É importante, ao ouvirmos os formadores oficiais de opinião na mídia, perguntarmo-nos o que eles realmente querem dizer com as palavras que usam. Como Orwell destacou em “A Política e a Língua Inglesa,” aqueles no poder usam a linguagem para obscurecer o significado, mais amiúde do que para torná-lo inteligível.
Bom exemplo é a recorrência de frases tais como “colocou em perigo nossa segurança nacional” e “ajudou o inimigo,” de pessoas como Eric Holder, Peter King e Lindsey Graham, em referência a vazamentos por pessoas como Bradley Manning e Edward Snowden. Pois bem, eles, com suas escolhas de palavras, certamente pretendem provocar certas associações nas mentes dos ouvintes. Se não formos cuidadosos, poderemos ver-nos na condição de reagir exatamente como aqueles que usam essas palavras pretendem — permitindo que as palavras deles tragam à nossa mente lares, famílias, vizinhos, igrejas, todo um estilo de vida, ameçados de invasão e destruição por um inimigo sem nome e sem face — nas palavras dos Dois Minutos de Ódio de Orwell, “os exércitos sinistros … bárbaros cuja única honra é a atrocidade.”
Se porém olharmos para atrás das palavras, o significado real delas é por vezes inteiramente diferente. Para as pessoas dos tipos que enunciam essas palavras, “segurança nacional” é uma ordem corporativa-estatal imposta pelos Estados Unidos, administrada por pessoas como elas próprias, que possibilitam a corporações globais extraírem recursos e trabalho dos povos do mundo e viverem de rentismo não fruto do trabalho. “O inimigo” é você. E o perigo é você conseguir perceber o que está acontecendo e perturbar o confortável esqueminha deles.
Alex Carey, historiador da propaganda, argumenta que o pilar central do domínio da elite em democracias de massa é a engenharia do consentimento. No final do século 19 dois fenômenos emergiram simultaneamente: Primeiro, a corporação gigantesca e o nexo de poder entre corporação e estado; e, segundo, a ameaça a esse nexo de poder a partir de alfabetização universal e sufrágio universal. Daí a importância da propaganda, de administrar a opinião pública, nos sistemas políticos formalmente representativos.
Samuel Huntington escreveu, em A Crise da Democracia, em 1974, que os Estados Unidos, nas duas décadas após a Segunda Guerra Mundial, haviam sido a “potência hegemônica num sistema de ordem mundial” — estado de coisas só possível por causa de uma estrutura interna de poder na qual o país “era governado pelo presidente atuando com o apoio e a cooperação de indivíduos decisivos no Executivo, na burocracia federal, no Congresso, e nas mais importantes empresas, bancos, escritórios de advocacia, fundações, e mídia, que constituem o establishment privado.” E isso, por sua vez, só era possível por causa da aquiescência, a passividade, do povo estadunidense, e da aceitação, por ele, desse estado de coisas como natural, inevitável e perfeitamente legítimo.
Os anos sessenta, como poderíamos esperar, deixou essas pessoas morrendo de medo. Até então, o “contrato social do Novo Pacto” havia funcionado razoavelmente bem (pelo menos para os brancos da classe média): Daremos a vocês uma casa no subúrbio, uma TV, carro novo cada cinco anos, e emprego estável com benefícios e aumentos periódicos de salário. Em troca, vocês comparecerão ao trabalho entre as épocas de renovação de contrato e nos deixarão administrar as fábricas como entendermos correto, sem preocuparem suas lindas cabecinhas com esse assunto. E vocês nos deixarão administrar o mundo no interesse de GE, GM e United Fruit Company, e farão vista grossa quando colocarmos no poder regimes fascistas genocidas ou criarmos esquadrões da morte em Indonésia, Nigéria e América Latina.
Os anos 1960 foram a primeira vez desde a Segunda Guerra Mundial em que pareceu surgir a ideia, em significativa parcela do público, de que “outro mundo é possível.”
Desde então, a administração da opinião pública para engendrar consentimento tornou-se duplamente importante para elas. Eis porque a comunidade de “segurança nacional” lança-se a operações psicológicas para administrar as percepções do público do mesmo modo que administra as percepções referentes ao inimigo em tempo de guerra — sendo a meta, em ambos os casos, manipular a reação desejada de nós.
Vejam, nós realmente somos o inimigo. Vez por outra um deles deixa escapar algo e revela que toda aquela conversa acerca de governo representando a vontade soberana do povo é conversa para boi dormir. Por exemplo, a declaração do ex-Secretário de Imprensa de Clinton, Sandy Berger, em 2004: “Temos demasiado em jogo no Iraque para perdermos o povo estadunidense.”
É por isso que eles ficam tão irados quando pessoas como Manning e Snowden contam ao inimigo — a pessoas como você e eu — a feia verdade acerca de como a linguiça deles é feita. O poder deles depende de manter-nos — o inimigo — no escuro.
Artigo original afixado por Kevin Carson em 15 de junho de 2013.
Traduzido do inglês por Murilo Otávio Rodrigues Paes Leme.