The following article is translated into Portuguese from the English original, written by Kevin Carson.
Num artigo no Huffington Post o economista e no passado caxias da política neoliberal Jeffrey Sachs (“O Engodo Orçamentário e o Declínio dos Estados Unidos,” 23 de julho) reclama das vezes em que Obama deixou-se dobrar — e também reclama pelo mesmo motivo de outros Democratas do establishement — pelos Republicanos.
“Nos Estados Unidos, estadunidenses super-ricos levaram a melhor sem esforço. Nosso país é gerido por milionários e bilionários e, para milionários e bilionários, o resto do país que se dane.” O país é de propriedade de “os ricos e as corporações multinacionais.”
Ele acusa os Democratas (“o Partido Democrático de propriedade de Wall Street”) de conluio para criar esse estado de coisas. Ele vem sendo o partido dos bancos desde que “o moderno Partido Democrático foi recriado por Bill Clinton e Robert Rubin.”
Sachs também menciona, utilmente, que “viajo pelo mundo como parte de meu trabalho…” De fato. Hoje em dia ele se engaja em viagens de ricaços pelo mundo com pessoas “progressistas” como Bono (que, aliás, já deixou claras suas credenciais “progressistas” ao destacar a censura chinesa à Internet como modelo a ser usado pelos nazistas do copyright da Associação da Indústria de Gravação dos Estados Unidos/Associação Cinematográfica dos Estados Unidos para suprimir o movimento de compartilhamento de arquivos).
Sem embargo, algumas das viagens mais antigas do Sr. Sachs, lá nos anos noventa, envolveram facilitar a entrega da Rússia a exatamente o mesmo tipo de cleptocracia de quadrilhas bancárias do qual ele agora reclama em relação aos Estados Unidos. Na verdade, ele pressionava no sentido dos mesmos tipos de “reforma de livre mercado” neoliberal na Rússia que o supramencionado Bob Rubin ajudou Clinton a forçar dentro dos Estados Unidos.
E tenhamos em mente que aquilo que Sachs fez cessar era, plausivelmente, muito mais crível como política de genuíno livre mercado do que aquilo que ele colocou em seu lugar. O programa de privatização de Gorbachev envolvia converter a indústria estatal em cooperativas de trabalhadores autogeridas, em algo como o modelo de socialismo de mercado iugoslavo. E, na Polônia, o Solidariedade estava fazendo pressão pela reorganização da indústria estatal ao longo de linhas similares de cooperativas, administradas pelos sindicatos na forma de um modelo sindicalista. Era o modelo de Rothbard para privatizar a indústria estatal em países anteriormente de socialismo de estado: tratar a propriedade do estado como sem dono e deixar os trabalhadores que efetivamente a usavam tomar posse dela. Esse era o modelo proposto por David Ellermann, à época no Banco Mundial.
Sachs não acatou nenhuma dessas propostas daqueles que desqualificou como “imbecis da autogerência.” O que ele queria era “capitalismo normal” segundo o modelo corporativo estadunidense, com um mercado de ações e pencas de mestres em administração de empresas empregados para despojar haveres, reduzir capital humano e presentearem-se a si próprios com multimilhões de bônus em rublos.
De acordo com Naomi Klein, em A Doutrina do Choque, a “privatização” levada a efeito por Yeltsin, sob a benévola supervisão do Sr. Sachs, teve lugar desta forma: Os ministros de estado russos transferiram enormes fundos públicos para bancos de propriedade dos oligarcas — eles próprios figuras de proa do estado e da antiga liderança do Partido Comunista. Os bancos dos oligarcas, por sua vez, conduziram os leilões de privatização da indústria estatal — e eles próprios ofereceram os lances, usando os fundos apropriados fraudulentamente recebidos do governo. Klein referiu-se a isso como “a mineração predatória a céu aberto de um estado industrializado.” Isso, aliás — e a suspensão pela força, por Yeltsin, do parlamento, e seu governo por decreto — deixou amplamente de ser mencionado pelos mesmos indivíduos que atualmente guincham a propósito do autoritarismo de Putin. A diferença é que Yeltsin era o capanga deles.
Em suma, depois da queda da Cortina de Ferro, Jeffrey Sachs ajudou a fazer com o povo do antigo bloco soviético o que Pinochet havia feito ao Chile. As pessoas tiveram sua revolução roubada de sob elas por Sachs e os de sua laia.
É engraçado como certos “Progressistas” conseguem ser bem progressistas principalmente antes de serem postos no poder (como o Sr. Esperança e Mudança em 2008), ou depois de saírem dali (Sr. Sachs) — e não quando efetivamente estão no poder. Geleia ontem e geleia amanhã(*) — mas nunca geleia hoje. Engraçado, o efeito que o poder parece ter sobre os ideais “progressistas” dos que o detêm. (* A expressão em inglês é jam tomorrow, ‘geleia amanhã’, significando promessa nunca cumprida. Vem de Lewis Carroll, ‘Através do Espelho e o que Alice Encontrou Ali’. A rainha diz a Alice que, por dois centavos, ela teria geleia um dia sim, um dia não. E isso seria feito da seguinte maneira: geleia ontem, e geleia amanhã. Com isso, ter geleia hoje quebraria a regra de a geleia só estar disponível um dia sim, um dia não, e portanto geleia hoje seria sempre impossível. Ver Wikipedia, ‘Jam tomorrow’.)
A gente quase começa a desconfiar ser impossível conseguir qualquer coisa progressista por meio do exercício do poder estatal.
Artigo original afixado por Kevin Carson em 28 de julho de 2011.
Traduzido do inglês por Murilo Otávio Rodrigues Paes Leme.