De Frank Miroslav. Artígo original: Transhumanism and Egoism, publicado originalmente em 16 de Março, 2022. Traduzido para o porguguês por Nico.
Fui convocado para dar uma perspectiva transhumanista sobre egoísmo. Acredito que seja uma crítica bastante simples então pretendo usar a maior parte deste texto explicando porque egoístas devem levar isso a sério. Se você já está convencido da importância de um pensamento rigoroso, por favor apenas ignore minhas reclamações autoindulgentes e vá para os dois parágrafos finais.
Não deve ser nada controverso incluir Stirner dentro da tradição do ceticismo, já que ele nos propõe interrogarmos tanto nossas ideias herdadas quanto nossos valores e motivações. Ambos se interseccionam significativamente com o transhumanismo. Indivíduos que percebam as possibilidades disponíveis para si, avaliando criticamente os pressupostos que herdaram da sociedade e descartando os que os limitam estão obviamente alinhados com aspirações transhumanistas. Tome como exemplo o discurso ao redor de coisas como antienvelhecimento, com muitas pessoas sendo reflexivamente contra o antienvelhecimento pois viola alguma suposta lei natural. Obviamente este é um ponto de intersecção entre transhumanismo e egoísmo (Eu imagino poucos egoístas, que tanto falam sobre seus “únicos”, iriam querer morrer antes de seu tempo).
Mas ao mesmo tempo, as aspirações desconstrutivistas do transhumanismo vão além. Eu já escrevi sobre como nossa consciência individual é mais uma eventualidade que um fato natural inviolável. Considere a implementação prática de enxames de mentes tecnologicamente mediadas ou a criação de inteligências artificias que nos forcem a ficarmos cara a cara com mentes radicalmente diferentes das quais nossa espécie encontrou na Terra (tanto em termos humanos como animais/plantas). Tais possibilidades podem estar há séculos de distância, mas mesmo tentativas rudimentares de raquear nossos sentidos podem muito bem levar a uma expansão da experiência fenomenológica e avançar a expansão do senso de si. A maior parte dos egoístas que conheço são neurodivergentes, mas a tecnologia abre um espaço ainda mais vasto do que os já consideravelmente amplos meios de experienciar o mundo permitidos por nossa genética.
Ou para por em forma de meme: “o ego é um fantasma”.
Se aceitarmos que a modificação de nossos corpos é possível e que o que define individualidade está aberto a mudanças, fica nítido que limitar o que o “ego” é, sem entrar no mérito de como ele deve agir, difícil. Isso não é dizer que é impossível definir a noção de si, veja por exemplo o estudo recém publicado que define individualidade como sistemas que propagam informação do passado para o futuro. Mas mesmo que tenhamos uma forma de falar analiticamente sobre individualidade uma vez que nosso senso de identidade começa a sair de foco, tornar isso parte de nosso “senso comum” é outra questão.
Para dar alguns exemplos deliberadamente ficcionais para destacar porque egoístas deveriam querer formas melhores de falar sobre seus únicos, considere dois exemplos bastante evidentes. Uma comunidade que exige que seus membros adotem tecnologia que os conecte ao ponto onde o coletivamente genuinamente se entende como “indivíduo” da perspectiva da teoria da informação. Por outro lado os átomos que te compõem podem ser rearranjados de tal forma que a quantidade de informação se converteria um muitos “únicos” diferentes. Sejam indivíduos se unindo para formarem um agente coletivo cujo indivíduo ou indivíduos sendo decompostos em muitos únicos diferentes, a questão é que as opções abertas pela tecnologia permitindo que reconfiguremos a nós mesmos significa que qualquer senso fixo de si provavelmente não sobreviverá. Podem vir a existir muitas entidades que basicamente se pareçam como humanos em termos de mentes em tal futuro, mas será apenas um de vários métodos de construir coisas. Num futuro como esse, talvez existam entidades que pareçam com humanos comuns em termos de mentes, mas essa será mais uma forma de construir coisas.
