionada pelo estado.

A Forma de Mercado

Este livro pretende ser uma introdução abrangente à teoria econômica e social do anarquismo de mercado de esquerda. O anarquismo de mercado é um movimento social radicalmente individualista e anticapitalista. Como outros anarquistas, os anarquistas de mercado são defensores radicais da liberdade individual e do consentimento mútuo em todos os aspectos da vida social—rejeitando, portanto, todas as formas de dominação e governo como invasões contra a liberdade e violações da dignidade humana. A contribuição distinta dos anarquistas de mercado para o pensamento anarquista é sua análise da forma de mercado como um componente central de uma sociedade completamente livre e igualitária—sua compreensão das possibilidades revolucionárias inerentes às relações de livre mercado, livre do governo e do privilégio capitalista, e suas percepções sobre as estruturas de privilégio e controle político que deformam os mercados existentes e sustentam a exploração, apesar das tendências naturalmente equilibradoras dos processos mercadológicos. Como eles insistem em uma distinção tão nítida entre a forma de mercado como tal e as características econômicas do capitalismo realmente existente, é importante distinguir cuidadosamente as principais características dos mercados como os anarquistas os entendem. As relações sociais que os anarquistas de mercado defendem explicitamente e esperam libertar de todas as formas de controle governamental são relações baseadas na:

1. propriedade de bens, especialmente a propriedade individual descentralizada, não apenas de bens pessoais, mas também de terras, residências, recursos naturais, ferramentas e bens de capital;

2. realização de contratos e trocas voluntárias de bens e serviços, por indivíduos ou grupos, com a expectativa de benefício mútuo;

3. livre concorrência entre todos os compradores e vendedores—em termos de preço, qualidade e todos os outros aspectos da troca—sem restrições ex ante ou barreiras onerosas à entrada;

4. descoberta empresarial, realizada não apenas para competir nos mercados existentes, mas também para descobrir e desenvolver novas oportunidades de benefício econômico ou social; e

5. ordem espontânea, reconhecida como uma força de coordenação significativa e positiva—na qual negociações descentralizadas, trocas e empreendedorismo convergem para produzir coordenação em larga escala sem, ou além da capacidade de, quaisquer planos deliberados ou projetos comuns explícitos para o desenvolvimento social ou econômico.

Os anarquistas de mercado não limitam a propriedade à posse, à propriedade comum ou coletiva, embora também não excluam esses tipos de propriedade; eles insistem na importância do contrato e da troca de mercado, na livre concorrência e no empreendedorismo motivados pelo lucro; e eles não apenas toleram, mas celebram a coordenação espontânea e não planejada que os marxistas ridicularizam como a “anarquia social da produção”. No entanto, os anarquistas de mercado de esquerda também são radicalmente anticapitalistas e rejeitam totalmente a crença—comum tanto à esquerda antimercado quanto à direita pró-capitalista—de que essas cinco características da forma de mercado devem implicar uma ordem social de patrões, senhorios, corporações centralizadas, exploração de classe, negociações comerciais impiedosas, trabalhadores miseráveis, pobreza estrutural ou desigualdade econômica em larga escala. Em vez disso, eles insistem em cinco afirmações distintas sobre mercados, liberdade e privilégio:

• A tendência centralizadora dos mercados: os anarquistas de mercado veem os mercados livres, sob condições de livre concorrência, como uma tendência a difundir a riqueza e dissolver fortunas—com um efeito centrífugo sobre a renda, os títulos de propriedade, a terra e o acesso ao capital—em vez de concentrá-la nas mãos de uma elite socioeconômica. Os anarquistas de mercado não reconhecem limites de jure sobre a extensão ou o tipo de riqueza que uma pessoa pode acumular; mas acreditam que as realidades sociais e de mercado imporão pressões de fato muito mais rigorosas contra desigualdades maciças de riqueza do que qualquer restrição de jure poderia alcançar.

• As possibilidades radicais do ativismo social do mercado: os anarquistas do mercado também veem os mercados livres como um espaço não apenas para o comércio orientado para o lucro, mas também como espaços para a experimentação social e o ativismo de base. Eles imaginam que as “forças do mercado” incluem não apenas a busca de ganhos financeiros restritos ou a maximização dos retornos para os investidores, mas também o apelo da solidariedade, da mutualidade e da sustentabilidade. Os “processos de mercado” podem—e devem—incluir esforços conscientes e coordenados para aumentar a conscientização, mudar o comportamento econômico e abordar questões de igualdade econômica e justiça social por meio de ação direta não violenta.

