De Kevin Carson. Artigo original: And Yet You Use Those Evil Big Tech Platforms. Curious!, de 16 de setembro 2020. Traduzido para o português por Estefano Enrico.
É comum que “libertários” de direita ataquem — com alguma justificativa — a estupidez daqueles que equiparam a oposição a uma lei ou agência governamental com a oposição a algum valor ou objetivo em seu nome. Querer abolir o departamento de educação, por exemplo, não significa que você é contra a educação. No entanto, “libertários” de direita são responsáveis por uma falácia um tanto relacionada, como veremos em breve.
Outra falácia similar da qual os apologistas pró-capitalismo são desproporcionalmente responsáveis é exemplificada pela réplica das mídias sociais: “anti-capitalistas com iPhones kkkk.” Matt Bors zombou dessa falácia com um cartum amplamente divulgado no qual um camponês diz: “nós deveríamos melhorar a sociedade um pouco” — ao que um troll de direita responde: “E ainda assim você participa da sociedade. Que curioso! Eu sou muito inteligente.”1
Fica implícito na resposta do troll a suposição de que se nós desejamos uma gama de benefícios disponíveis no momento, então também desejamos necessariamente os atuais arranjos institucionais. Mas esse argumento impediria qualquer crítica sobre estruturas sociais ou instituições em qualquer sociedade, já que o único meio de receber benefícios em qualquer sociedade é através dos mecanismos sociais que os entregam. Um defensor da economia planejada soviética talvez tenha desafiado um advogado do livre mercado em termos idênticos: “E ainda assim, você vive numa casa, veste roupas, tem mobília, utensílios e etc., tudo o que foi produzido em fábricas estatais responsáveis pelos setores industriais e de acordo com o plano quinquenal. Que curioso!”
Elizabeth Nolan Brown2, em dois artigos no site Reason postados a alguns dias, demonstra ambas falácias da melhor maneira possível. Em “Democrats Hate Facebook. Republicans Want to Ban TikTok.The Bipartisan Backlash Against Big Tech Is Here and It’s a Disaster” (13 de agosto), ela diz:
Pessoas ordinárias começaram a ameaçar a internet e as oportunidades que ela tem criado, que chatice. Mesmo que os produtos deles tenham transformado quase todo aspecto da vida cotidiana, as grandes companhias de tecnologia têm sido expostas, cada vez mais, à percepção negativa do público e ataques políticos contínuos.
Ela contrasta esse sentimento a um breve período na primavera onde os norte-americanos pareciam apreciar o que a indústria fez por eles.
…À medida que os EUA fechavam e ficavam em casa como resposta ao coronavírus, parecia que talvez as empresas de tecnologia norte-americanas estivessem fazendo um regresso de reputação.
Com todos presos dentro de casa, a Big Tech proveu uma “corda salva-vidas”, conectando americanos à comida, entretenimento, trabalho e uns aos outros. Mas a trégua temporária dos EUA com a Big Tech não durou muito. Depois de quase cinco meses na pandemia, parece que qualquer benevolência recém-descoberta e conquistada pelo vale do silício já “se queimou”.
“Havia uma pequena janela do tempo onde todos foram gratos que a tecnologia nos permitia continuar a funcionar como sociedade, apesar da nossa incapacidade de união em espaços físicos”, diz o professor em direito da Universidade de Santa Clara, Eric Goldman, no site Reason. “E ainda assim essa gratidão se foi tão rapidamente. Todos simplesmente voltaram a odiar empresas de internet e esqueceram-se de todas as grandes coisas de que nos beneficiamos atualmente.”…
…Mesmo que as grandes companhias de tecnologia tenham beneficiado pessoas ordinárias de várias maneiras, uma reação política ao tamanho e poder das maiores companhias de tecnologia — o que alguns insiders chamam de “techlash”3 — está vindo mais forte do que nunca…
Pense sobre todas os caminhos que as ferramentas digitais e companhias de tecnologia asseguraram para a modernidade e diversidade de informação durante a pandemia. Pense sobre todos os serviços online de streaming, videogames interativos, fornecedores de e-books, criadores de podcast e aplicativos que têm nos mantido entretidos. As diversas formas de serviços livres de chat que nos mantêm em contato com amigos, família e colegas. As ferramentas de educação online que ajudam a fazer o homeschooling algo sustentável. Pense sobre todas as doações feitas através de plataformas de crowdfunding , marketplaces como Etsy e eBAY e aplicativos que fazem parte da gig economy4, desde o Uber até o Patreon, que estão ajudando as pessoas a sobreviver.
