The following article is translated into Portuguese from the English original, written by Kevin Carson.
As haciendas da América Espanhola estavam baseadas em enormes doações de terra da coroa espanhola e tornaram-se o local de grandes fazendas agrícolas trabalhadas em base neofeudal por trabalhadores braçais servos ou quase servos. Tais fazendas, normalmente, estavam situadas perto de grandes concentrações de trabalhadores braçais nativos, e esses trabalhadores eram controlados principalmente por meio do método de pagamento de dívidas pela prestação de trabalho físico. As haciendas da Califórnia foram criadas segundo o padrão preexistente no México, e situadas em lugares onde disponíveis grandes populações indígenas para trabalho nelas.
Quando a Calilfórnia foi anexada pelos Estados Unidos, os colonos anglos mais influentes tomaram conta de muitas daquelas haciendas e as transformaram em modernos empreendimentos de agronegócio. As grandes plantações de agronegócio da Califórnia, construídas a partir do legado das haciendas, continuaram a basear-se em grande quantidade de trabalho barato de segmentos da população cujo poder de barganha era, por motivo ou outro, na prática nulo. Durante a Depressão e o período das Tempestades de Areia, elas recorreram a trabalhadores rurais migrantes de Oklahoma e de outros lugares que haviam sido expelidos de suas terras por execuções de hipotecas bancárias.
Nos anos 1940, o governo dos Estados Unidos criou o programa Bracero para fornecer trabalhadores ‘convidados’ oriundos do México. Se estes perceberam ou não a ironia da situação, não sei.
Quando os trabalhadores ficaram excessivamente exigentes e tentaram lutar por melhores remuneração e condições de trabalho, os donos das empresas agrícolas conseguiram que o governo dos Estados Unidos impusesse disciplina a trabalhadores estrangeiros mediante deportá-los. Quando trabalhadores migrantes nativos tornaram-se indisciplinados e tentaram organizar-se, os donos de fazendas recorreram ao vigilantismo — como descrito por John Steinbeck — usando os mesmos tipos de táticas de terror usadas pelos camisas negras contratados por donos de fábricas italianos no século 20 e os esquadrões da morte da América Central que atuam até hoje.
A agressão armada aos colhedores de morangos bangladechianos nas Fazendas New Manolada na Grécia encaixa-se nessa narrativa de antecedentes como um pé num sapato bem usado. Citada fazenda emprega diversos milhares de trabalhadores migrantes, muitos deles sem documentação fornecida pelo governo. Cerca de 200 trabalhadores migrantes exigiram seis meses de remuneração a eles devida pelos donos da fazenda. Os capatazes disseram-lhes que eles não seriam pagos, e deram-lhes ordem de voltarem ao trabalho. Quando um grupo de trabalhadores recusou-se a cumprir a ordem, um capataz abriu fogo, ferindo 28 dos trabalhadores. A New Manolada tem estado associada a altos níveis de violência contra trabalhadores nos anos recentes, inclusive um caso no qual um egípcio foi espancado e em seguida arrastado por um quilômetro com a cabeça entalada na janela de um carro.
Embora o prefeito local desqualifique a última atrocidade considerando-a incidente isolado, a ativista do trabalho braçal Natassa Panagiotara diz que tais condições de trabalho em condições de escravidão são comuns nas grandes fazendas de morangos da área que empregam trabalhadores estrangeiros. Os disparos tiveram lugar contra o plano de fundo do colapso econômico na Grécia e a crescente preeminência do partido neofascista Aurora Dourada, associado a um vigilantismo paramilitar quase-privado contra trabalhadores e imigrantes.
Nos Estados Unidos contemporâneos, trabalhadores assalariados nativos estão intimamente familiarizados com qual é o sentimento de ter seus meios de vida e de subsistência sujeitos aos caprichos do empregador. Pelo menos, no entanto, eles têm como se organizar e expor seu empregador a humilhação pública, como os colhedores de tomates migrantes Imolakee fizeram em anos recentes e os trabalhadores da Walmart fizeram no ano passado. E, se forem demitidos, pelo menos não terão que se preocupar com serem deportados por isso.
No caso de imigrantes sem documentos, contudo, e mesmo “trabalhadores convidados” em situação legal, essa dependência é muito maior. Como ocorre com os trabalhadores rurais estrangeiros na Grécia, as condições genuinamente similares às de escravatura que existem para muitos trabalhadores da indústria têxtil, trabalhadores do sexo etc. são robustecidas por legislação de imigração.
A imposição de linhas imaginárias traçadas num mapa resulta em condição “illegal” para muitos seres humanos que, a despeito de ser puramente imaginária em sua base moral, é muitíssimo real em seus efeitos. Fronteiras fechadas são uma ferramenta poderosa para disciplina do trabalho por parte dos empregadores. Elas magicamente transformam alguns trabalhadores em seres “ilegais” dependentes de um patrono para sua sobrevivência continuada. E, de modo muito parecido com divisões raciais que debilitaram o movimento trabalhista (donos de terras no sul destruíram o sindicato de trabalhadores rurais arrendatários mediante explorarem tais divisões), elas facilitam uma estratégia de dividir para dominar que lança trabalhadores nativos e imigrantes uns contra os outros e leva-os a verem-se mutuamente como inimigos, em vez de verem como inimigo o empregador.
Artigo original afixado por Kevin Carson em 23 de abril de 2013.
Traduzido do inglês por Murilo Otávio Rodrigues Paes Leme.