Tenha ou não ditador sírio Bashar al-Assad usado armas químicas, o Presidente Obama não tem base legítima para intervir.
Ataques aéreos dos Estados Unidos, visantes a punir e a dissuadir Assad e a degradar sua instituição militar, mas não a derrubar seu regime, aumentariam o investimento dos Estados Unidos na guerra civil síria e tornariam ainda maiores as probabilidades de intervenção ulterior. A interveção anterior de Obama é o que nos levou a este ponto. Em vez de ficar longe desse conflito regional, ele declarou que Assad tem de sair; designou o uso de armas químicas como “linha vermelha” cujo cruzamento acarretaria reação dos Estados Unidos; e armou e ademais auxiliou a oposição a Assad, que é dominada por jihadistas no estilo da al-Qaeda, que não nutrem sentimentos positivos em relação aos Estados Unidos. Uma vez presidente estadunidense faça dessas coisas, passos adicionais serão quase inevitáveis, se não por outra razão que a “credibilidade estadunidense” ser dita estar em jogo.
Já se pode ouvir os falcões da guerra verberando Obama por seus ataques punitivos “meramente simbólicos” que não tiveram efeito real na guerra civil. Uma vez tendo dado esse passo, conseguirá Obama resistir à pressão por imposição de uma zona de voo proibido ou mais bombardeios? Ele e a instituição militar não parecem entusiasmados com ir mais fundo, mas a pressão política poderá ser formidável. Será que o povo estadunidense manterá sua oposição a envolvimento mais pleno quando a mídia noticiosa aumentar o volume dos tambores de guerra? Quanto tempo antes que as fotos da zona de guerra criem aprovação pública para “intervenção humanitária,” para a qual os falcões então apontarão em apoio de sua causa?
Não se equivoquem: os Estados Unidos estariam cometendo ato de guerra à Síria — e, a julgar pela intervenção na Líbia em 2011, estariam-no fazendo inconstitucionalmente, sem autorização do Congresso. Se a história nos ensina algo, é que tal guerra será imprevisível. Mesmo ataques “cirúrgicos” limitados poderão ter consequências não pretendidas (mortes de civis e perdas estadunidenses) e provocar reações imprevistas, inclusive dos aliados da Síria Irã e Hezbollah.
Explorar alegações não fundamentadas acerca de armas químicas também envolve risco de repetir as trapalhadas de há uma década, quando inteligência questionável foi usada para justificar guerra ilícita de agressão ao Iraque. Haverá base para confiança nas alegações de que as forças de Assad usaram armas químicas? Talvez o tenham feito, mas alguma coisa não faz sentido. Assad tinha muito a perder com o uso delas, enquanto os rebeldes muito a ganhar: intervenção ocidental em seu favor. (Em maio membro da Comissão de Investigação Independente da Síria das Nações Unidas concluiu que os rebeldes podem ter usado armas químicas à época.) Como escreve Peter Hitchens,
O que poderia ter tomado [Assad] para que ele fizesse algo tão insano? Ele estava, até aquele evento, na verdade indo bastante bem em sua guerra contra os rebeldes sunitas. Quaisquer ganhos concebíveis decorrentes do uso de armas químicas seriam neutralizados um milhão de vezes pelo risco diplomático. Não faz sentido.
Hitchens urge cautela:
Parece-me haver diversos motivos para sermos cautelosos. O primeiro é que temos a tendência de acreditar em coisas ruins a respeito daqueles que já decidimos serem inimigos, especialmente em democracias onde eleitores têm de ser persuadidos a assinar o vasto cheque em branco da guerra.
Finalmente, é grotesco ver autoridades do governo dos Estados Unidos, como o Secretário de Estado John Kerry, condenando as táticas de guerra de alguém como “moralmente obscenas” devendo “chocar a consciência do mundo.” Desde 1945 o governo dos Estados Unidos deflagra guerras de agressão com violação da lei internacional. Torturou prisioneiros detidos sem acusação. Lançou bombas atômicas em centros civis, e usou napalm, Agente Laranja, explosivos de urânio empobrecido, e armas incendiárias de fósforo branco. Fez bombardeios de arraso e incendiários em cidades. As minas terrestres não explodidas e bombas de fragmentação ainda ameaçam os povos do Vietnã e do Cambódia. (Dezenas de milhares de pessoas já foram mortas ou feridas desde que a guerra terminou em 1975.)
Hoje o governo dos Estados Unidos cruelmente inflige sofrimento a homens, mulheres e crianças iranianos por meio de sanções econômicas praticamente totais — do mesmo modo que o fez ao povo iraquiano de 1990 a 2003. Ademais ameaça guerra de agressão ao Irã.
E embora seletivamente lamente a crise humanitária na Síria, a administração Obama banca o governo militar do Egito, que massacrou mais de mil manifestantes nas ruas, e a repressão a palestinos por Israel.
O governo dos Estados Unidos deveria pôr a própria casa em ordem e parar de dar lições de moral aos outros.
Artigo original afixado por Sheldon Richman 29 de agosto de 2013.
Traduzido do inglês por Murilo Otávio Rodrigues Paes Leme.