É justo dizer que isso é longe do ideal. Mas sem qualquer tecnologia disponível hoje, poderia ser muito pior…
Pense sobre o quanto [a resistência contra os abusos da aplicação da lei] ainda teria ocorrido sem não apenas smatphones e vídeos, mas também maneiras rápidas, acessíveis e livre de gatekeepers para compartilhar e espalhar tal vídeo.
Perceba como, repetidamente, tanto ela quanto Eric Goldman tratam um grupo de coisas — “a internet, e as oportunidades que ela criou”, “uma corda vital, conectando americanos à comida, etc.”, “tecnologia”, “vídeos de streaming, videogames,etc.”, “smartphones e vídeo digital”, “a tecnologia de hoje” — como intercambiáveis com um grupo de coisas distinto — “grandes companhias de tecnologia”, “Big Tech”, “Vale do Silício”, “companhias de internet” e as “grandes companhias de tecnologia”.
É uma manobra escorregadia, astuta, caso não preste atenção. Tais coisas não são intercambiáveis, assim como uma moradia, roupas e eletrodomésticos não eram intercambiáveis com a indústria estatal na URSS. Qualquer número de diferentes arranjos institucionais são maneiras viáveis de entregar as mesmas funções técnicas básicas. E em cada sociedade de classes, algum conjunto de arranjos institucionais é selecionado. A escolha de tais arranjos reflete os interesses da classe dominante. Como Paul Good escreveu: “um sistema destrói seus competidores antecipando os meios e canais, e então prova que esse é o único modo de operação concebível.”
O fato de que os bens e serviços que consumimos vêm de um conjunto particular de arranjos institucionais selecionados por nossa estrutura de poder atual — e de onde mais poderiam vir? — não legitima tais arranjos.
Em “Anti-Tech Warriors Are Coming For Your Food Delivery Apps” (17 de agosto), Brown aplica o mesmo tipo de argumento para aplicativos de delivery.
Toneladas de consumidores e negócios ao redor dos EUA usam e gostam dos aplicativos de delivery. Eles permitem que indivíduos patrocinem restaurantes que, de outra forma, não oferecem serviços de entrega; eles permitem que negócios aumentem seu público; eles fornecem condições flexíveis de trabalho autônomo para os entregadores…
Não é surpreendente o fato de que os negócios de alimento enraizados com públicos já estabelecidos tendem a não gostar de aplicativos de delivery. Eles não gostam de fornecer parte do lucro para as empresas de aplicativos, nem de dar novas opções de locais para comer aos seus consumidores. Eles (as empresas de apps) são competidores e têm ganhado utilidade desde o começo da pandemia, com pessoas presas em casa e restaurantes frequentemente fechados para jantares presenciais.
As pessoas que querem acabar com os aplicativos de delivery não dizem isso, é claro. Eles dizem que os aplicativos estão “explorando restaurantes, trabalhadores e consumidores” e “tomando dinheiro da economia local”.
Porém, a campanha deles, “Protect Our Restaurants”, é basicamente um lobby de compadrios que exigem que o governo intervenha, então a classe favorecida de negócios pode fazer mais dinheiro sem melhorar os serviços. Temos visto cruzadas similares nos jornais, hotéis, e outras indústrias cujo antigo modelo de negócios tem sido minado pela internet…
…A solução deles normalmente envolvem grande regulação governamental.
Ao decorrer dessa passagem, toda a linguagem positiva e libertadora — os benefícios que os aplicativos “permitem”, “fornecem”, etc. — é atribuída aos grandiosos aplicativos beneficentes. E todas as frases negativas — “negócios de alimentos enraizados”, “não gostam” (repetidamente), “acabar”, “lobby de compadrios”, “classe favorecida de negócios”, “antigo modelo de negócios” — são atribuídas, por outro lado, aos seus oponentes. Se você se sentiu [manipulado] como se fosse tocado como uma rabeca, não te culpo.
