What Is “Left-Libertarianism?”, de Jason Lee Byas. Traduzido para o Português por Gabriel Serpa.
O que é Libertarianismo de Esquerda? O termo (como está sendo empregado aqui) aponta para uma vasta tradição de correntes intelectuais que são radicalmente libertárias e esquerdistas, simultaneamente, incluindo alguns dos elementos mais radicais do liberalismo inglês (tais como Thomas Hodgskin e os primeiros escritos de Herbert Spencer); o anarquismo individualista oitocentista; na década de 1960, a aliança entre anarquistas de mercado e a nova esquerda (new-left); e o ressurgimento contemporâneo do anarquismo de mercado anti-capitalista.
Libertarianismo de esquerda também já serviu para designar os anarco-comunistas (e outras vertentes de anarquismo que rechaçam o mercado), bem como os teóricos acadêmicos da filosofia política que reconhecem o direito à autopropriedade enquanto rejeitam o instituto da propriedade privada dos recursos naturais, e ainda tentam conciliar formas moderadas de libertarianismo com progressismo e o liberalismo americano moderno. Entretanto, estes usos do termo são meros homônimos e nada têm a ver com o libertarianismo de esquerda a ser descrito adiante.
Provavelmente, seria impossível apresentar qualquer definição concisa, precisa e definitiva daquilo que une o conjunto geral de ideias que compreendem o libertarianismo de esquerda, e sempre haverá exemplos contraditórios, a qualquer tempo em que se tente fazê-lo. No entanto, aqui vão três das suas mais importantes características.
Profundo Comprometimento com o Individualismo
Uma maneira de definir o libertarianismo de esquerda é aglutinando visões radicais de libertários, acerca da não-agressão, com a compreensão radical da esquerda de não-dominação. O Individualismo integralmente constituído se opõe tanto às instituições repressoras do indivíduo, que agem por meio da ameaça e da violência (como o estado), quanto a qualquer outro arranjo social mais genérico que subordine um indivíduo a outro (ou um grupo de indivíduos a outro).
De forma mais concreta, isto implica na oposição a estruturas de poder informais como, por exemplo, o sexismo, o racismo e o capitalismo corporativo (no original, managerial capitalism. Em breve, mais sobre isto). Daí o motivo dos libertários de esquerda frequentemente enfatizarem a importância dos mercados como força cultural, com capacidade de acomodar as mais amplas variações sociais e minar aquelas dinâmicas opressivas.
Este individualismo interseccional é encontrado, pelo menos, desde a obra Estática Social (em inglês, Social Statics), de Herbert Spencer, na qual ele acusa que o despotismo presente no estado está necessariamente associado àquele presente na estrutura familiar. Esta também foi a atitude dos anarquistas individualistas, que foram não apenas os mais radicais dos oitocentistas a defenderem o livre mercado, mas também estiveram na linha de frente de seu movimento feminista. De tal forma que Moses Harman foi preso, sob as leis de obscenidade (no original, obscenity laws), por publicar ataques abertos à prática, até então legal, do estupro marital. Voltairine De Cleyre abordou este ocorrido em seu ensaio Escravidão Sexual (em inglês, Sex Slavery).
Livre Mercado Anti-Capitalista & Análise de Classe Libertária
Ao visualizar os inúmeros arranjos sociais aos quais os libertários de esquerda se opõem, em virtude de seu esquerdismo, o capitalismo foi provavelmente o que se destacou como estranho, tendo em vista que oslibertários de esquerda ainda são libertários. Todavia, o libertário de esquerda deveria entender que o capitalismo não está relacionado a uma economia de mercado, ao laissez-faire, ao empreendedorismo, à propriedade, ou a qualquer outra coisa que, normalmente, os libertários que se identificam com aquela palavra têm em mente. De fato, o anarquista individualista Benjamin Tucker considerava a propriedade tão importante que se recusava a reconhecer como anarquistas alguns anarco-comunistas, tais como Piotr Kropotkin e Johann Most, devido à rejeição destes em relação à ela.
