Por Frank Miroslav. Artigo original: We don’t Agree on Capitalism, de 1 de maio de 2025. Traduzido para o português por p1x0.
Saludos amigues, soy p1x0, Tradutor & anarquiste de vila, interessado na superação do Estado das coisas como estão. Considere apoiar meu trabalho Clicando Aqui.
Um Século Ruim para o Pensamento
Uma coisa curiosa sobre a história do anarquismo e do marxismo é que, apesar do longo histórico de rivalidade e conflito entre nossas respectivas tradições, há uma aceitação implícita de Marx por parte de anarquistas. Quando os anarquistas são pressionados a explicarem o que exatamente é o capitalismo, o que muitos descrevem é inteiramente compatível com formas mais libertárias de marxismo.
Alguns anarquistas ficam felizes em admitir essa convergência, que correntes libertárias do marxismo como o comunismo conselhista ou o autonomismo são próximos ao, senão factualmente, anarquistas. Outros usam o argumento de má-fé e declaram falaciosamente que marxismo necessariamente implica em uma economia comandada pelo estado ou que marxistas jamais poderiam levar em consideração as novas classes como gerentes ou profissionais enquanto permanecem de fato marxistas na economia.
Mas nem toda crítica anarquista ao marxismo é assim tão rasa. Alguns propuseram críticas razoavelmente sofisticadas que cortam o marxismo de forma mais profunda. Entretanto, mesmo estas críticas podem ser inconsistentes em sua relação com o marxismo. Por exemplo, o falecido David Graeber dizia que “a competição no mercado não é, de fato,tão essencial à natureza do capitalismo quanto Marx e Engels pensavam” embora também admitisse que “não há necessariamente contradições entre anarquismo e comunismo”. Essa tendência, de ao mesmo tempo ser crítico de partes centrais do marxismo, e ainda assim aceitá-lo, é endêmica ao anarquismo.
Anarquistas podem discordar seriamente do marxismo, mas a falta de uma teoria alternativa significa que eles vão recorrer ao marxismo quando chamados a responder o que é o capitalismo. Marxismo é a hipótese nula do anticapitalismo e por isso, a menos que seja explicitamente rejeitada, as pessoas tendem a usá-la. Entretanto, não acredito que essa inconsistência seja consequência do anarquismo ser inconsistente ou uma forma de marxismo. Na verdade, a (atual) dominância do marxismo entre anarquistas é uma consequência de desdobramentos históricos.
Enquanto Marx estava vivo e nas décadas após sua morte, o marxismo era apenas uma corrente do socialismo entre inúmeras. Para um exemplo da influência de Marx, o historiador Eric Hobsbawm em How to Change the World cita o Contemporary Socialism, de John Rae, publicado um ano após a morte de Marx, que dedicou apenas um de seus nove capítulos a Marx. Além disso, era razoável duvidar que ele viria a ser o centro do anticapitalismo daí em diante. Seu potencial revolucionário estava enfraquecendo no começo do século 20 após partidos social-democratas de massa ao longo da Europa se moverem numa direção reformista. A massa da esquerda revolucionária nos anos 1900 e começo da década de 1910 estava ligada ao sindicalismo revolucionário, que emergiu explicitamente em resposta ao supracitado conservadorismo da social-democracia dominada pelo marxianismo. E por mais que alguns sindicalistas tenham se inspirado em Marx, o movimento era incrivelmente diverso em suas bases teóricas. Foi necessário a Guerra Civil Russa para tornar o marxismo o centro do anticapitalismo revolucionário.
A razão mais direta para o apelo marxista era que os Bolcheviques aparentemente haviam emplacado uma revolução. Por mais que as pessoas resistissem à propaganda que supervalorizava o papel da disciplina Bolchevique e da teoria marxista, sucesso militar tem um carisma inegável para aspirantes a revolucionários. Mas a União Soviética também tinha um peso filosófico. Era um estado que justificava sua existência apelando para uma filosofia sistemática moderna que explicitamente declarava que uma revolução global seria iminente e desejável. Isso era algo genuinamente novo no tabuleiro global e significava que o marxismo deveria ser levado a sério mesmo por forças mais conservadoras. Como consequência a URSS ativamente promoveu a filosofia marxista. Ela compilava, traduzia e produzia literatura marxista em massa para justificar suas políticas, para fazer proselitismo aos não convertidos e para estabelecer a doutrina dos partidos comunistas e estados que eram alinhados a Moscou. Uma consequência direta disso era o fato de que a literatura marxista era mais acessível do que outras tradições socialistas. Isso ajuda a explicar o motivo pelo qual O Manifesto Comunista é um dos livros mais citados nas ciências sociais. Entretanto, não foi um simples caso de imposição de ideias de cima para baixo. De fato, quando se trata de influenciar o anarquismo, correntes marxistas que vão das bases para o topo foram muito mais importantes no longo prazo.
Antes da Primeira Guerra Mundial, a maioria dos intelectuais marxistas estavam diretamente conectados a um partido socialista. Eles lecionavam em escolas do partido ou faziam jornalismo e pesquisa para o partido. O resultado foi que seus trabalhos eram focados em preocupações pragmáticas de desenvolvimentos econômicos ou estratégia. Entretanto, após a guerra, intelectuais marxistas passaram a expandir o escopo de suas investigações, participando de críticas sociais, análises culturais, e especulação filosófica.
Uma motivação para esta virada era a linha do partido que a União Soviética exigia. Para que partidos comunistas fossem reconhecidos e ganhassem apoio da União Soviética era necessário aceitar uma linha política e econômica específica. Intelectuais marxistas que eram parte de partidos comunistas que queriam ser criativos não podiam sê-lo nestes campos.