• A rejeição das relações econômicas do tipo “estado-quo”: os anarquistas de mercado fazem uma distinção clara entre a defesa da forma de mercado e a apologética das distribuições de riqueza e das divisões de classe realmente existentes, uma vez que essas distribuições e divisões dificilmente surgiram como resultado de mercados sem restrições, mas sim dos mercados governados, regulamentados e repletos de privilégios que existem hoje; eles veem as distribuições de riqueza e as divisões de classe realmente existentes como problemas sociais sérios e genuínos, mas não como problemas com a forma de mercado em si; esses não são problemas de mercado, mas sim problemas de propriedade e problemas de coordenação.

• A regressividade da regulamentação: os anarquistas de mercado veem os problemas de coordenação—problemas com uma interrupção antinatural, destrutiva e politicamente imposta da livre operação de troca e concorrência—como o resultado de privilégios legais contínuos e permanentes para os capitalistas estabelecidos e outros interesses econômicos bem arraigados, impostos às custas dos concorrentes de pequena escala e da classe trabalhadora.

• Despossessão e retificação: os anarquistas de mercado veem o privilégio econômico como resultado parcial de sérios problemas de propriedade—problemas com uma má distribuição não natural, destrutiva e politicamente imposta de títulos de propriedade—produzidos pela história de despossessão política e expropriação infligida em todo o mundo por meio de guerra, colonialismo, segregação, nacionalização e cleptocracia. Os mercados não são vistos como maximamente livres enquanto estiverem obscurecidos pela sombra do roubo em massa ou da negação da propriedade; e enfatizam a importância da retificação razoável de injustiças passadas—incluindo abordagens de base, anticorporativas e antineoliberais para a “privatização” de recursos controlados pelo estado; processos de restituição a vítimas identificáveis de injustiça; e expropriação revolucionária de propriedades fraudulentamente reivindicadas pelo estado e pelos monopolistas por eles criados.

A Tradição Anarquista de Mercado

Os primeiros pensadores anarquistas, como Josiah Warren e Pierre-Joseph Proudhon, enfatizaram as características positivas e socialmente harmonizadoras das relações de mercado quando conduzidas em um contexto de igualdade—com Proudhon, por exemplo, escrevendo que a revolução social aboliria o “sistema de leis” e o “princípio da autoridade” para substituí-los pelo “sistema de contratos” [1].

Baseando-se no uso que Warren e Proudhon fizeram do contrato e da troca para modelos de mutualidade social, vertentes distintas do anarquismo de mercado surgiram repetidamente dentro da ampla tradição anarquista, pontuadas por crises, colapsos, interregnos e ressurgimentos. A história é complexa, mas pode ser dividida em três períodos principais representados neste texto—(i) uma “primeira onda”, representada principalmente por “anarquistas individualistas” e “mutualistas”, como Benjamin Tucker, Voltairine de Cleyre e Dyer Lum, e ocupando aproximadamente o período da Guerra Civil Americana até 1917; (2) (ii) uma “segunda onda”, coincidindo com a radicalização dos libertários Americanos anteriormente pró-capitalistas e o ressurgimento do anarquismo como uma família de movimentos sociais durante o radicalismo das décadas de 1960 e 1970; e (iii) uma “terceira onda”, desenvolvendo-se como uma vertente dissidente no meio anarquista da década de 1990 e no movimento pós-Seattle do novo milênio.

Apesar das descontinuidades e diferenças, cada onda normalmente reviveu a literatura das ondas anteriores e se baseou explicitamente em seus temas; o que as uniu, em geral, foi a defesa das relações de mercado e a ênfase particular nas possibilidades revolucionárias inerentes à forma de mercado, quando ela é—na medida em que é—libertada das instituições legais e sociais de privilégio.

O anticapitalismo dos individualistas da “primeira onda” era óbvio para eles e para muitos de seus contemporâneos. Benjamin Tucker argumentou de forma célebre que quatro monopólios, ou grupos de privilégios garantidos pelo estado, eram responsáveis pelo poder da elite corporativa: o monopólio de patentes, o monopólio efetivo criado pela distribuição pelo estado de terras arbitrariamente absorvidas para os politicamente favorecidos e sua proteção de títulos de terra injustos, o monopólio do dinheiro e do crédito e os privilégios monopolísticos conferidos pelos impostos. Os economicamente poderosos depende desses monopólios; eliminando-os, o poder da elite se dissolve.

