The following article is translated into Portuguese from the English original, written by Kevin Carson.
Em 19 de março Donald Rumsfeld, ex-Secretário de “Defesa” dos Estados Unidos, e permanente sociopata e pária moral, comemorou o décimo aniversário da Guerra do Iraque com este tweet: “há 10 anos começou a longa e difícil obra de libertar 25 milhões de iraquianos. Todos os que desempenharam algum papel nessa história merecem nosso respeito e admiração.”
O que exatamente “libertação” significa para Rumsfeld – Rummy, Bush – Dummy e Cheney – Scummy pode ser visto a partir do programa que Paul Bremer implementou como chefe da Autoridade Provisória da Coalizção (CPA) no Iraque. Imagine o tipo de lista “O Que Eu Faria Se Fosse Ditador Absoluto Por Um Ano” que um exército inteiro de funcionários do Conselho de Intercâmbio Legislativo Estadunidense – ALEC e de estagiários da Heritage Foundation elaboraria, com Associação da Indústria de Gravação dos Estados Unidos – RIAA, Associação do Cinema dos Estados Unidos – MPAA, Monsanto, Halliburton e Blackwater estimulando-o, e isso é basicamente o que Bremer fez ao Iraque.
A CPA de Bremer era um clássico “estado vigia noturno.” Lembram-se de todos aqueles tesouros históricos sem preço que os saqueadores “libertaram” do Museu Nacional enquanto os Estados Unidos faziam vista grossa? Com a luz verde do Vigia Noturno Bremer, os saqueadores corportivos fizeram na economia iraquiana pilhagem igualmente vasta.
As famigeradas “100 Ordens” de Bremer rejeitaram praticamente toda a estrutura legal da era Saddam — exceto o Código de Trabalho de 1987, que proibia negociação coletiva no setor estatal. O setor estatal abrangia duzentas firmas de propriedade do estado (importante parcela da economia industrial), e Bremer desejava “privatizá-lo” em acordos internos em condições de pai para filho com compadres capitalistas. Legalizar sindicatos poderia melar a coisa.
A CPA recusou-se a descongelar os ativos da Federação Iraquiana de Sindicatos (IFTU). Bremer mandou as tropas dos Estados Unidos tomarem de assalto a sede da IFTU, e manteve-a fechada por meses. Um comandante estadunidense local prestativamente disse a um organizador sindical preso que o Iraque não era país soberano e que, enquanto estivesse sob a administração da CPA, Bremer não queria sindicatos.
As 100 Ordens de Bremer também incluíam a Ordem 81 acerca de “Patente, Projeto Industrial, Informação Não Divulgada, Circuitos Integrados e Variedade Botânica,” que atualizou a lei de “propriedade intelectual” de modo a ela “atender a atuais padrões de proteção internacionalmente reconhecidos” como o Tratado da Organização Mundial de Propriedade Intelectual – WIPO acerca de Copyright e o Acordo acerca de Aspectos de Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados com Comércio – TRIPS da Rodada do Uruguai (que a Lei do Milênio do Copyright Digital dos Estados Unidos também foi aprovada para implementar). Entre outras coisas, a nova lei criminava guardar sementes para o ano seguinte.
O regime jurídico inteiro que Bremer implementou por decreto previa permanecer como lei do país mesmo depois da restauração da soberania, até que — e a menos que — substituída por uma nova constituição. A assim chamada “transferência de soberania” sê-lo-ia para um governo nomeado pela CPA, permitindo a Bremer escapar da restrição da lei internacional contra um conquistador vender diretamente ativos do estado a preço de banana — e ao mesmo tempo deixar vigente uma “constituição provisória” baseada nas 100 Ordens de Bremer.
O Artigo 26 da Constitição de Bremer estipulava que “[a]s leis, normas, ordens e diretivas baixadas pela Autoridade Provisória da Coalizão … permanecerão vigentes” no governo interino, até que o regime títere “soberano” fosse substituído por eleições gerais. Como observou Naomi Klein em “Baghdad Ano Zero” (Harper’s, setembro de 2004):
“Bremer havia encontrado sua brecha jurídica: Haveria um intervalo — sete meses — em que a ocupação oficialmente teria acabado, mas o cronograma para eleições gerais ainda não teria sido elaborado. Dentro desse intervalo, as proibições de privatização das Convenções de Haia e de Genebra não mais se aplicariam, mas as próprias leis de Bremer, graças ao Artigo 26, permaneceriam vigentes. Durante esses sete meses, investidores estrangeiros poderiam ir ao Iraque e assinar contratos de quarenta anos para comprar ativos iraquianos. Se um futuro governo eleito iraquiano decidisse mudar as regras, os investidores poderiam mover ação de indenização.”
A “constituição provisória” foi concebida para tornar sua própria substituição por referendo extremamente difícil — entre outras coisas, exigindo que qualquer nova constiutição de fato aprovada pelo povo do Iraque (em contraste com o decretado pelo fiat de Bremer) recebesse pelos menos trinta por cento dos votos em dezesseis das dezoito províncias do Iraque.
Por cima de tudo, Bremer nomeou toda uma penca de autoridades oficiais para períodos de cinco anos que prevalecerão acima de quaisquer decisões posteriores de um governo independente.
Ao mesmo tempo, um plano de “esquecimento da dívida” negociado com nações credoras sob auspícios do FMI usou dívida contraída por Saddam — dívida que deveria ter sido tratada como odiosa, e portanto nula e vazia — como látego para coagir aderência ao programa econômico do Consenso de Washington.
Esse é o programa de “libertação” para o qual Rumsfeld e seus colegas criminosos de guerra assassinaram centenas de milhares de pessoas, e fisicamente mutilaram ou criaram cicatrizes psicológicas em não divulgadas centenas de milhares mais. Se esse é o tipo de “libertação” que apraz a você, possa você dentro de pouco tempo juntar-se a Rumsfeld no inferno.
Artigo original afixado por Kevin Carson em 21 mar 2013.
Traduzido do inglês por Murilo Otávio Rodrigues Paes Leme.