Isto veio junto com o crescimento do número de pessoas da classe média com interesses intelectuais se interessando pelo marxismo seguindo sua legitimação e uma ampla radicalização que surgiu com a Primeira Guerra Mundial. Era possível ser um escritor marxista, artista, ou acadêmico e ter uma carreira profissional desconectada do partido. Não estando envolvidos em movimentos sociais, essas figuras se focaram em questões culturais e filosóficas ao invés de questões práticas ligadas aos movimentos culturais. Essa tendência foi ampliada pelo crescimento da academia conforme os financiamentos aumentaram durante a Guerra Fria. Muitos marxistas radicalizados nos movimentos estudantis foram para academia para responder a paradigmas dominantes e influenciar toda a sociedade, enquanto também tomavam vantagem do financiamento estatal.
Alguns desdobramentos positivos vieram daí, com vários marxistas tendo impacto em várias disciplinas de forma significativa como no campo da história. Infelizmente, a academia apresentou vários incentivos negativos que foram irresistíveis para muitas pessoas de esquerda. O resultado foi que a criação de feudos acadêmicos, respeitando os limites das disciplinas, um sem-fim de metacomentários, e a adoção de identidades profissionais que desencorajaram um ativismo relevante.
Enquanto o marxismo estava em ascensão, o anarquismo estava em declínio. O fracasso da Guerra Civil Espanhola, acelerado em parte pelas ações da União Soviética em tentar controlar os Republicanos. Isso foi seguido de uma ampla perseguição estatal por todo o mundo. Assim nossos números diminuíram drasticamente. Comunidades anarquistas vibrantes foram destruídas por ataques e levantes sociais, enquanto nossa literatura podia ser encontrada somente em livrarias radicais isoladas ou sebos.
Nos anos 50, muitos a consideravam uma ideologia superada. Enquanto comunidades anarquistas na Itália, Grécia e Inglaterra sobreviveram à repressão e ao desalojo trazido pela guerra, elas eram consideradas meras curiosidades no real conflito entre o socialismo de estado e o capitalismo. Em uma época de (supostos) estados e corporações centralizados hierárquicos e racionais que agraciavam o mundo, era fácil para marxistas os descartarem como irrelevante dada a suposição de que o anarquismo seria sinônimo de ludismo e econômicas arcaicas.
Como Eric Hobsbawm disse sem rodeios em seu ensaio Reflections on Anarchism, o anarquismo não era apenas um movimento revolucionário que havia falhado, ele era (supostamente) “praticamente destinado a falhar”. Mas mesmo aqueles com simpatias pelo anarquismo tinham dúvidas sobre seu futuro. O historiador George Woodcok, que escreveu uma das mais academicamente influentes histórias do anarquismo no começo dos anos 60, concluiu sua história do anarquismo declarando-a como uma ideologia superada. Ainda assim o movimento anarquista provou ser mais resiliente que estas análises. Ele se recuperou lentamente nos anos 60 e 70, com uma minoria de ativistas nos EUA e na Europa se identificando como tais.
A forma de marxismo que era dominante entre ativistas na época era consideravelmente diferente da que havia sido popular nos anos 30. Partidos comunistas oficiais estavam deslegitimados após várias atrocidades cometidas pela União Soviética se tornarem inegáveis. Mas muitos na New Left insistiram no marxismo. O problema com estes estados era apenas que eles haviam aplicado incorretamente a teoria. E tantas pessoas de esquerda adotaram uma forma fundamentalista de marxismo, se voltando para Lenin, Trotsky, Mao, ou algum outro revolucionário em busca de respostas claras sobre como mudar a sociedade onde se encontravam. Estas organizações eram altamente sectárias, tinham problemas em aumentar seus números e mudar o mundo acabou sendo significativamente mais complicado do que as narrativas simples que prometiam vitórias.
Tudo isso os tornou frágeis frente a mudanças sociais mais abrangentes. Muitos que se voltaram para o marxismo fizeram em um contexto de levantes sociais que muitos acreditavam significar que a mudança revolucionária era iminente. A virada conservadora global dos anos 80 destruiu essa hipótese e viu muitos desistirem do projeto. A confiança foi ainda mais abalada pelo colapso e reforma dos estados socialistas no fim dos anos 80 e começo dos anos 90 como muitos marxistas na New Left justificaram suas aspirações apontando para o “sucesso” da Rússia, China, ou algum outro estado socialista.
Dada a dominância do marxismo, era fácil para anarquistas que surgiram neste período diferenciarem a si mesmos dos piores aspectos da ideologia com a qual eles tinham experiências pessoais. Mas apesar desta rejeição, influências mais sutis permaneceram no campo das ideias. Para dar um rápido exemplo sobre como este legado moldou ideias, eu quero focar brevemente em dois grandes anarquistas da América do Norte que foram marxistas na juventude, foram parte da New Left e definiram nitidamente centros de gravidade para o anarquismo nos anos 90: John Zerzan, and Murray Bookchin.
Após romper com o marxismo nos anos 50, Bookchin inicialmente era hostil a ele. Sua bem conhecida polêmica Listen Marxist foi uma denúncia contra o marxismo numa tentativa de resistir a tomada marxista do Students for a Democratic Society em 1969 onde ele chamou por uma “transcendência” do marxismo e declarou que Marx e Engels seriam “centralistas”. Entretanto, mais tarde em sua vida ele desenvolveu uma apreciação com mais nuances sobre o marxismo e suas críticas de racionalidade instrumental e a modernidade.
Após romper com o anarquismo para elaborar o “comunalismo”, ele era explícito sobre incorporar o que ele considerava “o melhor do anarquismo e do marxismo”. Sua visão de uma federação de comunidades de democracia direta racionalmente operando em harmonia com a natureza nitidamente está alinhada com várias aspirações do marxismo libertário.