Tucker estava comprometido com a causa da justiça para os trabalhadores em conflito com os capitalistas contemporâneos e se identificava claramente com o crescente movimento socialista. Mas ele argumentou contra Marx e outros socialistas que as relações de mercado poderiam ser frutíferas e não exploradoras, desde que os privilégios que distorcem o mercado, conferidos pelos quatro monopólios, fossem eliminados.

O radicalismo de Tucker e de seus compatriotas, bem como o da vertente do anarquismo que eles criaram, foi indiscutivelmente menos aparente após o rompimento da primeira onda do que para seus contemporâneos. Talvez, em parte, isso se deva às suas disputas com representantes de outras tendências anarquistas, cujas críticas a seus pontos de vista influenciaram as percepções de anarquistas posteriores. É também, inevitavelmente, uma consequência da identificação de muitos de seus descendentes do século XX com a ala direita do movimento libertário e, portanto, como apologistas da elite corporativa e de seu domínio social.

Embora houvesse honrosas exceções, os libertários orientados para o mercado do século XX frequentemente elogiavam os titãs corporativos, ignoravam ou racionalizavam o abuso dos trabalhadores e banalizavam ou abraçavam a hierarquia econômica e social. Embora muitos tenham endossado a crítica ao estado e aos privilégios garantidos por ele, oferecida por Tucker e seus colegas individualistas, eles frequentemente negligenciaram ou rejeitaram as implicações radicais da análise da injustiça estrutural baseada em classes dos individualistas anteriores. Em resumo, havia poucos entusiastas vocais do tipo de anticapitalismo dos individualistas do início e da metade do século XX.

A margem mais radical da vertente orientada para o mercado do movimento libertário—representada por pensadores como Murray Rothbard e Roy Childs—geralmente adota, não a economia anticapitalista do individualismo e do mutualismo, mas uma posição que seus defensores descrevem como “anarcocapitalismo”. A futura sociedade livre que eles imaginam é uma sociedade de mercado—mas uma sociedade em que as relações de mercado são pouco alteradas em relação aos negócios costumeiros, e o fim do controle estatal é imaginado como uma forma de liberar as empresas para que fizessem muito do que faziam antes, em vez de liberar formas concorrentes de organização econômica, que poderiam transformar radicalmente as formas de mercado de baixo para cima.

Mas na “segunda onda” da década de 1960, a família de movimentos sociais anarquistas—revivida por vertentes antiautoritárias e contraculturais da Nova Esquerda—e os radicais antiguerra entre os libertários começaram a redescobrir e republicar as obras dos mutualistas e de outros individualistas. Os “anarcocapitalistas”, como Rothbard e Childs, começaram a questionar a aliança histórica do libertarianismo com a Direita e a abandonar as defesas das grandes empresas e do capitalismo realmente existente em favor de um anarquismo de mercado de esquerda mais consistente. Talvez o exemplo mais visível e dramático tenha sido a adesão de Karl Hess ao radicalismo da Nova Esquerda e seu abandono da economia “capitalista” em favor de mercados de pequena escala, baseados na comunidade. Em 1975, o ex-redator de discursos de Goldwater declarou: “Perdi minha fé no capitalismo” e “resisto a esse estado-nação capitalista”, observando que ele havia “abandonado a religião do capitalismo”. [3]

A “segunda onda” foi seguida por uma segunda baixa, para o anarquismo em geral e para o anarquismo de mercado em particular. No final das décadas de 1970 e 1980, a tendência anticapitalista entre os libertários orientados para o mercado havia se dissipado em grande parte ou sido reprimida pela política pró-capitalista dominante de instituições “libertárias” bem financiadas, como o Instituto Cato e a liderança do Partido Libertário. Porém, com o fim da Guerra Fria, o realinhamento de coalizões políticas de longa data e o surgimento público de um movimento anarquista de terceira onda na década de 1990, os estágios intelectuais e sociais foram estabelecidos para o ressurgimento atual do anarquismo anticapitalista de mercado.

No início do século XXI, os descendentes anticapitalistas dos individualistas haviam crescido em número, influência e visibilidade. Eles compartilhavam a convicção dos primeiros individualistas de que os mercados não precisavam, em princípio, ser exploradores. Ao mesmo tempo, elaboraram e defenderam uma versão distintamente libertária da análise de classe que ampliou a lista de monopólios de Tucker e destacou a interseção do privilégio garantido pelo estado com a desapropriação sistemática, passada e atual, e com uma série de questões de ecologia, cultura e relações de poder interpessoais. Eles enfatizaram o fato de que, embora os mercados genuinamente liberados—livres—pudessem ser fortalecedores, as transações de mercado que ocorriam em contextos deformados por injustiças passadas e contínuas eram, não surpreendentemente, debilitantes e opressivas. Mas o problema, insistiam os novos individualistas (como seus antecessores), não estava nos mercados, mas sim no capitalismo, no domínio social das elites econômicas garantido pelo estado. A solução, portanto, era a abolição do capitalismo por meio da eliminação de privilégios legais, incluindo os privilégios necessários para a proteção de títulos de propriedade de bens roubados.

