Toda Acusação de Analfabetismo Econômico é uma Confissão de Analfabetismo Histórico

Por Kevin Carson. Artigo original: Every Accusation of Economic Illiteracy Is a Confession of Historical Illiteracy de 29 de abril 2024. Traduzido para o português por Pedro H.S. Primo.

O periódico The Freeman está de volta com sua defesa das fábricas de suor e do trabalho infantil a partir do argumento da “melhor opção disponível” (Cf. “O que muitos críticos do Trabalho Infantil Ignoram”). Ele trata o escândalo público sobre a presença de trabalho infantil nas supply chains das corporações ocidentais como uma demonstração do “nível de analfabetismo econômico que penetrou nas mentes da mídia ocidental e da população em geral”:

“As pessoas acreditam honestamente que proibir o trabalho infantil aumentará o bem-estar das crianças. Qualquer um que já debateu com outra pessoa sobre o livre mercado irá inevitavelmente esbarrar na discussão sobre o trabalho infantil. ‘Sem regulação, o trabalho infantil estaria por toda parte!’ Este argumento, todavia, sofre de um grande problema: ele assume que o trabalho infantil é a pior coisa que poderia acontecer a uma criança.

O trabalho infantil não é uma coisa boa de se ver. Os pais não desejam, certamente, ver seus filhos fabricando sapatos. Mas, antes de pronunciarmos um julgamento sobre esta prática, considemos qual é a outra alternativa.

Quando examinamos o trabalho infantil, devemos ter em mente que o mesmo é uma opção no conjunto de escolhas que o infante enfrenta. O que corre quando você proibe o trabalho infantil? A criança irá para a próxima melhor opção. Em países que permitem o trabalho infantil, a mesma é, geralmente, passar fome, se manter na pobreza ou se prostituir.”

Ludwig von Mises usou o mesmo argumento em sua defesa das fábricas degradantes do começo da Revolução Industrial:

“Os donos de fábrica não tinham o poder de forçar ninguém a aceitar um emprego. Eles só podiam contratar pessoas que estavam prontas para trabalhar pelos salários que os mesmos ofereciam. Independentemente dos salários serem baixos, eles eram, de qualquer forma, mais do que esses paupérrimos poderiam ganhar em qualquer outra área disponível aos mesmos”

Era o mesmo argumento que aparecia tanto antigamente quanto hoje no The Freeman, fazendo-me cunhar, há mais ou menos vinte anos, o termo “libertarianismo vulgar”.

“Veja bem, os trabalhadores simplesmente estão com esse conjunto horrível de opções – as classes empregadoras não têm nada a ver com isso. Além do mais, estas apenas estão com todos estes meios de produção em suas mãos, e as classes trabalhadoras simplesmente são proletários sem propriedade que são forçados a vender seu trabalho a partir dos termos estabelecidos pelos proprietários. A possibilidade de que as classes empregadoras estejam diretamente envolvidas nas políticas estatais que reduziram o conjunto disponível de opções dos trabalhadores é ridícula demais para ser levada em consideração.”

O argumento d’A “melhor opção disponível” é típico da tendência dos libertários de direita de evitar quaisquer considerações sobre diferença estrutural de poder ou de um passado violento, ou de, até mesmo, olhar a uma quantia infinitesimal além da situação imediata para determinar se uma interação é “voluntária”. Ela deliberamente negligencia, especificamente, questões como “por que o trabalho infantil ou as fábricas de suor são as ‘melhores alternativas disponíveis’?”, “quem determinou as alternativas disponíves?” ou “estariam os empregadores das fábricas envolvidos na estrutura de poder que determina o leque de possibilidades?” Ela falha em perguntar o porquê dos trabalhadores terem desejado trabalhar nas fábricas têxteis e o porquê dos salarios terem sido os maiores disponíveis.