Zerzan já é mais complicado. À primeira vista o primitivismo parece o polo oposto do marxismo, abertamente rejeitando a possibilidade de se utilizar os frutos do capitalismo para transcendermos para uma civilização mais tecnologicamente racional, para em seu lugar, advogar por um retorno para uma forma arcaica de liberdade. Ainda assim, ao formular sua crítica à civilização ele e outros se basearam nas leituras exageradas de determinismos tecnológicos de Marx, assim como críticas à racionalidade feitas por marxistas (de novo, a Escola de Frankfurt!), para argumentar que as necessidades sociais de tecnologias complexas sempre iriam escravizar a humanidade e expropriar o meio-ambiente (veja a influência marxista na publicação primitivista Fifth Estate, por exemplo).
Meu problema com estas articulações do anarquismo não é a influência do anarquismo, é que elas não dão conta de lidar com questões de agência, que penso eu, deveriam estar no centro da teoria anarquista. E por mais que eu dificilmente seja o primeiro a fazer esta conexão, pareço ser o primeiro a tentar escrever uma teoria do capitalismo que centre explicitamente estas questões.
A falha de uma alternativa teórica alternativa novamente tem a ver com circunstâncias e como discurso funciona nos espaços anarquistas. Apesar de nosso tamanho diminuto, o anarquismo tem visto desenvolvimentos conceituais desde os anos 30 que foram majoritariamente ignorados não apenas por marxistas mas pela filosofia política como um todo. Frustrantemente, a maioria destes materiais apenas não se tornou acessível.
Muito da inspiração anarquista existe presencialmente de forma subjetiva e tática entre as pessoas. Para entender isso é preciso que a pessoa se envolva com uma cena ou espaço para adquirir experiência o suficiente para costurar informações espalhadas entre várias pessoas, zines,posts de blogs, fios em redes sociais, textos de não-anarquistas, etc. Isso faz com que o, se tornar anarquista, seja algo desnecessariamente desafiador e chega a agir como uma barreira para o entendimento de anarquistas que vem de cenas e contextos diferentes!
Parte disso é resultado de um desejo de acumular capital intelectual ou preservar características únicas de subculturas, o equivalente anarquista aos marxistas que escrevem em teoriês; Mas também é uma consequência do alcance das críticas primitivistas da alienação tecnológica que infelizmente desencorajou muitos anarquistas a engajarem ou utilizarem a internet nos anos 90 e 2000. Muita coisa simplesmente nunca foi publicada online.
Essas atitudes passaram ao declínio na década de 2010 graças ao aumento da presença da internet, mudanças geracionais, e movimentos mais amplos que usaram as redes sociais como uma vantagem, como o Occupy. Infelizmente,a agitação e ampla radicalização das pessoas da esquerda desde 2016 significa que muitos têm estado ocupados apagando incêndios e recebendo pessoas para o trabalho.
Graças a tanta ênfase no imediato, comunicação cara-a-cara não é o mais essencial ao anarquismo. Emma Goldman(para nomear somente uma figura) escreveu aproximadamente duzentas mil cartas ao longo de sua vida. Certamente, as formas dominantes de comunicação na internet são péssimas em facilitar debates produtivos, mas elas não precisam ser assim para sempre.
Tudo isso para dizer que a (atual) confusão anarquista sobre nossa relação com o marxismo não é evidência de que o projeto anarquista é fundamentalmente falho, incoerente, ou secretamente marxista. Na verdade, é a consequência da gravidade filosófica e social que o marxismo exerceu sobre o anticapitalismo no século 20 e o contínuo processo de anarquistas se ajustarem aos fluxos forjados pela tecnologia da informação. Isso é algo do qual podemos nos recuperar e eu gostaria de acelerar o processo.
Portanto…
Uma há Muito Necessária Análise Anarquista do Capitalismo
Algo que eu gostaria que as pessoas entendessem sobre anarquistas é que nós não só acreditamos que a dominação tem efeitos ruins para a pessoa sendo dominada, mas que ela frequentemente tem efeitos subótimos para a pessoa que tem poder sobre a outra. Existem motivos bastante profundos que justificam essa hipótese.
Se você tem tanto poder sobre alguém que é capaz de controlá-lo, você deve dar as coordenadas para o que ele quiser realizar. Uma boa maneira de entender como isso imediatamente apresenta um problema é através da lente dos algoritmos. Um algoritmo é apenas um processo passo-a-passo para chegar a um fim específico dado determinados aportes. Então se você quer controlar alguma coisa, você quer ser capaz de reduzir os processos decisórios para um algoritmo que você definiu.
Isso imediatamente nos traz problemas. Se os aportes possíveis para um algoritmo podem ser descobertos a frente do tempo, é possível provar que o algoritmo trabalha avaliando todas as possibilidades. Mas se o campo de possibilidades supera vastamente o que avaliamos nós jamais poderemos saber com certeza se ele vai funcionar.
Agora, nem mesmo o mais ardente defensor das hierarquias diz que elas precisam ser perfeitas. Mas mesmo que rebaixemos nossas aspirações significativamente, nós ainda vamos encontrar o problema de mapear os aportes para corrigir as decisões a serem consideradas.
A razão pela qual traçamos a causa e o efeito. Objetos simples têm reações previsíveis a aportes e por isso podem ser modelados pelo futuro longínquo. Mas isso é porque esses objetos têm estruturas rígidas, estruturas imutáveis. Sistemas que são mais capazes de responder ao ambiente e se autotregular, que tem características que nós associamos com “agência” – memória, objetivos, a habilidade de refletir sobre as coisas, etc – são muito mais difíceis de se prever. Isso é porque você precisa modelar tanto os processos internos de tomadas de decisão, quanto os vários aportes de todo o ambiente que os influencia.
Mas não são apenas os caóticos sistemas complexos que apresentam problemas para essa abordagem. Mesmo objetos aparentemente simples contém imensas possibilidades precisamente por eles potencialmente poderem ser usados de formas novas pelos agentes. Por exemplo, um único tijolo pode ser usado de várias formas óbvias (a construção de algum tipo de estrutura), mas também incontáveis formas não óbvias (plantar flores em seus buracos, arremessá-lo numa janela durante uma manifestação, usá-lo como objeto de cena em uma performance, etc).