A artimanha do debate regulatório proposto por ela é igualmente unilateral. Consistentemente são os aplicativos que oferecem “liberdade” e “escolha”, e os caras maus — os “negócios de alimento enraizados” que odeiam “competição” — são quem clama por mais regulamentação.
Mas vamos esclarecer algumas coisas. Primeiramente, o modelo de lucro desses aplicativos —no qual Brown nunca menciona, é integralmente derivado da propriedade das walled-gardens5 que estão em posse de corporações — dependendo inteiramente dos monopólios de propriedade intelectual. E algo um tanto inconveniente para o joguinho moralista de Brown é o fato de que a propriedade intelectual é uma regulamentação governamental que suprime a competição.
Embora haja toda essa retórica de libertação — “permite”, “fornece”, “ruptura”, “escolha”, “flexibilidade” — a mesma mão que tem o poder de afrouxar também tem o poder de amarrar. Delivery, táxi e o controle de monopólios de outros aplicativos sobre plataformas proprietárias permite-lhes que estabeleçam as taxas que cobram de restaurantes, motoristas ou consumidores de forma unilateral. Aplicativos de delivery são notórios por enganar restaurantes e roubar a gorjeta de motoristas, assim são como aplicativos de carona remunerada para reduzir o pagamento do motorista. Sem dúvidas que Brown diria que o mercado impõe limites ao poder deles porque consumidores, motoristas ou restaurantes podem decidir que não vale a pena; mas o poder de estabelecer preços em níveis de maximização de lucro baseado na utilidade para o consumidor, e estabelecer o preço a um nível no qual mal valha o custo para a maioria das pessoas, é a definição de preço monopolista.
A mentira de que os trabalhadores são “empregados autônomos” é insuficiente para uma folha de jornal. Como Cory Doctorow comenta no caso da Amazon Flex, é
um sistema de entregas da “gig economy” que finge que os motoristas são contratados autônomos, mesmo que seus movimentos sejam roteirizados por um aplicativo cujo controle sobre eles excede o de qualquer chefe na história.
Assim como todo trabalho da gig economy, o chiado do “trabalhador autônomo” é apenas um truque para alterar os riscos e custos de ser um empregador para a força de trabalho sem qualquer independência que os verdadeiros freelancers usufruem.
Os motoristas da Amazon Flex são uma força de trabalho de “frangalhos” cujo pagamento é determinado por um algoritmo de uma caixa preta ajustado para mantê-los à beira da ruína financeira (é por isso que os motoristas da Flex começaram a ESCONDER SEUS TELEFONES EM ÁRVORES):
Para ser franco, se uma corporação é dona do aplicativo que você “contrata” o seu trabalho e tem o poder de definir unilateralmente o seu salário ou te demitir, então ela é o seu patrão. Qualquer um que diga o contrário é um maldito cúmplice.
Apesar do foco manipulativo de Brown que consiste no “favoritismo”, “encarregados” vs “disruptores”, o fato é que os novos aplicativos proprietários — o que genuínos defensores de uma economia de compartilhamento chamam de “plataformas da Estrela da Morte” — precisam, eles mesmos, serem rompidos. O monopólio deles, baseados em IP, é, em cada parte, uma forma de protecionismo imposto pelo governo como nenhum sistema de medalhão de táxi jamais sonhou em ser.
Tratar os benefícios que nós recebemos da tecnologia como razão para ser grato às empresas de tecnologia é comparável a dizer que pelo fato dos camponeses medievais precisarem de terra para o cultivo e se beneficiarem do acesso à terra, então eles deveriam ser gratos aos lordes feudais. Você quase pode ver Brown saindo para fora de um poço e dizendo, sarcasticamente: “ E ainda assim você usa os produtos das empresas de tecnologia. Que curioso!”