Em vez disso, capitalismo relaciona-se, dentro deste contexto, com a crescente concentração de riquezas em números relativamente pequenos de pessoas, e com a dominação social que administradores e capitalistas exercem sobre o trabalho e a sociedade em geral. Parte da rejeição ao capitalismo, vinda dos libertários de esquerda, então, deve-se ao caráter mais abrangente de seu individualismo; mas há ainda outra parte, que se deve à observância de que empresas que adotam o modelo hierárquico, que age de cima para baixo, tornam-se absurdamente ineficientes.
Em decorrência de problemas como o de cálculo econômico e operação, mercados genuinamente livres e competitivos tenderiam a dissolver instituições paquidérmicas por completo. Isto extinguiria o domínio corporativo, deixando que modelos horizontalizados, como cooperativas e acordos individuais, tomassem seu lugar. O libertário de esquerda contemporâneo, Kevin Carson, faz a defesa extensiva desta tese em seu livro Organization Theory: A Libertarian Perspective.
Mas se o autoritarismo dentro do ambiente de trabalho é tão ineficiente, por que ele persiste? Resumidamente: governo.
O ambiente econômico no qual vivemos não é de livre mercado; em vez disso, criam-se modelos de negócios artificialmente eficientes, em detrimento de outros artificialmente ineficientes, devido a um pano de fundo institucional extremamente intervencionista.
Os libertários de esquerda rejeitam ambas as narrativas que apontam as grandes empresas e os governos como inimigos, ou ainda como indiferentes uns aos outros; mas acusam exaustivamente uma inevitável interdependência deles. Está na essência do próprio estado servir para que os ricos e os socialmente poderosos se utilizem dele para extrair ainda mais recursos de todo o resto da população.
Durante o período em que Murray Rothbard pertenceu à esquerda, o foco nas teses de elites do poder (no original, power elite) e na análise de classe libertária ocupou o centro das discussões. Graças à influência de historiadores adeptos à new-left, como Gabriel Kolko, defensores radicais do livre mercado passaram a atacar a mitologia, comumente propagada, de que as regulações existem apenas para nos proteger da dominação dos poderosos. Como argumentou Roy Childs, em Big Business and the Rise of American Statism, a verdade nos revela o oposto: aumentos drásticos nas regulações têm servido como proteção aos que ocupam classes sociais mais abastadas.
Ação Direta nas Mudanças Sociais
Se os libertários de esquerda estiverem certos quanto ao estado, necessariamente, se movimentar para garantir a dominação e a exploração de uns pelos outros, a ação política passa a ser encarada como método sem eficácia. De fato é, se entendermos por ação política meros esforços eleitorais e abordagens centradas apenas em estratégias do tipo.
No lugar da política eleitoral, libertários de esquerda tendem a concentrar seus esforços diretamente naquilo que desejam mudar (a sociedade), em vez de apelar para a organização que eles gostariam de ver extinta (o estado). Isto não inclui apenas a ênfase na educação individual, mas também a busca de novos métodos para se contornar a repressão estatal e a constituição de instituições alternativas que lidem com os problemas que o estado cria ou falha em resolver.
Historicamente, isto abrange experiências como a de Lysander Spooner e a Companhia Americana de Correspondência (originalmente, American Letter Mail Company); os esforços trabalhistas radicais de Dyer Lum; e a concepção de Samuel E. Konkin III em torno da contraeconomia. Isto ainda pode ser encontrado, hoje, no entusiasmo dos libertários de esquerda por projetos como as criptomoedas, o ativismo trabalhista radical, as impressoras 3D, o compartilhamento de arquivos, a ajuda mútua popular e o monitoramento de agentes policiais (no original, cop-watching).
Como nos explica Kevin Carson, o foco do libertarianismo de esquerda não é derrubar o estado, mas ignorá-lo. Qualquer um que queira seguir apoiando-o e obedecendo suas leis que o faça, desde que nos deixem em paz. Nosso objetivo é erguer a sociedade que queremos enquanto evitamos que o estado nos destrua por fazermos isto. O último a deixá-lo que apague a luz.”
Existem mais incontáveis aspectos que fazem dos libertários de esquerda seres muito distintos entre si; estes que foram aqui discutidos trataram do assunto apenas de forma rápida e introdutória.