Além disso, as partes constituintes de um “objeto” podem potencialmente ser reconfiguradas de incontáveis formas, a argila que compõe o tijolo contém silicone e alumínio que podem ser extraídos e usados para outra coisa.
Fora dos contextos mais empobrecidos, diante de qualquer agente há um conjunto infinito de possibilidades que não podem ser totalmente avaliadas em um algoritmo previamente definido que possa perfeitamente guiar o agente. Felizmente este é um problema que pessoas e organismos no geral têm lidado há muito tempo. Mas isso é feito através das bases, via um engajamento constante com o mundo onde nossos modelos realmente estão sujeitos a um feedback constante, não através da imposição de uma série de diretivas vindas do topo.
Os resultados não são perfeitos. Mas tomadas de decisões perfeitas não são o ponto, o ponto é apenas fazer um trabalho bom o suficiente até que os objetivos do agente sejam alcançáveis. Entretanto, uma forma tão proativa de participação no mundo está em oposição com a manutenção das hierarquias do controle. Um sistema seguindo um algoritmo é previsível e portanto frágil diante fenômenos inesperados ou contabilizados. Assim, há valor na autonomia. Mas qualquer agente com algum nível de autonomia é capaz não só de atualizar seus modelos, mas também seus objetivos, que por sua vez podem o levará à se rebelar contra aqueles o controlando.
Isso é precisamente o que torna hierarquias estruturais estritas irracionais. Imposições organizacionais vão ignorar ou proibir soluções que são “óbvias” para aqueles que estão engajados diretamente com os problemas pois é difícil avaliá-los todos e as possibilidades não contabilizadas são potenciais caminhos para a resistência. Isso é expandido pelo problema da comunicação. Se você está conversando com uma pessoa, você pode mandar um número limitado de informação para ela. Isso se dá pois a largura de banda dos canais para informação dentro e fora do cérebro humano é uma fração do conteúdo informacional no cérebro humano.
Isso se torna uma limitação ainda maior conforme o número de pessoas envolvidas aumenta. Qualquer um tentando organizar outros precisa limitar ou comprimir o fluxo de informação que chega até si para não acabar sobrecarregado por ela. Essa compressão é frequentemente de baixa fidelidade e perde importantes nuances ao longo do caminho. Esta é uma consequência inerente da complexidade interna do cérebro contra a capacidade de carga dos canais de comunicação como a linguagem. Por mais que seja possível corrigir erros, isso exige que a pessoa que está confusa articule sua confusão e os tenha esclarecido, o que exige um fluxo de diálogo constante. Este problema aumenta conforme a organização aumenta em escala já que há um tempo limitado para a correção.
Então mesmo em situações onde o processo de tomada de decisão posto para um subordinado é insuficiente mas um superior poderia, em teoria, dar instruções corretas pode ser o caso de que o tempo necessário para que o superior entenda o suficientemente do problema para dar a solução correta signifique que o momento onde essa informação já tenha passado.
De fatos estes limites das hierarquias significa que subordinados frequentemente desenvolvem espaços informais de liberdade para si mesmos em sistemas formais de controle, pois seus superiores simplesmente não estão cientes do que está acontecendo. Além disso, essas liberdades são frequentemente essenciais para o sistema como um todo precisamente pois elas são como o sistema lida com o comportamento inesperado ou não contabilizado. E assim aqueles no topo das hierarquias encaram um ato de equilíbrio dando apenas liberdade o suficiente para seus subordinados para que o sistema seja capaz de se adaptarl, mas não o suficiente a ponto que eles possam efetivamente derrubar a hierarquia. Este é o problema perene que toda sociedade hierárquica na história teve que lidar, que permanece uma desprezada fonte de resistência até hoje (vide o panfleto da IWW, How to Fire Your Boss que detalha resumidamente várias formas que os trabalhadores podem usar essas irracionalidades sistêmicas em conflito com os capitalistas.)
Deste ponto, você consegue um argumento direto para um igualitarismo relacional. Uma vez que controlar um subordinado é tão exaustivo em muitas circunstâncias que acaba sendo menos taxativo dar a eles um grau de autonomia. Mas uma vez que você faça isso você introduz um grau de confiança entre as duas partes o que significa que mesmo que eles se diferenciem em capacidades (riqueza, poder, inteligência, status, etc.) a parte superior ainda tem motivos para tratar a outra com respeito pois autonomia dá ao inferior a capacidade de impor custos sutis que se acumulam ao longo do tempo.
Essa afirmação sobre a eficiência das relações igualitárias está em oposição às afirmações de Marx sobre a eficiência das relações hierárquicas que sustentam sua explicação sobre como o capitalismo se mantém. Central à concepção de Marx sobre como capitalistas extraem a mais valia, como as distinções de classe se mantém, e como capitalistas vieram a dominar o mundo é uma premissa que o que capitalistas individuais fazem com seu capital é racional no que se trata de explorar a força de trabalho. No capitalismo o sucesso no mercado é alcançado com processos produtivos mais eficientes e vencendo competidores e configurações menos eficientes são eliminadas.
Uma forma eficiente em que isso acontece é através da racionalização de processos de tal forma que a habilidade acaba corporificada na própria máquina. Conforme ele escreve em n’O Capital.
“Pelo meio de sua conversão em um autômato, o instrumento do trabalho confronta o trabalhador, durante o processo do trabalho, sob a forma do capital, do trabalho morto, que domina e seca, o poder do trabalho vivo. A separação dos poderes intelectuais de produção do trabalho manual, e a conversão destes poderes no poder do capital, é como já demonstramos, finalmente completo pela indústria moderna erigida na fundação do maquinário. A habilidade especial de cada operador individual insignificante desaparece como uma quantia infinitesimal diante da ciência, as gigantescas forças físicas e as massas do trabalho que são corporificadas nos mecanismos da fábrica e, junto deste mecanismo, compõem o poder do ‘mestre’”.