Eu não sei qual é a resposta egoísta para estes cenários de ficção científica (muito menos sobre o desafio técnico de os manifestar). Mas penso que independente das crenças de cada um devemos dar considerável importância em nos certificarmos que nossos modelos não sejam destruídos ao entrar em contato com a mudanças radicais no mundo. Uma ênfase em indivíduos decidindo por eles mesmos o que perseguir é certamente nobre, mas é preciso acreditar em alguma metafísica altamente duvidosa para não pensar que individualidade é um conceito escorregadio que será cada vez mais questionado pelo progresso tecnológico.
Novamente possibilidades transhumanistas radicais podem muito bem estar há séculos de distância. Mas existem inúmeros passos intermediários entre esse mundo e o nosso, que lentamente complicarão noções de individualidade. Isso tem relevância prática para egoístas, uma vez que dinâmicas básicas de auto seleção e tolerância por estranheza significa que auto declados egoístas estão mais propensos que do que o resto da população a saber sobre os biohackers e grinders que são lideram este tipo de experimento
Portanto existem muitas razões para nos assegurarmos que nossos pressupostos filosóficos de fato mapeiam a realidade. Afinal de contas, a história é cheio de movimentos que falharam em se manterem à par de descobertas científicas e por isso colapsaram ou implodiram (eu suponho que todo egoísta lendo este texto quer afetar o mundo de algum jeito e por isso tem motivos para se importar com a precisão).
Considere um dos mais espetaculares exemplos de como modelos fracos podem levar a resultados desastrosos, ou seja Marxismo. Marxistas envolveram a si mesmos em um labirinto de alegações descritivas para justificar uma série de declarações normativas (que muitos negam que sustentem). Isso criou problemas imensos quando ficou mais e mais evidente que, enquanto existe alguma verdade nas afirmações do marxismo, o modelo era falho de inúmeras maneiras.
Lembre-se que em algum momento do passado, partidos social democratas de massa que possuíam ideias marxistas eram de fato radicais; se recusavam a tomar parte no governo, eram construídos sobre instituições de classe relevantes que eram separadas do estado e encaravam significante repressão por parte do governo. Sua posterior incorporação ao estado capitalista foi parcialmente resultado do fracasso das previsões de Marx sobre a expansão de uma classe trabalhadora monolítica e imutável. Embora ainda houvesse um grande número de trabalhadores, eles tinham uma infinidade de interesses e a maioria não estava interessada na revolução socialista em nenhum país desenvolvido. O resultado é que partidos antes radicais foram gradualmente se tornando reformistas, tanto em resposta a uma baixa na radicalidade dos trabalhadores, quanto pela necessidade de fazer alguma coisa com o poder político que conquistou.
É improvável que o egoísmo falhe nesse sentido, entretanto níveis relativos de falha continuam sendo falhas. Além disso, formas mais sutis de falhas podem, no longo prazo, serem mais importantes do que catástrofes óbvias. Eles podem te chamar a tenção mas tendem a ser o resultado de um milhão de pequenas contingências sobre as quais as pessoas têm alguma agência.
E enquanto falhas catastróficas do Marxismo têm óbvias consequências negativas, a resposta por aqueles inspirados pelo Marxismo (sejam ativistas ou intelectuais) tem apenas agravado o dano. Uma vez que atinjam massa crítica, partidos e estados marxistas sempre falharão tragicamente, mas como as pessoas reponderam a essas falhas é incrivelmente importante pois têm moldado a trajetória da esquerda no presente.
Que alguns dos meus pensadores marxistas favoritos da contemporaneidade, em termos de rigor e análise, estão implorando para que seus camaradas se atualizem sobre avanços científicos como a teoria informacional entrópica que têm quase um século de idade, diz muito sobre quão ruim a resposta tem sido. E não estamos falando do Sherlock Holmes se recusado a aprender que o sol gira ao redor da terra ou vice-versa por isso não ter utilidade prática para seu trabalho de detetive; não, essas são descobertas científicas que, entre outras coisas, estão no cerne da revolução computacional que tem recriado a economia global por ao menos meio século. Seria de se pensar que pessoas interessadas nos “meios de produção” se importariam sobre como eles de fato operam.
A única razão para tanta ignorância não gerar descredito aos marxistas e ao marxismo como sendo absolutamente defasado é porque o padrão e os incentivos para discursos políticos no geral é ainda pior. Esse tipo de coisa é, infelizmente, normal em nossa sociedade.
