Julia Angwin (“Has Privacy Become a Luxury Good?”, The New York Times, 4 de março) relata as dificuldades enfrentadas pelas pessoas que tentam manter a privacidade de seus dados. Embora os indivíduos possam comprar bens e serviços para esse fim, seu alto custo diminui sua utilidade e disponibilidade. Não são produtos caros apenas no sentido financeiro, mas também exigem muito tempo, pesquisa e esforço para que sejam encontrados e funcionarem, além de não existirem critérios claros e verificáveis de sua eficácia. Angwin faz uma analogia com os alimentos orgânicos, chamando atenção para o fato de que a demanda tornou produtos seguros mais acessíveis e úteis, Angwin conclui que a regulamentação do estado é a única maneira de torná-los disponíveis para mais que apenas “aqueles que dispõem de tempo e dinheiro”: “O governo estabelece padrões mínimos para a segurança de todos os alimentos e tem requisitos bastante rigorosos de produção e rotulagem para produtos orgânicos. Talvez seja este o momento em que o governo deva começar a fazer o mesmo em relação à proteção de nossos dados”.
Mas os paralelos com a segurança de alimentos são, pelo contrário, uma ilustração clara dos motivos por que o estado regulatório não é um protetor confiável de nossos dados digitais.
Desde o livro de Gabriel Kolko The Triumph of Conservatism, vários trabalhos acadêmicos já demonstraram que a regulamentação da produção de alimentos nos Estados Unidos foi sempre promovida especialmente pelas grandes empresas, para subsidiar seu modelo de fabricação de produtos altamente industrializados e processados. Mesmo quando as regulamentações “estabelecem padrões mínimos para a segurança de todos os alimentos”, sua implementação impõe custos muito altos a pequenas empresas e alivia os custos das grandes empresas. Essas regulamentações também impedem a adoção de padrões voluntários mais rígidos e, às vezes, os torna ilegais, como no caso da pequena produtora de carnes Creekstone Farms Premium Beefs, que foi impedida pelo departamento de agricultura do governo dos EUA de testar todo o seu gado para verificar a existência da doença da vaca louca. Desde então as regulamentações alimentares têm sido promovidas por grandes empresas durante crises de segurança para estipular padrões mínimos suficientes para ter a confiança do público, mas que são mais baixos que os padrões que seriam efetivamente estabelecidos num ambiente competitivo. Em 2005, a Microsoft fez campanha por uma “legislação sobre privacidade que estabelecesse padrões uniformes de coleta, armazenamento e uso de informações pessoais” no exato momento em que seus programas começavam a perder espaço para concorrentes mais seguros.
Como grandes empresas são protegidas da competição em menor escala, seu inchaço organizacional requer que elas se tornem menos transparentes aos indivíduos e, ao mesmo tempo, exijam mais transparência deles. Assim, a dificuldade enfrentada pelos consumidores em determinar “o que tem dentro da comida” (tanto metafórica quanto literalmente) se torna cada vez maior, enquanto cada vez mais dados pessoais são coletados por grandes empresas e pelo próprio governo (que, dados os seus múltiplos escândalos de espionagem, seria praticamente uma raposa guardando o galinheiro dos nossos direitos digitais).
Uma população mais saudável só pode se originar a partir de ampla transformação que levasse a instituições em escala mais humana. Isso já era previsto por pensadores descentralistas e anti-estado como Murray Bookchin, que observava em 1952 que “o problema da adição de químicos à comida” era um efeito colateral de uma sociedade centralizada demais e que “é duvidoso se qualquer legislação poderia fazer algo para frear essa tendência”. Ralph Borsodi, já em 1920, defendia a produção orgânica de alimentos através de um livre mercado e da produção em pequena escala para consumo local a baixos preços, em contraposição à indústria de processados, que crescia na época. Basta que os dinossauros corporativos sejam tirados das costas dos pagadores de impostos que um livre mercado de serviços e produtos para proteger a privacidade dos dados dos indivíduos prosperará.
Traduzido do inglês para o português por Erick Vasconcelos.