Essa racionalização permite que mais trabalhadores sob o comando de um único capitalista o que aumenta a eficiência geral:
“As leis desta centralização de capitais, ou da atração do capital pelo capital, não podem ser desenvolvidas aqui. Uma breve observação sobre uns poucos fatos já devem dar conta de responder. A batalha da competição é travada pelo barateamento de commodities. O barateamento das commodities exige, caeteris[sic] paribus, na produtividade do trabalho, e novamente na na escala da produção. Portanto, os capitalistas maiores vencem os menores. Therefore, the larger capitals beat the smaller.” [grifo nosso]
Essa eficiência é o que permite ao capitalismo dominar o mundo. Pelo Manifesto Comunista:
“A burguesia, pela rápida melhora de todos seus instrumentos de produção, pelos meios de comunicação imensamente facilitados, arrastam todas. mesmo as mais bárbaras, nações para a civilização. Os preços baratos das comodities são a artilharia pesada com a qual golpeiam todas as muralhas da China, com a qual forçam os bárbaros os bárbaros com imenso ódio de estrangeiros a capitular. Isso força todas as nações, sob as penas de extinção, a adotar o modelo burguês de produção; os força a introduzir o que chamam de civilização entre eles, issso é, que se tornem eles mesmos burgueses.”
É essa eficiência centralizada que ele vê como permitindo a possibilidade de um mundo além do capitalismo. Ao longo dos escritos de Marx constantemente aponta para a aparente contradição entre a (suposta) racionalidade dentro da firma e a “anarquia” fora do campo da troca.
No terceiro volume d’O Capital ele fala sobre como o surgimento de “sociedades anônimas” – o que hoje chamamos de “corporações” – socializou parcialmente a propriedade graças a formas difusas de propriedade que elas geram. Ele explicitamente declara que esta forma é “a abolição do modo de produção capitalista dentro do próprio modo de produção capitalista” e que estas seriam as suas bases técnicas.
Agora, eu não acredito que Marx está certo sobre a tendência em direção a simplicidade. A afirmação de Marx que você pode simples e racionalmente criar processos de produção não é só historicamente questionável. Por exemplo, veja o que diz David Noble sobre como fabricantes promoveram tecnologias ineficientes de automação que permitiram maior controle sobre os trabalhadores, mas nós também podemos apontar para a literatura sociológica e antropológica que observa grandes corporações.
Certamente, tamanha rigidez pode ser eficiente para fins específicos. Mas isso acontece às custas de potencialmente reconfigurar o processo de formas que também negue as ferramentas que permitiriam um escopo mais amplo de possíveis formas de se trabalhar. Mas este meio que é o ponto. Pois no sentido amplo a função do sistema capitalista é o controle e então a eficiência. Estados e grandes firmas hierárquicas têm uma relação simbiótica em que ambas oferecem algo de valor que o outro não tem quando se trata de navegar por um mundo incerto.
Os capitalistas naturalmente buscam a tecnologia de forma a reforçar o poder, porque é assim que eles tornam os trabalhadores mais fáceis de dirigir e controlar, o que permite certas economias de escala e também permite que eles reduzam os salários. Da perspectiva da sociedade como um todo isso é ineficiente e custoso na forma de várias externalidades negativas. Mas da perspectiva do estado, este arranjo é preferível pois centralização econômica permite ao estado melhor alcançar seus objetivos com um número menor de grandes firmas que podem ser mais facilmente mobilizadas.
E assim o estado pesa a balança em favor dos grandes capitalistas de inúmeras formas. Do policiamento de declarações de propriedade adquiridas através de expropriação, ao tornar formas de auto-emprego ou empreendimentos cooperativos mais onerosos ou absolutamente ilegais, a subsídios para o transporte de infraestruturas para nomear apenas umas poucas, o estado tem constantemente intervido para simplificar o contexto em que corporações operam durante os séculos, como Kevin Carson já detalhou. Mas o importante é que tais intervenções não são algo que se faz uma só vez. O ponto é que você quer algum grau de flexibilidade e redundância no sistema, para que ele possa se adaptar. Não há uma configuração estática entre políticas e firmas que garantem o poder, ao invés, o ponto é sempre se adaptar em um mundo em constante mudança.
Uma virtude principal do capitalismo é que os capitalistas podem ser substituídos. Por mais que haja uma latitude considerável para capitalistas e firmas cometerem erros, se eles cometerem grandes erros o suficiente serão removidos e outros tomarão seu lugar. Tais processos autofágicos acontecem mais amplamente com indústrias. Tecnologias disruptivas podem operar fora do escopo regulatório do estado e superar não só indústrias já existentes como potencialmente ameaçar relações de poder mais amplas. Entretanto, aqueles que comercializam a tecnologia tem bons motivos para se integrarem com o estado para continuar a receber lucros enquanto outros tentam entender como utilizar a tecnologia e então naturalmente inclinados a informar o estado em como impor barreiras ao uso popular que de outra forma pode atrapalhar as estruturas de poder,
Processos de rotatividade similares acontecem em estados com processos democráticos funcionais que permitem a troca não violenta de líderes, partidos, e mesmo ideologias sem descer até o conflito civil aberto. O capitalismo liberal então distribui o problema do controle entre muito mais pessoas e também permite a rotatividade de tecnologias e elites muito mais eficientes que as sociedades anteriores. O resultado disso é que sociedades capitalistas são muito mais capazes de se adaptarem do que outras ordens sociais.