Os consumidores têm que pagar tributo à Big Tech para ganhar os benefícios da tecnologia pelo mesmo motivo que os camponeses tinham que lidar com os lordes feudais para obter o acesso aos benefícios da terra: empresas de tecnologia possuem um monopólio legal que lhes permite o controle ao acesso dos benefícios da tecnologia, graças aos direitos artificiais de propriedade garantidos pelo Estado. Empresas de tecnologia não precisam ser guiadas com rédeas pela “regulação governamental”, não mais que os lordes feudais. A base de seu poder é a regulação governamental.
Podemos quebrar o poder deles, revogando ou evitando as leis de propriedade intelectual — regulações governamentais — que são as bases deste poder.
Uma maneira de fazer isso é através do que Doctorow chama de “interoperabilidade adversária”. Em termos simples, interoperabilidade adversária significa a remoção das proteções de propriedade intelectual dos códigos e protocolos de aplicativos proprietários e proteções de segredo comercial para o código-fonte junto com outras barreiras legais para aplicativos open-source se conectarem a eles sem permissão.
Uma excitante possibilidade é criar uma defesa legal absoluta para empresas que fazem produtos “interoperáveis” que conectam-se às ofertas das empresas dominantes, desde tinta de impressora de terceiros a leitores não autorizados do Facebook que engolem todas as mensagens esperando por você e as filtram de acordo com suas especificações, não as de Mark Zuckerberg. Essa defesa de interoperabilidade teria que proteger os ferreiros de ferramentas digitais de todos os tipos de reivindicações: interferência ilícita, contornar bloqueios de direitos autorais, violação de patente e, é claro, violação de termos de serviço.
No caso de plataformas de mídia social irresponsáveis, como Twitter e Facebook, isso significaria permitir que qualquer instância de código aberto governada pelo usuário pegasse carona na plataforma do Twitter e/ou Facebook, importando listas de contatos e fazendo postagens multiplataforma, sem qualquer necessidade de permissão de Jack Dorsey ou Mark Zuckerberg.
Alternativas ao Facebook como a Diaspora poderiam usar os logins e senhas dos usuários para buscar mensagens do Facebook que o serviço havia posto na fila para eles, permitindo a esses usuários responderem as mensagens da Diaspora sem serem espionados pelo Facebook. Os usuários de Mastodon poderiam ler e postar no Twitter sem tocarem nos servidores do Twitter. Centenas ou milhares de serviços poderiam surgir, permitindo ao usuários diferentes opções para bloquear o assédio e oferecer contribuições interessantes de outros usuários — tanto os serviços de mídia sociais existentes quanto os usuários dessas alternativas.
Então, ao invés das pessoas descontentes irem a uma instância num Fediverso com menos de 1% dos vários usuários do Twitter, eles poderiam, efetivamente, tornar o próprio Twitter numa plataforma aberta como o Fediverso e reter todos os efeitos de rede do acesso a base de usuários do Twitter.
A vantagem do Facebook está nos “efeitos de rede”: uma ideia é que o Facebook aumenta em valor com cada usuário que se junta (porque mais usuários aumentam a chance de que a pessoa que você está procurando esteja no Facebook). Mas a interoperabilidade adversária poderia permitir que os novos participantes no mercado se apropriem desses efeitos de rede, fazendo com que os usuários mantenham o contato com amigos no Facebook mesmo que eles tenham saído do Facebook.
No caso específico do que chamamos falsamente de aplicativos de “carona remunerada”, Doctorow explica como a interoperabilidade adversária poderia facilitar a genuína carona remunerada, de verdade:
Suponha que haja um aplicativo desestabilizador que desestabilizaria os desestabilizadores.
Imagine que eu poderia instalar uma versão do Ride (chame isso de Meta-Uber) que saberia sobre todas as cooperações de transporte no mundo. Quando chegasse, pagaria um Uber ou Lyft, mas uma vez que o motorista tenha aceitado a corrida, o meu aplicativo Meta-Uber poderia mandar um sinal ao celular do motorista e perguntar: “você possui um aplicativo cooperativo de transporte no seu celular?”. Caso tanto o motorista quanto eu tenhamos o aplicativo, nossos aplicativos iriam cancelar a reserva do Uber e remarcar o trajeto com o Meta-Uber.
