The following article is translated into Portuguese from the English original, written by Kevin Carson.
A Bússola Política, popular jogo de questionário, foi concebido, em tese, para substituir o simplismo do espectro esquerda-direita mediante sua substituição por dois eixos: libertarismo político e social, em contraposição a autoritarismo, e Esquerda econômica em contraposição a Direita econômica. Basicamente, toda coisa boa que você diz acerca das grandes empresas coloca você mais próximo da Direita econômica — que o jogo considera idêntica a preferência por livres mercados — e toda coisa negativa que você diz acerca do poderio corporativo coloca você mais para a Esquerda (isto é, coletivismo).
O jogo identifica explicitamente a Direita econômica com libertarismo e neoliberalismo. O eixo horizontal Esquerda-Direita, diz a página explicativa, é “econômico.” “Margaret Thatcher ficaria bem à direita, mas em direita ainda mais além ficaria alguém como o partidário mais radical do livre mercado, General Pinochet.” O fato de os elaboradores do jogo referirem-se a “Pinochet, que se dispôs a sancionar matança em massa para bem do livre mercado,” e o fato deles considerarem apoio aos livres mercados posição de direita diz tudo.
Lembram a velha patacoada “Pinochet era politicamente autoritário mas economicamente libertário”? Certo. Pinochet mandou soldados a fábricas e pediu aos gerentes para apontarem criadores de casos membros dos sindicatos para que fossem presos. O claro intento era impedir que donos de um “fator de produção” — força de trabalho — exercessem direitos plenos de barganha no mercado. Imaginem se ele houvesse levado a efeito programa similar de terror contra os donos do capital a fim de forçá-los a oferecer melhores termos de trabalho — vocês acham que os elaboradores do joguinho chamariam isso de “economicamente libertário”? Pinochet tomou terra de pessoas que a cultivavam e a redirecionou para uma oligarquia proprietária de terras baseada em títulos quase feudais. Ele “privatizou” propriedades do estado financiadas pelo contribuinte em favor de capitalistas compadres em condições privilegiadas. Alguém obviamente nunca ouviu falar da diferença entre “pró-mercado” e “pró-empresas.”
Algumas das perguntas têm um sabor do tipo “você já parou de bater em sua mulher?”. Por exemplo: “Como as corporações não são dignas de confiança quanto a protegerem voluntariamente o ambiente, torna-se necessária regulamentação.” Ou “Um livre mercado genuíno requer restrições à capacidade de multinacionais predadoras criarem monopólios.”
Acredito que o principal motivo pelo qual as corporações estupram e pilham o ambiente é o governo intervir ativamente para protegê-las das consequências da poluição — subsidiando lixo, assumindo responsabilidade por danos, e coisas da espécie. A principal função do governo é subsidiar os custos operacionais do monopólio e fazer viger barreiras à entrada de novos atores, protegendo os monopólios contra competição.
Contudo, a estrutura implícita das perguntas sugere que governo e grandes empresas são naturalmente inimigos, com a intervenção do estado como única forma de impedir a malfeitoria corporativa. Então, como é que se espera que um esquerdista partidário do livre mercado como eu, que acredita que o governo hipertrofiado dá sustentação às grandes empresas, responda a perguntas como essas? Dados os preconceitos do elaborador, não há como responder verazmente sem dar impressão falsa.
E que tal esta pequena joia: “O que é bom para as corporações mais bem-sucedidas é sempre, no final, bom para todos nós.” Quer adivinhar se será um “Concordo” ou um “Discordo” que colocará você mais próximo da extremidade de “livre mercado” do espectro?
O teste me colocou exatamente no meio do eixo Esquerda Econômica/Direita Econômica. Desconfio de que minhas respostas cancelaram-se mutuamente porque, embora eu considere todas as minhas posições como perfeitamente coerentes com genuíno libertarismo de livre mercado (por oposição a posar falsamente como consumidor satisfeito dos produtos das grandes empresas e da plutocracia), a bússola funciona a partir da premissa não enunciada de que qualquer crítica ao poderio corporativo é algo “contra as empresas” ou “contra o mercado.”
Esse questionário deplorável toma como ponto pacífico todas as piores premissas de nossa cultura política supersimplificada. Em o fazendo, do mesmo modo que a Novilíngua, reforça todos os modos pelos quais nossa cultura política corporatizada obscurece o pensamento crítico.
“Ambos os lados,” na política estadunidense, compartilham da premissa não enunciada de que o domínio econômico corporativo é o resultado natural de um “livre mercado,” a menos que o estado intervenha para obstruir o processo. Só discordam quanto a se isso é bom ou mau. Partilham, porém, de interesse comum em promover essa concepção errônea. Os “conservadores” majoritários têm interesse em fingir que o porte e o poder das grandes empresas e a riqueza da plutocracia resultam de sucesso no mercado competitivo — e não do assistencialismo beneficiador das corporações. Os “liberais” majoritários têm interesse em fingir que o estado regulamentador — administrado por pessoas como eles próprios — é a única coisa que se interpõe entre nós e a tirania corporativa, quando em verdade ele fortalece essa tirania.
Se me for permitido aludir a Platão, esse questionário mensura minudentemente nossas crenças acerca das sombras tremeluzentes na parede da caverna. Se você estiver interessado é na realidade, rasgue em pedacinhos esse questionário infeliz, livre-se das cadeias mentais, dê meia volta e encare a luz do dia.
Artigo original afixado por Kevin Carson em 25 de maio de 2011.
Traduzido do inglês por Murilo Otávio Rodrigues Paes Leme.