É essa capacidade para adaptação que permitiu ao capitalismo dominar o mundo. Certamente estados modernos são capazes de usar avanços tecnológicos e arranjos sociais para derrotar contrapartes mais conservadoras. Entretanto, implementar esses novos meios surgem com considerável interrupção interna. Ordens menos flexíveis encontram aqui um desafio e frequentemente tornam-se estáticas,colapsam ou passam por uma revolução.
(Admito, o modelo simples que apresentei de capitalistas diretamente se relacionando com um só estado é complicado pela geopolítica interna em que capitalistas se relacionam com elites políticas de múltiplos estados incitando cada um deles. Enquanto isso exige maior elaboração, não penso que invalide a relação simbiótica básica que apontei, entre o estado e o capital).
Mas mesmo com toda essa relativa flexibilidade macrossistemas de dominação, o capitalismo permanece estruturalmente conservador precisamente pois uma ordem social mais dinâmica e responsiva tornaria o tipo de controle do qual capitalistas lucram impossível. A primeira conclusão que podemos chegar com esta descrição do capitalismo é que nós tranquilamente podemos dizer que podemos fazer melhor. Existem vastas possibilidades técnicas e organizacionais latentes que poderiam existir e seriam significativamente melhores em qualquer métrica, de produtividade, a auto-atualização, a redução de externalidades. Isso pode parecer óbvio, mas dadas quão baixas são as aspirações da Esquerda no geral apresenta, é torná-la explícita.
Mas essa leitura do capitalismo não nos dá apenas a promessa de uma alternativa significativa. Você pode derivar uma estratégia geral para chegar lá. Enquanto poucos anarquistas articularam os problemas do capitalismo em tão alto nível, muitos estão parcialmente cientes dessas dinâmicas através de uma combinação de prática e conhecimento de outras tradições teóricas. Disso, as pessoas desenvolveram uma riqueza de formas para operar esses limites e pontos fracos.
Existem muitas formas que de se encarar estas abordagens, mas eu pessoalmente sou fã dos delineamentos estratégicos que William Gillis faz:
• Insurreição: Aumentar a resistência popular por meio da demonstração de ações eficazes que qualquer pessoa pode realizar.
• Exploração: Ataques de contexto específico que exigem conhecimentos específicos, habilidades e situação para se operar.
• Desenvolvimento: Investir em explorar meios técnicos alternativos e caminhos que têm sido ignorados ou suprimidos.
• Contestação: Aplicar pressão à instituições existentes para mudar o balanço a nosso favor..
• Prefiguração: Tester e popularizar novas práticas técnicas e sociais.
• Erosão: Tornar a economia e a sociedade mais descentralizada e responsiva.
O que todos estes têm em comum é que eles usam ou mantêm abertas a possibilidades que estruturas de poder nos negam, para que assim possam sobreviver. Tal abertura me leva ao que as pessoas há muito consideram uma distinção entre marxistas e anarquistas: nosso foco nas éticas que motivam e guiam a ação de indivíduos versus a ênfase marxista em canalizar a energia que surge em resposta a opressão estrutural.
Há uma suposição popular de que ética e estratégia estão em oposição. E essa não é uma intuição pouco razoável. Ética é comumente entendida como comando de não fazer certas coisas. E assim, ao limitar nossas opções você está em desvantagem contra alguém com menos escrúpulos, se todo o resto for igual.
Agora, no senso comum, isso está correto. Se você vai para um confronto direto com e se compromete em não fazer algumas das coisas que o adversário está tranquilamente disposto a fazer, e tudo mais sendo igual, ele tem mais chances de vencer. Mas se um conflito ou combate acontece no longo prazo em mais de um contexto aberto, ter clareza sobre seus valores e aspirações é uma vantagem. Se você está tentando mudar um sistema complexo, é bastante fácil agir de forma que pareça superficialmente eficaz mas que, no fim, é contraprodutiva. Para ter um progresso relevante você precisa traçar os fluxos emaranhados de causalidade para encontrar pontos de pressão que não sejam óbvios. Nitidez com relação a seus objetivos age como uma espécie de filtro para informações irrelevantes o que permite que você torne o espaço do problema legível, o que por sua vez te permite avaliar mais facilmente os possíveis caminhos adiante. Por mais que não seja algo perfeito, a intenção é melhorar até que você tome as oportunidades que de outro modo teriam passado despercebidas ou identificar armadilhas a se evitar.
Questões de valores sempre valem a pena serem exploradas pois a confiança em outros nos permite uma cooperação mais dinâmica com os outros. Se você confia que alguém compartilha seus objetivos, você pode confiar nela para buscar mais ações autônomas em relação aos seus objetivos. Isso é vital quando lidamos com uma paisagem de vastas possibilidades. As limitações informacionais das organizações centralizadas significa que elas não são capazes de efetivamente percorrer múltiplos caminhos. Um conjunto fluido de indivíduos que não precisam passar por um comitê central podem ser muito mais efetivos em busca múltiplos objetivos em uma paisagem em constante mudança de possibilidades abertas, desde que estejam realmente dispostos.
Agora, concordo com aqueles que leem uma ética implícita ao trabalho de Marx. Mas o motivo principal pela sua popularização entre socialistas tem a ver com a amoralidade explícita de seus argumentos. Partidos socialistas do século 19 foram atraídos por Marx pois ele oferecia uma solução para o problema da atomização da classe trabalhadora. A teoria de Marx garantia aos socialistas que estas divisões eventualmente acabariam graças às forças econômicas. Capitalismo, segundo ele, iria alienar o trabalho ao ponto que membros individuais da classe trabalhadora se tornarem intercambiáveis, se concentraria propriedade ao ponto de se tornar óbvio quem seria o inimigo e forçaria trabalhadores a organizações coletivas por sobrevivência, o que também os daria força para vencer uma revolução. A gama diversa de interesses que marcaram a classe trabalhadora seriam erodidos por simples fatores econômicos e tudo que restaria da esquerda seria um majoritário interesse proletário.