Dessa forma, poderíamos pegar carona na base estabelecida de carros do Uber e Lyft, os bilhões que eles investiram para legalizar os serviços de transporte compartilhado ao redor do mundo, os bilhões que gastaram em marketing para fazer com que nos acostumemos com a ideia de serviços de transporte compartilhado.
Esse serviço do Meta-Uber permitiria uma transição elegante de proprietários e acionistas para cooperativas de trabalhadores. Quando você precisasse de um carro, conseguiria sem ter que resolver o problema do ovo e da galinha da falta de motoristas, pois se não há passageiros, então não há motoristas. Uma tarifa por vez e poderíamos canibalizar Lyft e Uber e enviá-los para o abrigo.
Os bilhões que eles gastaram para estabelecer as “vantagens do pioneiro” não seriam uma muralha intransponível em torno de seus negócios: seriam pesos de pedra ao redor de seus pescoços. Lyft e Uber teriam excedentes de capital de vários bilhões de dólares que seus investidores esperariam recuperar, enquanto as cooperativas que agilmente saltam sobre Uber e Lyft não teriam tal fardo.
Seriamos capazes disso?
Sim. Tecnicamente, isso não é tão desafiador. Crie um serviço onde os dispositivos de motoristas e passageiros registram códigos exclusivos por viagem, ter o Meta-Uber para checar se o aparelho do motorista lançou um código exclusivo que corresponda ao seu, e então usar a ferramenta de cancelamento da viagem que já é incorporada ao Uber e Lyft para derrubar o antigo registro e recria-lo com o Meta-Uber…
Há centenas de outros metas que podemos imaginar: uma Meta-Amazon que faz seu pedido no lugar mais próximo; uma Meta-OpenTable que redireciona seus registros à uma ferramenta cooperativa.
Cada uma dessas cooperativas seria capaz de desestabilizar o monopólio digital que veio ao poder pregando o evangelho da instabilidade [i.e. o que os monopolistas digitais como Brown e outros no Reason devotam tanto interesse para defender — K.C.].
Cada um desses monopolistas digitais mudariam para um balido ofensivo de um predador atônito e confuso, rosnando impotentemente enquanto sua carne é dilacerada por milhares de pequenas mordidas de enxames de alta mobilidade, sucessores altamente evoluídos.
A real barreira não é técnica; é legal, como ele continua a descrever:
A lei tecnológica é um campo minado com regras excessivamente amplas que foram sistematicamente distorcidas por empresas que usaram a “interrupção” para abrir caminho para as antigas indústrias, mas agora usam essas leis para se proteger de qualquer pressão de iniciantes que tentam interrompê-las.
A primeira é a Lei de Fraude e Abuso de Computador…. CFAA é nominalmente um estatuto anti-intrusão de computador, que criminaliza “exceder sua autorização” em um computador que não pertence a você. Mesmo quando se passaram mais de 40 anos, estudiosos e praticantes tecnologicamente informados [sic] advertiram que isso era definido de forma muito ampla e que algum dia poderíamos ver essa regra usada para criminalizar atividades normais envolvendo computadores que possuíamos, porque o os computadores teriam que se comunicar com um servidor para realizar parte de seu trabalho, e o proprietário do servidor poderia usar “contratos de usuário” e “termos de serviço” onerosos para definir nossa autorização. Se isso se generalizar, essas licenças podem adquirir força de lei criminal e violá-las pode se tornar um crime jurídico.
40 anos depois, esses medos são justificados: CFAA é usada para ameaçar, intimidar, processar e até mesmo prender pessoas envolvidas em atividades perfeitamente legais, apenas porque violaram algum termo de serviço no meio do caminho.
A metástase dos termos de serviço em extensas novelas de impenetrável juridiquês criou um mundo onde qualquer coisa que você fizer para frustrar as ambições comerciais dos monopolistas digitais é uma potencial ofensa criminal.
