The following article is translated into Portuguese from the English original, written by Kevin Carson.
Em recente discurso dirigido à Veteranos de Guerras no Exterior, o aspirante Republicano à presidência Mitt Romney denunciou propostas de assim chamados cortes na “defesa” como motivados por desejo de tornar os Estados Unidos uma “potência menor” — o que, por sua vez, “emana da convicção de que, se formos fracos, os tiranos também optarão por ser fracos; de que, se pudermos simplesmente falar mais, envolver-nos mais, fazer aprovar mais resoluções das Nações Unidas, essa paz será quebrada. Isso pode ser o que eles pensam naquele saguão do corpo docente de Harvard, mas não é o que eles sabem no campo de batalha!”
A ouvir Mitt, você pensaria que a política externa estadunidense nos últimos setenta anos dirigiu-se para “defender a paz e a liberdade” e dissuadir “agressores” — os Estados Unidos como criança perdida na floresta, cuidando da própria vida, forçada a defender-se contra “tiranos” que “nos odeiam” porque, bem, por eles serem simplesmente perversos. Isso está errado em tantos níveis, quando a gente submete o ponto de vista da aula de educação cívica do sexto ao oitavo grau a respeito do papel dos Estados Unidos no mundo a algum exame crítico, que é difícil saber por onde começar.
Primeiro, a política externa estadunidense não diz respeito a conciliações de interesses. E sim acerca de promover interesses. As políticas do governo estadunidense, como aquelas de todos os estados, servem aos interesses da coalizão da classe dominante que controla o estado. Isso se aplica à política tanto externa quanto doméstica. A política externa estadunidense, como a de todos os outros estados, funciona no interesse de um sistema doméstico de poder.
Nas palavras de Noam Chomsky, a Guerra Fria era — como primeira aproximação — uma guerra dos Estados Unidos contra o Terceiro Mundo e uma guerra da União Soviética contra seus satélites. Em 1984, Orwell usou a imagem de três gavelas de trigo apoiadas umas nas outras para descrever a dependência mútua de Oceania, Eurásia e Lestásia. As três superpotências usavam o conflito perpétuo entre si para justificar seu controle e exploração de suas populações domésticas.
O propósito precípuo da política externa estadunidense desde a Segunda Guerra Mundial tem sido o de escorar uma ordem mundial corporativa e disciplinar países renegados que tentem desertar dessa ordem. E na escora desse sistema global de poder os Estados Unidos têm sido, usualmente, o agressor, nas ações que têm empreendido. Os Estados Unidos, desde 1945, vêm mantendo guarnições militares em dezenas de países, e provavelmente já derrubaram e instalaram no poder mais governos do que qualquer outro império na história. E o fizeram não precipuamente em defesa própria contra a “ameaça soviética,” mas como herdeiros da túnica da Pax Britannica como garantidores de uma ordem mundial.
Os países que os Estados Unidos atacaram em décadas recentes, na maioria, não representavam “ameaças,” por incapazes de atacar os Estados Unidos. Foram países do outro lado do mundo, com forças militares de terceira categoria, sem capacidade logística para projetar força militar além de umas poucas centenas de milhas além das próprias fronteiras. Se os Estados Unidos não tivessem tanto espírito esportivo no tocante a enfrentar países como esses percorrendo mais da metade do caminho, nunca teríamos tantas guerras.
Mais que isso, há muito boa probabilidade de os assim chamados “tiranos” lá de fora terem, antes de tudo, sido colocados no poder pelos Estados Unidos, para protegerem os interesses dos círculos dominantes dos Estados Unidos contra as pessoas comuns dos outros países. Os Aliados Ocidentais, depois de “libertarem” território do Eixo, furtaram aos movimentos de resistência de esquerda seus ganhos locais e colocaram no poder governos provisórios sob colaboradores anteriores do Eixo. Começando com Arbenz em 1954, continuando com a deposição de Goulart, do Brasil, nos anos 1960, e culminando na Operação Condor e na deposição de Allende na América do Sul, os Estados Unidos instalaram juntas militares ou apoiaram esquadrões da morte na maioria dos países do hemisfério ocidental. No resto do mundo, país após país, a história: Mossadeq, Sukarno, Lumumba … para tomar de empréstimo uma frase da The Clash: “Outra vez aquelas balas de Washington.”
Quando os Estados Unidos têm problema com um “tirano,” tão frequentemente quanto não trata-se de ex-cliente do Pentágono e da CIA que parou de aceitar ordens e tornou-se um problema. Como, por exemplo, quando Saddam “deflagrou guerras de agressão contra seus vizinhos” e “usou armas de destruição em massa contra seu próprio povo.” Os sujeitos de Washington deviam saber que Saddam tinha armas de destruição em massa — afinal, haviam guardado os recibos. E na maior guerra de agressão de Saddam, a administração Reagan teve assento de primeira fila, aplaudindo-o e fornecendo ajuda e apoio contra a assim chamada “ameaça iraniana.”
Sinto muito, Mitt. O governo dos Estados Unidos é que precisa ser dissuadido. Romney assevera ser “conservador favorável a governo enxuto.” Afirma não confiar no governo. É, porém, ou estúpido ou mentiroso. Um governo não pára de ser governo na linha da fronteira.
Artigo original afixado por Kevin Carson em 10 de setembro de 2011.
Traduzido do inglês por Murilo Otávio Rodrigues Paes Leme.