Nada disso aconteceu. A classe trabalhadora do século 19 permaneceu dividida por habilidades, região, e indústria. Nem a sociedade afundou em destituições – no fim do século 19 em países industrializados os trabalhadores estavam sendo melhor pagos e a classe média não encolheu à uma percentagem da população. Houve uma afinidade entre trabalhadores, mas nada como a ampla unidade de classe que Marx declarou que surgiria.
Entretanto, as falhas do marxismo vão além dos erros preditivos sobre o curso do capitalismo. Ele também não viu o surgimento de novas dinâmicas de poder dentro do próprio movimento socialista. Dentro de partidos socialistas e sindicatos se desenvolveu uma classe burocrática com seus próprios interesses. Isso surgiu dos já mencionados limites na comunicação. Apesar de dizerem operar no “interesse da classe trabalhadora”, no fim do século 19 os partidos socialistas estavam cada vez mais se afastando de formas de democracia direta, em direção a burocracia e a repressão para permitir a ação em escala. Eles deliberadamente se esforçaram para conter o radicalismo orgânico da classe trabalhadora para que pudessem construir uma organização que pudesse canalizar o descontentamento em formas de negociações que tornasse mais mapeáveis as negociações entre representantes de sindicatos e capitalistas.
Por certo, as mesmas limitações informacionais significaram que a habilidade desses oficiais de disciplinar trabalhadores fosse limitada. Novamente, uma das principais razões pelo surgimento do sindicalismo foi a frustração dos trabalhadores, pois impedidos por sindicatos e delegados oficiais do partido, passaram a se engajar em ação direta.
Além disso, o desejo de manter a legitimidade do partido (e suas posições dentro dele) significou que políticos socialistas se tornaram cada vez mais abertos à colaboração com seus respectivos estados. Isso chegou ao seu apogeu com a colaboração de partidos socialistas com seus respectivos governos durante a Primeira Guerra Mundial. Nas grandes potências industriais como França e Alemanha, foi necessário o consenso de políticos socialistas de dentro de seus próprios movimentos para aprovar o financiamento da guerra e para a repressão à resistência popular à guerra, apesar de seus discursos de comprometimento com o internacionalismo.
A tendência dos marxistas de serem surpreendidos por dinâmicas de classe emergentes dentro de seus próprios movimentos, que vem como consequência da centralização até hoje, significa que é bastante provável que mesmo em condições bem mais favoráveis a revolução ainda levaria ao ressurgimento das diferenças entre as classes.
Se olharmos para sociedade igualitárias sem estado,descobrimos que essas sociedades não são mantidas por uma autoridade central que é mantida na linha por contribuições democráticas. Invés disso, operam em um conjunto fractal de checagens e balanços. Idealmente, cada indivíduo tem a capacidade de impor sérios custos sobre os outros. Este sistema é bem mais resiliente a uma tomada de poder do que uma instituição centralizada.
Todos estes problemas partem dos limites básicos que descrevi anteriormente sobre tomadas de decisões algorítmicas e a incompatibilidade entre os valores de transferência de informação dentro das mentes e entre elas. A emergência de relações de poder que podem se metastizar em um estado exige não só reestruturação formal das normas da propriedade, mas uma ativa mudança técnica e cultural.
Essa é uma tarefa muito mais difícil do que a que o marxismo nos pede, pois não é uma consequência da resistência direta ao que existe. Sim, as pessoas vão combater a dominação, lutar pelas causas nas quais acreditam. Entretanto, a história dos movimentos sociais mostra que somente uma pequena minoria envolvida com estes conflitos amadurece de preocupações imediatas para uma oposição ampla a todo tipo de dominação.
Felizmente não precisamos mudar tudo de uma só vez.
As críticas marxistas à mudanças graduais geralmente focam na fragilidade das reformas socialistas, e a tendência das instituições da classe trabalhadora serem cooptadas. Dado a história de fracassos, muitos concluíram que mudanças radicais precisam acontecer imediatamente, caso contrário, o capitalismo retorna. Mas várias cooptação refletem não o alcance infinito e a adaptabilidade do capitalismo, mas sim a fragilidade dos meios empregados pelos socialistas.
Muitos problemas no socialismo vem da falha em reconhecer que mudanças potencialmente superficiais podem ser armadilhas que limitam o progresso futuro. O supracitado conservadorismo do Partido Social Democrata Alemão só emergiu após a revogação de leis anti-socialistas que tornou o partido ilegal. Com isso, o partido e oficiais dos sindicatos se tornaram profissionais que consideravam o partido como um fim em si, pois ele os deu uma carreira invés de ser um veículo para a mudança revolucionária.
Além disso, as mudanças trazidas foram frágeis pois dependiam de contínuo apoio eleitoral. Os socialistas nunca tiveram o monopólio sobre os votos da classe trabalhadora, seu alcance entre outros grupos sociais também era instável e dependiam de certas taxas de crescimento econômico para prover o bem estar social e políticas regulatórias. O resultado foi que conforme mudanças sociais e econômicas aconteciam, suas habilidades de ganhar votos e entregar benesses foram erodindo e perderam uma quantia significativa de votos conforme o século 20 avançava. Mas existem outras formas de criar mudanças que não dependem de manter o controle sobre uma instituição centralizada que é central para o funcionamento do capitalismo.
Uma forma mais proveitosa de analisar a durabilidade de mudanças graduais, não é através da contagens de participantes de uma organização ou a contagem de votos de um candidato socialista, mas sim quão custoso é reverter estas reformas. De novo, existem consideráveis eficiências prováveis e/ou capacidades que atualmente são restritas. Se elas se proliferarem e se tornarem parte de uma infraestrutura maior, elas se tornam difíceis de se desfazerem simplesmente por conta do alto custo de se arrancarem partes críticas do mundo.