Depois, há a Seção 1201 do Digital Millennium Copyright Act de 1998, um projeto de lei de Bill Clinton que cria um crime por “contornar um meio eficaz de controle de acesso” (também conhecido como Digital Rights Management ou DRM) para obras protegidas por direitos autorais…
Juntos, a CFAA e DMCA deram às empresas digitais acesso a uma obscura doutrina jurídica que nunca foi escrita pelo Congresso, mas é rotineiramente aplicada pelos tribunais: Desprezo criminoso do modelo de negócios.
A CFAA e a DMCA 1201 foram cuidadosamente distorcidas em escudos defensivos e anti-interrupção que estão disponíveis apenas para empresas digitais. Os proprietários de medalhões de táxi não podem usar a CFAA e a DMCA 1201 para manter o Uber e o Lyft fora de suas cidades.
Mas o Uber e o Lyft poderiam usar essas ferramentas legais para manter o Meta-Uber fora de seus resultados financeiros. O Uber e o Lyft têm longos termos de serviço que estabelecem as regras sob as quais você está autorizado a se comunicar com os servidores do Uber e do Lyft. Estes termos de serviço proíbem o uso de seus servidores para localizar motoristas para qualquer finalidade que não seja a reserva de uma viagem. Eles certamente não permitem que você localize um motorista e, em seguida, cancele a reserva e faça uma nova reserva com um aplicativo cooperativo.
E os aplicativos do Uber e do Lyft são criptografados em seu telefone, então, para fazer engenharia reversa, você teria que descriptografá-los (provavelmente capturando uma imagem de seu código descriptografado enquanto estava sendo executado em um telefone virtual simulado em um computador desktop). Descriptografar um aplicativo sem permissão é “ignorar um meio eficaz de controle de acesso” para um trabalho protegido por direitos autorais (o aplicativo é composto de um código protegido por direitos autorais).
O Uber e o Lyft podem usar o DMCA 1201 para impedi-lo de descobrir como usá-los para localizar motoristas cooperativos e podem usar o CFAA para te impedir de mudar sua reserva do Uber para o Meta-Uber.
E essas mesmas barreiras legais — novamente, o protecionismo e as regulações governamentais — são o coração do modelo de negócios dos proprietários de aplicativos em geral.
Então, resumindo, praticamente cada componente singular do enquadramento manipulativo de Davi vs Golias feito por Brown é falso. A Big Tech é inveterada e nepotista, e utiliza regulações governamentais para suprimir a ruptura. Restaurantes, motoristas, consumidores e outros usuários das plataformas da Estrela da Morte de todos os tipo precisam expropriar a propriedade intelectual deles, quebrar os monopólios e dizer aos seus defensores para irem ao inferno.
1. Matt Bors é um cartunista editorial norte-americano e editor da publicação de quadrinhos on-line The Nib. Os quadrinhos que ironizam o senso comum da direita foram reunidos e publicados no livro “We should improve society somewhat”. (N. do T.)
2. Elizabeth Nolan Brown é a editoria sênior no site Reason, onde ela escreve regularmente sobre intersecções do sexo, discurso, tecnologia, crime, política, panico e liberdades civis. Ela também é co-fundadora do grupo de feministas “libertárias”, Feminists for Liberty. (N. do T.)
3. Techlash, acrônimo formado a partir das palavras techonology e backlash (forte reação negativa a questões sociais ou políticas) é o termo que define a animosidade pública em relação às grandes empresas de tecnologia, especialmente as do Vale do Silício. De acordo com o Oxford English Dictionary, o fenômeno techlash é “uma forte e generalizada reação negativa ao poder e influência de grandes empresas de tecnologia, particularmente aquelas baseadas no Vale do Silício.” (N. do T.)
4. A gig economy é uma forma de economia “alternativa” que consiste em freelancers e trabalhadores autônomos, informais (como no caso do Uber, Amazon Flex, Lyft, Rappi e o IFood). (N. do T.)
5. Walled Garden é um termo em telecomunicações e marketing que define um ambiente fechado que limita as informações e coleta os dados dos usuários, ou seja, todas as operações desse ecossistema são controladas pelo operador.
Essa prática tem como objetivo manter o usuário dentro de determinada plataforma a fim de coletar dados e lucrar com a publicidade. As grandes empresas de tecnologia como Facebook, Apple, Amazon e Google usam essa técnica. (N. do T.)