Em Washington, D.C., o ativista James Babb, da Associação do Júri Plenamente Informado, colocou cartazes informativos nas estações de metrô perto dos tribunais. Esses cartazes informam os passantes acerca da nulificação pelo júri, o velho direito dos jurados de julgarem tanto os fatos quanto a lei. Essa doutrina tem longa e venerável história; o direito dos júris de ignorarem a lei e dar qualquer veredito que acreditem justo tem suas raízes na Magna Carta, a qual declara que “Nenhum homem livre será capturado, e ou preso, ou destituído de sua propriedade livre e alodial, e ou de suas liberdades, ou de suas livres tradições e usos, ou será tornado proscrito, ou exilado, ou de qualquer forma destruído […] exceto pelo julgamento de seus pares, nos termos da lei.”
O famoso processo Zenger da era colonial mostra claramente o uso e a finalidade da nulificação pelo júri. John Peter Zenger foi acusado de difamar o governador real de New York e, de acordo com as doutrinas legais vigentes à época, deveria ter sido prontamente condenado. Entretanto, o advogado de Zenger, Andrew Hamilton (nenhum parentesco com Alexander Hamilton), persuadiu o júri de que as acusações violavam a liberdade de imprensa, então realmente doutrina nova. Zenger, em flagrante desafio à lei, foi absolvido.
Desde a Revolução Estadunidense a nulificação pelo júri veio sendo repetidamente confirmada por decisões de tribunais de apelação e, em verdade, ela não pode ser revogada sem a abolição de dois dos pilares de nosso sistema jurídico, isto é: Primeiro, o direito do júri de deliberar em segredo e não ser punido pelo veredito que pronunciar; segundo, a proibição de “possibilidade de ser julgado duplicadamente” (julgamento do réu duas vezes pela mesma ofensa). Embora tribunais e promotores tentem desesperadamente controlar a informação acerca da nulificação pelo júri, chegando até a prender idosos por distribuírem panfletos em frente a tribunais, a doutrina em si continua vigente, irritando promotores justiceiros que buscam fazer cumprir leis estúpidas em todo o país.
A nulificação pelo júri sem dúvida enfurece promotores, juízes, e em verdade todos os tiranetes dos quadros oficiais. De modo geral, a democracia genuína provoca esse efeito. Nossa classe dominante apraz-se com chamar de “democracia” a farsa das eleições viciadas realizadas periodicamente para confirmá-la no poder, mas o poder do júri de desconsiderar a lei e fazer justiça como entenda correto é que representa democracia genuína, isto é, demokratia, ou poder do povo. Na verdade a nulificação pelo júri representa um dos poucos bastiões remanescentes da genuína democracia em nossa sociedade tecnologicamente gerida. Deve ser realmente exasperante para os tecnocratas jurídicos ter seus pomposamente ridículos disparates derrubados por patota de meros cidadãos à qual falta, como geralmente acontece, diplomas de alto nível e títulos prestigiosos. E assim eles tentam e tentam suprimir informação acerca da real essência dos júris — decidir qual será o veredito justo — a fim de tornar tais júris passivos e facilmente controláveis, transformá-los, de júris reais e de funcionamento adequado, em tótens inanimados usados como esteios para o espetáculo cabúqui que, é-nos assegurado, constitui “julgamento justo.”
Não podemos deixá-los prevalecer. O sistema jurídico é uma das funções essenciais do estado, e em júris e nulificações pelo júri nós anarquistas recebemos esplêndida chave inglesa para enfiar nas engrenagens estatais. Precisamos, em toda oportunidade, permitir que nossos irmãos e irmãs saibam da existência desse poder que permanece nas mãos deles, e se algum dia formos nós próprios intimados para ser jurados — especialmente em processo de julgamento de não crime, como vender maconha ou atirar num policial em defesa própria — fazer tudo o que pudermos para integrar aquele júri e absolver o réu. O anarquismo representa o povo contra o poder, e precisamos utilizar de modo pleno as poucas ferramentas legais a nós deixadas, em nossa guerra aos governantes.
Artigo original afixado por Jonathan Carp em 31 de outubro de 2013.
Traduzido do inglês por Murilo Otávio Rodrigues Paes Leme.