Mas só porque o status quo dos liberais e reacionários pode ser intelectualmente preguiçoso isso não significa que é algo aceitável. Existem sérias assimetrias quando se trata de querer desafiar o mundo e querer manter algum tipo arbitrário de ordem. Radicalmente reconfigurar a sociedade para uma forma mais igualitária/liberatória é muito mais trabalhoso que operar mudanças superficiais ou esmagar totalmente a agência das pessoas. Eles podem parecer legítimos mesmo com seus inferiores modelos de mundo porque eles não precisam responder por como as coisas deveriam funcionar de uma maneira radicalmente diferente.
O que é realmente preocupante é que tantos esquerdistas que acabaram tragados por tais buracos epistêmicos não são estúpidos. Que pessoas muito inteligentes que são parte de comunidades muito inteligentes possam ainda assim se perderem em seus modelos é evidencia de que inteligência pura não tem defesa alguma contra adotar e manter modelos falhos. Além disso, essa falha fere diretamente seus objetivos de longo prazo de igualdade e/ou liberdade. Que tal isolamento epistêmico não seja instrumentalmente racional é um argumento incrivelmente forte para a ênfase de Stirner em não deixar a si mesmo ser capturado por ideias.
Mas resistir a tais modelos falhos é um trabalho. E para ser incrivelmente autoindulgente por um minto, eu gostaria de cumprimentar o C4SS e comunidade do entorno na qual me vejo sendo parte, por estar fazendo este trabalho. Enquanto eu sou obviamente tendencioso quando digo isso, a comunidade do “anarquismo de mercado de esquerda” (LWMA) é, atualmente, o local de maior rigor epistêmico da Internet quando se trata de pensar sobre política. Isso não é um simples sinal para o grupo (embora possa ser uma versão complexa disso!). Eu digo isso tendo genuinamente me dedicado a encontrar outros locais que eu pudesse considerar de qualidade semelhante, seriamente lendo não apenas liberais / socialistas / libertarianos, mas mesmo intelectuais reacionários “sérios”. Todos ficaram aquém da LWMA. Se tivesse encontrado outro grupo que eu considerasse mais rigorosa/criteriosa, eu te informaria.
Porque inteligência pura ou a capacidade de suportar ler livros imensos podem te dar a impressão superficial de critério, entendimento real exige não apenas consumir vastas quantidades de informação mas também o escorregadio processo de pesar evidências e descartar/refinar teorias. Tudo isso é afetado por vieses humanos básicos que encorajam o modelo de pensamento amigo / inimigo quando se trata de políticas. Pensar racionalmente sobre questões políticas é difícil.
Isso não é motivo para descansarmos. Mas o fato de que a comunidade LWMA surgiu para se dedicar a apresentar uma alternativa séria ao marxismo, tanto em termos de análise do capitalismo e modelo para o que virá sem colapsar na defesa por uma tecnocracia ou alianças vermelho-marrons, tristemente torna-a uma comunidade / modelo único.
Mas nós não devemos nunca assumir que isso é algo inerente ao que fazemos. Uma ideia que Stirner e vários outros filósofos ao longo das eras têm encontrado é que não se deve jamais confundir rótulos com a coisa em si. Questionamentos rigorosos em assuntos políticos e éticos não são inerentes a LWMA, quer você a defina como um projeto político/ético ou uma comunidade de pessoas. Hoje nós parecemos promissores mas amanhã podemos ser tomados pelo pensamento de grupo (uma preocupação que tenho é o que poderia acontecer se nossas ideias aumentassem rapidamente em popularidade em algumas ordens de magnitude). Pessoas (e as comunidades que elas formam) não são intelectualmente rigorosas, mais do que engajam em rigor intelectual e tão facilmente quando o fazem, podem deixar de fazê-lo.
Então, com essa digressão autoindulgente para articular o porquê eu levo racionalidade epistêmica absolutamente a série, eu pergunto aos egoístas, qual a sua resposta para a descentralização / queering do individualismo provocado pela tecnologia?
(Em uma nota mais leve, você totalmente deveria ler The Cassini Division de Ken MacLeod, que tem egoístas-comunistras transhumanistas combatendo pós-humanos e anarco capitalistas no futuro. Especialmente por ter a descrição mais legal que já li da filosofia egoísta.)