Os novos individualistas têm sido igualmente críticos dos conservadores e progressistas explicitamente estatistas e dos libertários orientados para o mercado que usam a retórica para legitimar o privilégio corporativo. Sua crítica agressiva a esse tipo de “libertarianismo vulgar” enfatizou que as relações econômicas existentes estão repletas de injustiças de cima a baixo e que os apelos à liberdade podem ser prontamente usados para mascarar as tentativas de preservar a liberdade das elites de reter a riqueza adquirida por meio da violência tolerada ou perpetrada pelo estado e do privilégio por ele garantido.

O Habitat Natural do Anarquista de Mercado

Este livro não teria sido possível sem a Internet. O leitor de Markets Not Capitalism perceberá rapidamente que muitos dos artigos não são exatamente como capítulos de um livro comum. Muitos deles são curtos. Muitos deles começam no meio de um diálogo—uma das frases de abertura mais frequentes é: “Em uma edição recente de tal e tal, fulano de tal disse que…” Os artigos contemporâneos geralmente apareceram originalmente online, como postagens em um weblog; eles se referem com frequência a postagens anteriores ou discussões preexistentes e geralmente criticam ou elaboram comentários feitos por outros autores em outros locais. Embora os artigos tenham sido reformatados para impressão, muitos ainda se parecem muito com as postagens de blog que eram antes.

Mas isso não é apenas um artefato das redes sociais baseadas na Internet. A história da tradição individualista e mutualista é, em grande parte, uma história de publicações efêmeras, editoras de curta duração, panfletos autopublicados e pequenos jornais radicais. O mais famoso é certamente o Liberty (1881-1908) de Benjamin Tucker, mas também inclui publicações como Twentieth Century (1888-1898) de Hugh Pentecost, bem como periódicos anarquistas de mercado da “segunda onda”, como Left and Right (1965-1968) e Libertarian Forum (1969-1984). Todas essas publicações eram curtas e publicadas com frequência; seus artigos eram tipicamente mais críticos do que abrangentes, mais idiossincráticos do que técnicos em termos de abordagem e tom. Debates de longa data e de longo alcance entre jornais, correspondentes e o movimento circundante eram fontes constantes de material; quando um interlocutor específico não estava disponível para alguns desses artigos, o autor poderia, como em “The Individualist and the Communist: A Dialogue”, chegar ao ponto de inventar um. O livro mais famoso da “primeira onda”—Instead of a Book, by a Man Too Busy to Write One (1893), de Tucker— é simplesmente uma coletânea de artigos curtos do Liberty, a maioria dos quais são claramente respostas a perguntas e argumentos apresentados pelos leitores do Liberty ou por editores do periódico. Os intercâmbios críticos são muito parecidos com os que podemos encontrar hoje no Blogger ou WordPress—porque, é claro, o blog de hoje é apenas uma nova forma tecnológica adotada pela imprensa pequena e independente.

A pequena imprensa independente e baseada no diálogo proporcionou um habitat natural para o florescimento da escrita anarquista de mercado, enquanto a escrita liberal e Marxista encontrou seus habitats mais distintos em declarações, manifestos e tratados complexos e abrangentes. As razões para isso integram um campo vasto de questões, o que vale a pena explorar muito além do que os limites deste prefácio podem permitir. No entanto, talvez valha a pena observar que o anarquismo de mercado surgiu mais ou menos sempre como um projeto crítico e experimental—nas margens radicais dos movimentos sociais (seja o movimento Owenita, o movimento do pensamento livre, o movimento trabalhista, o movimento libertário Americano orientado para o mercado, ou o movimento contra a globalização e o meio social anarquista associado).

O anarquismo de mercado almeja extrair verdades sociais não por meio de dogmatização ou estabelecimento de leis, mas sim permitindo, na medida do possível, a livre interação de ideias e forças sociais, procurando as consequências não intencionais das ideias aceitas, engajando-se em um processo aberto de experimentação e descoberta que permita o teste constante de ideias e instituições em relação aos concorrentes e à realidade dos resultados.