Tais custos podem ser amplificados por fatores sociais que encarecem o retrocesso. As vezes isso pode se parecer com uma boa aceitação social ou a adoção de normas ou inovações específicas, de forma que qualquer tentativa de se livrar delas seria incrivelmente custoso em termos de recursos necessários e/ou de perda de legitimidade. Mas também pode envolver mobilizar uma minoria suficientemente motivada que resista abertamente ao retrocesso, infligindo custos significativos a quem tente mudar a situação.
É por isso que o sucesso às vezes pode se parecer com estruturas que já existem cooptando nossos avanços. Certamente, há uma história de cooptação reforçando o poder ou neutralizando movimentos. Mas existem muitos exemplos onde vitórias parciais foram mantidas precisamente pois foram parcialmente cooptadas (vários sucessos feministas e desenvolvimentos como criptografia forte, são exemplos evidentes).
Além disso, o nível de agência na sociedade é algo que podemos medir com algum nível de precisão. Portanto, nós podemos dizer que certas configurações sociais são mais próximas que outras. Uma abordagem gradual também é necessária pelo desafio de se chegar a qualquer consenso popular com relação a motivações. Mobilizar as pessoas para lutar por algo específico e concreto como a derrubada de um governo, ou lutar contra uma indústria destrutiva ou exploratória já é bastante complexo, mas é muito mais fácil do que lutar por um ethos.
É por este motivo que basicamente toda revolução e movimento social na história torna-se estagnado ou é revertido após seu sucesso. Você pode reunir pessoas para lutar contra um óbvio opressor, mas uma vez que o movimento tenha sido bem sucedido, ninguém é capaz de concordar qual deve ser o próximo passo. Os moderados concluem que as coisas já foram longe o suficiente e se aliam com quaisquer forças conservadoras que ainda existirem, enquanto radicais não conseguem concordar o próximo passo e suas energias diminuem. Disso, um novo equilíbrio emerge, mas uma capacidade de expansão geral ainda é possível mesmo diante das contenções. Tanto a noção anarquista de poder quanto os erros teóricos nos apresentam um forte caso de moderado otimismo sobre nossas projeções, pois muito provavelmente há consideráveis vantagens que ainda não foram exploradas.
Ao mesmo tempo, nós também veremos derrotas.Os próprios limites algorítmicos que limitam a dominação também limitam nossa capacidade de modelar o futuro e assim tentativas de mudança que podem trazer novos arranjos simplesmente são inerentemente arriscadas. Ironicamente, a própria imprevisibilidade, que é nossa maior força, também significa que superar o capitalismo vai ser um processo intenso que provavelmente vai levar gerações.
Conclusão
Este é apenas um breve rascunho de uma concepção anarquista do capitalismo, criado apenas para destacar as principais diferenças entre nós e os marxistas. É possível e necessário ir além, mas isso deve ser o suficiente para chegar às nossas diferenças fundamentais. Eu também quero deixar explícito que este não é meramente um debate acadêmico sobre semântica ou discordâncias mínimas. O anarquismo e o marxismo enfatizam vulnerabilidades dramaticamente diferentes no capitalismo, o que por sua vez implica em diferentes orientações estratégicas para com o mundo.
Se economias brutas de escala são fator decisivo na luta, então mudanças sociais relevantes só podem surgir do levante de proletários ou movimentos de tamanho suficiente. Assim, qualquer coisa que não seja construir instituições da classe trabalhadora e/ou d’O Partido é perda de tempo. Mas o capitalismo está repleto de ineficiências e potenciais pontos fracos, então ser ativamente capaz de transitar entre eles para encontrar pontos críticos é bem mais efetivo pois permite multiplicadores de força e vetores de ataque que podem te dar a mesma capacidade, senão mais, do que movimentos de massa.
Entretanto, tal abordagem exige que nós sinceramente nos importamos. Ativamente transitando pelo espaço das possibilidades, considerar potenciais caminhos à seguir, e então agir toma bastante tempo e é potencialmente bastante perigoso. Pessoas que não se importam dificilmente vão se incomodar em fazer qualquer esforço. Portanto, um número menor de pessoas que estejam sinceramente alinhadas em seus objetivos pode ser muito mais eficazes em aproveitar esses pontos fracos do que uma organização de massa que está constantemente gastando energia para orientar indivíduos desmotivados.
Especialmente por esta abordagem não excluir a possibilidade dos movimentos de massa. Eles vão acontecer de qualquer forma e nós podemos melhor apoiá-los desenvolvendo e difundindo ferramentas, ideias, e práticas desde as bases, invés de lutar para ocupar posições de influência numa tentativa de dirigi-la de cima para baixo.
Há o caso de muitos anarquistas e marxistas que não se enquadram perfeitamente em nenhuma categoria quando se trata de teoria ou prática. Mas acredito que convém que as pessoas se tornem mais coerentes sobre ambos aspectos. Se você fala sério em combater o capitalismo de uma forma remotamente racional você vai investir uma considerável parte do seu tempo, energia, segurança, etc para avançar este fim.
Uma vítima imediata dessa divergência é a noção de alguma “Esquerda” coerente definida por sua oposição ao capitalismo (ou qualquer outro inimigo). Ainda que eu considere haver valor na “Esquerda” como conceito, este é um fenômeno sociológico/subcultural recente, e não um bloco político que potencialmente poderia se “unificar” ao redor de um conjunto de valores e aspirações.
Agora, ser explícito sobre a rejeição da “esquerda” como algo com o qual eu acho que os anarquistas deveriam se identificar positivamente não significa que não haja possibilidade de cooperação e diálogo entre os membros das várias tradições que compõem a “Esquerda”. De fato, uma consciência popular das diferenças deve potencializar cooperação e diálogos mais produtivos, pois nós não vamos resolver diferenças essenciais através de apelo à tradição ou através do dano que a desunião oferece. Anarquistas e marxistas não concordam sobre o capitalismo e esse fato deveria há muito ser reconhecido.
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