Virando-nos para a história econômica, notaremos que os trabalhadores da Revolução Industrial queriam trabalhar por longas horas por uma baixa remuneração por este fato simples: eles foram forçadamente privados de outras opções pelos empregadores. A partir da Alta Idade Média, os campos abertos da Inglaterra, sobre quais os aldeões detinham direito de acesso comunal, foram fechados ao pastoril de ovelhas. Além disso, começando na metade do século 18, nas Enclosures Parlamentares, as classes proprietárias de terra alienaram sistematicamente o campesinato de seus direitos comunais sobre o pasto, a madeira e o feno.

As classes proprietárias justificaram esta robalheira, explicitamente e com muita cara de pau, baseando-se na ideia de que a população rural não trabalharia tanto ou de maneira tão barata no trabalho assalariado agrícola quanto os empregadores desejavam, enquanto estes tinham de competir com a possibilidade de subsistência comunal.

Em 1739, por exemplo, um panfletário argumentou que “a única maneira de fazer com que a ralé se torne temperada e industriosa era ‘cobri-la sob a necessidade de trabalhar todo o tempo que ela podem poupar do descanço e do sono para procurar as necessidades comuns da vida’.” Em 1770, um tratado chamado “Essay on Trade and Commerce” avisou que “O povo trabalhador nunca deve pensar de si mesmo enquanto independente de seus superiores … A cura não será perfeita até que os pobres que trabalham na manufatura estiverem contentes em trabalhar seis dias pela mesma quantia que eles agora ganham em quatro”.

Estes trabalhadores rurais, que eram explorados a partir da renda da terra, e tidos como uma “população excedente”, fugiram para as cidades e aceitaram trabalhos fabris, porque eles foram forçadamente privados de quaisquer alternativas. Além disso, de maneira surpreendente, as mesmas classes proprietárias de terra que fizeram essa alienação foram também aquelas que investiram nas fábricas que empregaram as vítimas de seus roubos.

De maneira análoga, a falta de “alternativas” em nosso tempo resulta de séculos de imperialismo, que foi seguido por séculos de intervenção pós-colonial nos quais os Estados ocidentais ou expropriaram diretamente as terras comuns dos camponeses do Terceiro Mundo, ou se juntaram com as oligarquias dos senhores da terra locais. Os países do Terceiro Mundo são fontes baratas de trabalho localizado em fábricas de suor às corporações Ocidentais. A causa disso é que estas corporações, em conjunção com os Estados capitalistas, suprimiram as alternativas melhores.

Assim, a “melhor alternativa disponível” oferecida pelos empregadores de trabalho infantil é um exemplo clássico de uma migalha oferecida a alguém pelas mesmas pessoas que quebraram suas pernas.

Não é de se surpreender que o autor, Benjamin Seevers, é “um doutorando em Economia na West Virginia University”. Os pontos de disputa desse artigo panfletário são típicos daquilo que os libertários de direita querem dizer com “economia”, a qual eles acusam os esquerdistas de “não entender”.

Só mais uma coisa, não nego a afirmação imediata de Seevers (a de que simplesmente eliminar o trabalho infantil, mantendo-se todos os outros fatores estruturais constantes, teria a consequência indesejada de reduzir o leque de opções), que está correta – tecnicamente. Todavia, o The Freeman não publica esse artigo por causa do ponto em que ele está tecnicamente correto. Quando você pesquisa no Google “sweatshops” e “best avaliable alternative”, brotam bem na tua cara infindáveis resultados – adivinhe! Todos são de sites de libertários de direita – não porque ele queria apresentar um ponto tecnicamente verdadeiro e desinteressado sobre as consequências indesejadas das fábricas de suor, mas pelo fato de que o contexto é de uma agenda política de defesa da globalização corporativa e da noção de fábricas de suor como forças do progresso.

Quando os comentaristas que aderem ao libertarianismo de direita acusam a outrem de “analfabetismo econômico”, acabam por revelar seu próprio analfabetismo histórico.

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