O anarquista revolucionário e mutualista Dyer D. Lum (1839-1893) escreveu em “The Economics of Anarchy” que uma característica definidora da anarquia de mercado era a “plasticidade” dos arranjos sociais e econômicos, em oposição à “rigidez” da dominação estatista ou dos esquemas econômicos comunistas. A essência das ideias anarquistas de mercado provavelmente moldou a forma em que os escritores se sentem mais à vontade para expressá-las. Ou talvez, ao contrário, a forma da escrita pode até ser o que muitas vezes tornou a substância possível: pode ser que as ideias anarquistas de mercado tomem forma mais naturalmente no curso de um diálogo em vez de uma disquisição, no ato de dar e receber críticas em vez de um monólogo unilateral. O valor da espontaneidade, o engajamento exploratório e os rigores do teste competitivo podem ser tão essenciais para a formação de ideias anarquistas de mercado por escrito quanto o são para a implementação dessas ideias no mundo em geral.

Se assim for, esses artigos devem ser lidos com a consciência de que, até certo ponto, foram retirados de seu ambiente natural. Há tratamentos mais longos e sustentados dos tópicos abordados, mas a maioria dos artigos foram originalmente contribuições para projetos contínuos e de longa data, e ocorreram no decorrer de debates abrangentes. Nós os reunimos em uma antologia impressa para prestar um serviço ao estudante, ao pesquisador e a qualquer pessoa que tenha curiosidade sobre abordagens alternativas na economia de livre mercado e no pensamento social anarquista. Mas a melhor maneira de entendê-los não é identificar o fim do assunto, ou mesmo seu início, mas sim oferecer um convite para mergulhar in medias res, para ver as ideias anarquistas de esquerda emergindo do próprio processo dialógico—e para participar da conversa em andamento. …


Notas:

1. Ver “Organization of Economic Forces”, General Idea of the Revolution in the Nineteenth Century, cap. 3 (37-58), neste volume.

2. As diferenças exatas entre “individualistas” e “mutualistas” durante a primeira onda quase nunca foram claras; muitos escritores (como Tucker) usaram cada palavra em momentos diferentes para se referir à sua própria posição. No entanto, algumas diferenças podem ser esboçadas entre os que eram mais frequentemente chamados de “individualistas”, como Tucker ou Yarros, e os que eram mais frequentemente chamados de “mutualistas”, como Dyer Lum, Clarence Swartz ou os seguidores Europeus de Proudhon—em especial, que embora ambos apoiassem a emancipação dos trabalhadores e a garantia de que todos os trabalhadores tivessem acesso ao capital, os “mutualistas” tendiam a enfatizar a importância específica das cooperativas de propriedade dos trabalhadores e de sua propriedade direta dos meios de produção, enquanto os “individualistas” tendiam a enfatizar que, em condições de liberdade igual, os trabalhadores se contentariam com os arranjos de propriedade que fizessem mais sentido nas circunstâncias.

Para complicar as coisas, o “mutualismo” agora é usado retrospectivamente, no século XXI, para se referir à maioria dos anarquistas anticapitalistas de mercado, ou especificamente àqueles (como Kevin Carson) que diferem da chamada posição “lockeana” sobre a propriedade da terra—que acreditam que a propriedade da terra pode se basear apenas na ocupação e no uso pessoal, descartando a propriedade ausente como indesejável e indigna de proteção legal. “Mutualistas”, nesse sentido do termo, inclui tanto aqueles que eram mais frequentemente chamados de “individualistas” durante a primeira onda (como Tucker) quanto aqueles que eram mais frequentemente chamados de “mutualistas” (como Lum).

3. Sem dúvida, embora as atitudes sociais de Hess não pareçam ter mudado substancialmente depois de ter feito essas declarações, ele se tornou menos ligado à linguagem do anticapitalismo; ele publicou Capitalism for Kids: Growing Up to Be Your Own Boss em 1986. Mas não há razão para duvidar que o que Hess quis dizer com “capitalismo” aqui foi o que os anarquistas de mercado de esquerda contemporâneos querem dizer quando falam sobre trocas pacíficas e voluntárias em um mercado genuinamente livre, e não o que ele rejeitou em 1975. Certamente, como sugere o subtítulo do livro, ele não tinha a intenção de direcionar os jovens leitores a seguir carreiras como parasitas corporativos.

Anarchy and Democracy
Fighting Fascism
Markets Not Capitalism
The Anatomy of Escape
Organization Theory