The following article is translated into Portuguese from the English original, written by Kevin Carson.
Com frequência deparo-me com a argumentação de que os problemas de nosso tempo — poluição, desperdício, deterioração econômica, poderio corporativo desabrido — resultam de falta de “consciência” individual.
O problema, porém, em minha opinião, não é tanto de consciência quanto estrutural. A consciência é sim, em si, obviamente, um problema, e constitui barreira à correção do sistema. É, porém, apenas efeito colateral da estrutura, criada como parte do processo natural pelo qual os sistemas de poder reproduzem aquelas espécies de “recursos humanos” portadores da mentalidade necessária para manter tais sistemas de poder em funcionamento.
O maior espaço para esperança é o potencial de novas tecnologias e formas de organização que solaparão a velha estrutura de poder.
O aparato de reprodução cultural sempre funcionou, na melhor das hipóteses, apenas bem o bastante para os propósitos do sistema. Por causa de todas as contradições internas da ideologia, sempre houve muitos e muitos “refugos de fábrica” imperfeitamente processados, muitos “pequenos defeitos na matriz.” As incoerências internas da ideologia, e a incoerência entre os princípios professados pela ideologia e a prática real daqueles que gerem o sistema de poder são tão óbvias, para qualquer pessoa capaz de enxergar o que está diante dos próprios olhos, que seria um milagre o sistema não ter problemas para manter cheias(*) as cabeças das pessoas. (* To keep your mind right significa, literalmente, manter sua mente focalizada em algo. Sou tradutor literalista fortemente influenciado pelo impressionismo (e cada vez mais), porém.)
A diferença entre o passado e hoje é que, no passado, as pessoas que viam contradições no sistema estavam isoladas numa sociedade de massas onde a informação era controlada pelos guardas dos portões de uma mídia centralizada, hierárquica, unidirecional, de estrutura do tipo em que um ponto de conexão central consegue como que emitir raios capazes de atingir cada uma das terminações situadas na periferia [hub-and-spoke].
Hoje os custos de transação de tais pessoas entrarem em contato umas com as outras, e agregarem-se numa massa crítica, caíram para próximos de zero.
E alternativas tecnológicas reais — alternativas mais baratas e eficientes — em substituição à produção em massa de larga escala e capital-intensivas também se estão fazendo presentes. Quando uma fábrica de garagem com $15 mil dólares em máquinas operatrizes de código aberto feitas em casa, uma impressora em 3D, uma impressora de circuitos, forjamento por indução etc. pode produzir bens manufaturados do tipo que no passado requeria uma fábrica de produção em massa de milhões de dólares, a base material inteira do sistema de salários desapareceu. O sistema de salários surgiu quando tecnologias mudaram de ferramentas de artífice para maquinário dispendioso específico de produto. A instalação e o equipamento especializados capital-intensivos, específicos de produto, custavam tanto que apenas pessoas ricas ou grandes agregações de pessoas ricas tinham condições de comprá-los, e de contratar outras pessoas para operá-los. Quando, porém, pode-se possuir uma “fábrica” pelo equivalente a seis meses de ordenado de colarinho azul qualificado, como manter as pessoas na fábrica?
Enquanto isso, a antiga economia de produção em massa e o sistema centralizado de informação experimentam séria crise de sustentabilidade. O Pico do Petróleo, e o efeito da crise fiscal do estado sobre a capacidade deste de continuar a manter infraestrutura subsidiada nos níveis hoje existentes, estão tornando o antigo modelo de “armazéns sobre rodas/contêineres de despacho interno” não funcional. O alto custo do combustível é o equivalente a 20-30% da tarifa industrial sobre bens embarcados de fábricas de pequeno porte de artigos específicos(*) de Shenzhen. A revolução digital está tornando o uso de patentes por sedes corporativas para manterem controle sobre produção específica terceirizada, ou para criminalizar produtos piratas e peças genéricas de substituição de uma fábrica de garagem em Cleveland, mais dispendioso do que vale. A revolução digital, analogamente, está tornando fazer cumprir o copyright de bens de informação naturalmente grátis insustentável, e portanto quase toda produção de informação, entretenimento e cultural mudar-se-á para o reino da produção entre iguais, cessando de formar parte do nexo de caixa(**). (* Uma job-shop é uma pequena empresa que faz algo praticamente sob medida, por exemplo arranjo floral para um casamento específico, ou fabricar um computador para um cliente específico etc. Shenzen é a primeira Zona Econômica Especial da China. Ver Wikipedia, Job shop, Shenzen.) (** Cash nexus – A redução, nocapitalismo, de todos os relacionamentos humanos, mas especialmente das relações de produção, à troca monetária. Ver http://www.encyclopedia.com/doc/1O88-cashnexus.html)
E níveis pós-guerra de desemprego e subemprego mostram que as pessoas agarrarão qualquer oportunidade de mudar as necessidades básicas rumo a autoaprovisionamento nos setores de família, informal, de doação e de escambo. Estão vindo à existência novas possibilidades técnicas sem precedentes justamente quando os incentivos para adotá-las, nascidos do desespero, encontram-se também em nível sem precedentes. São condições perfeitas para uma comoção.
Quando a tempestade passar, o resultado será uma sociedade na qual as cápsulas vazias do estado e das hierarquias corporativas — na medida em que ainda existam — estarão em constante recuo. Em seu lugar existirá uma sociedade de microfabricantes, atividades de permacultura de vizinhança e comunidade, microempresas familiares de baixo overhead e moedas digitais, todas redeadas conjuntamente numa economia criptografada de darknet(*). (* Darknet é uma rede secreta de comunicação, integrada apenas por pessoas que confiam umas nas outras. Ver explicação incompleta em português em http://pt.wikipedia.org/wiki/Darknet)
Artigo original afixado por Kevin Carson em 21 de setembro de 2011.
Traduzido do inglês por Murilo Otávio Rodrigues Paes Leme.