O Grande Domínio do Custo Acrescido: Desperdício Interno no Processo de Produção

The following study is translated into Portuguese from the English original, written by Kevin Carson.

1. A Economia de Produção de Desperdício

2. Desperdício por causa de Rents de Escassez Artificial

3. Desperdício Decorrente de Trabalho de Guarda

4. Monopólio Radical

5. Desperdício Decorrente de Insumos Subsidiados

6. Desperdício Decorrente de Desembolsos Compulsórios de Capital e de Overhead

7. Sistemas de Contabilidade e Vitrines Quebradas

8. Desperdício Interno no Processo de Produção

A cultura interna de margem estipulada de acréscimo ao custo e a falta de incentivos para a minimização de custos na corporação típica resulta em níveis patológicos de desperdício de produção/produção de resíduo. A abordagem sloanista, o “modo de pensar produção em lotes – fila de espera,” implica (nas palavras dos autores deCapitalismo Natural) em otimizar cada passo do processo de produção isoladamente, “pessimizando assim o sistema inteiro.”[93]

A abordagem sloanista normal é adotar a forma de maior velocidade, mais especializada, de maquinário em cada passo individual do processo de produção, e em seguida minimizar os custos unitários desse passo mediante fazer funcionar o maquinário em velocidade máxima independentemente de haver ou não necessidade dele no próximo passo, e em seguida encher o depósito de bens acabados sem considerar se há encomendas deles. No sistema de Sloan, se uma máquina puder operar a certa velocidade, ela terá de funcionar nessa velocidade para maximizar a eficiência. E o único modo de aumentar a eficiência é aumentar a velocidade à qual máquinas individuais podem funcionar. [94]

Amiúde as fábricas estadunidenses têm depósitos repletos do equivalente a milhões de dólares de estoque obsoleto, que ali permanece “para evitar-se a redução de lucros que ocorreria no trimestre se fosse dada baixa.” Quando finalmente a corporação tem de ajustar-se à realidade, o resultado é custosa redução do valor contábil do estoque.

….Não demorou muito para algum matemático descobrir que, se a única coisa a considerar é o custo de fazer uma só operação numa peça, sendo permitido ganhar dinheiro fazendo aquela única operação do modo mais barato possível e em seguida chamar de haver o produto parcialmente completo, seria mais barato fazer um porção desses produtos por vez.

Saltava à vista que distribuir os custos de configuração por muitas peças era mais barato do que configurar para apenas algumas, mesmo que isso significasse fazer mais peças do que seriam necessárias durante muito tempo. Também fazia sentido, caso se pudesse fabricar peças suficientes todas ao mesmo tempo, fabricá-las sem grandes cuidados, e separar as defeituosas mais tarde.

De alto a baixo, os lotes tornaram-se a norma, porque o custo direto dos lotes era barato e eles podiam ser transformados imediatamente em dinheiro — pelo menos no que dizia respeito ao Sr. DuPont — mediante se os classificar como estoque de bens não acabados. [95]

O sistema de Sloan considera, exclusivamente, economia de trabalho “percebida como atingível apenas por meio de máquinas mais rápidas. Pouco importa que as máquinas mais rápidas também acumulem estoque mais depressa.” [96] Uma máquina pode reduzir o custo do trabalho de determinado passo ao funcionar a enorme velocidade, e ainda assim entanto estar fora de sincronia com o processo total. [97] Grandes operações em lote ficam completamente fora de escala com o processo de produção como um todo, e o processo não é concatenado com a demanda real.

Amory Lovins e os outros autores de Capitalismo Natural oferecem dois excelentes exemplos: uma máquina excessivamente eficiente de moer na Pratt & Whitney, e uma máquina de engarrafar [refrigerante tipo] cola igualmente superdimensionada em relação a sua tarefa:

O maior fabricante mundial de motores a jato para aviões pagara $80 milhões de dólares por esmeris robóticos alemães de ponta “monumentais” para a fabricação de lâminas de turbina. Os esmeris eram maravilhosamente rápidos, mas seus complexos controles por computador exigiam praticamente a tantos técnicos quanto o antigo sistema manual de produção requeria operadores. Ademais, os rápidos esmeris exigiam processos de suporte dispendiosos e poluidores. Como os esmeris rápidos objetivavam produzir lotes grandes e uniformes do produto, mas a Pratt & Whitney necessitava de produção ágil de lotes pequenos e diversificados, os doze complexos esmeris foram substituídos por outros oito que custaram a quarta parte do preço. O tempo de esmerilhamento aumentou de 3 para 75 minutos, mas o tempo de processamento do processo inteiro decresceu de 10 dias para 75 minutos porque os indecorosos processos de suporte foram eliminados. Vendo-se da perspectiva de sistema total do processo completo de produção, e não apenas do passo de esmerilhamento, as grandes máquinas haviam sido tão rápidas que tornaram demasiadamente vagaroso o processo, e eram tão automatizadas que requeriam número demasiado de trabalhadores. O sistema de produção revisto, usando uma força de trabalho tradicional de altos salários e máquinas simples, veio a produzir $1 bilião de dólares de valor anual num recinto único facilmente supervisionável a partir do vão da porta. Custou a metade, trabalhava 100 vezes mais depressa, reduziu o tempo de reconfiguração de 8 horas para 100 segundos, e teria pago seus custos de conversão num ano mesmo se os esmeris sofisticados tivessem simplesmente sido mandados para o ferro-velho. [98]

Na indústria de [refrigerantes de] cola, o problema é “o descompasso entre uma operação de escala muito pequena — beber uma lata de cola — e uma de escala muito grande, produzir a lata de cola.” A mais “eficiente” máquina de engarrafamento em larga escala cria lotes enormes em descompasso com o sistema de distribuição, e resulta em custos unitários mais altos no total do que o custo que resultaria do emprego de máquinas locais de porte modesto que poderiam imediatamente ajustar a produção à pressão da demanda. O motivo é o excesso de estoques que satura o sistema, e os “generalizados custos e prejuízos de manipulação, transporte e armazenamento entre todas as elefantinas partes do processo de produção.” Como resultado, “a gigantesca máquina de engarrafamento de cola bem poderá custar mais por lata entregue do que uma máquina pequena, lenta e não sofisticada que produza as latas de cola local e imediatamente ao ser recebida encomenda do varejista.” [99]

O resultado desse modelo de produção é enorme quantidade do que Taichi Ohno chamou de muda (“qualquer atividade humana que absorva recursos mas não crie valor”):

equívocos que requeiram retificação, produção de itens que ninguém quer de tal modo que estoques e bens restantes empilham-se, passos de processamento que em realidade não são necessários, movimentação de empregados e transporte de bens de um lugar para outro sem qualquer propósito, grupos de pessoas numa atividade próxima do ponto de venda parados esperando porque uma atividade próxima ao ponto de produção não foi efetuada a tempo, e bens e serviços que não atendem às necessidades do consumidor. [100]

E o efeito desses estoques sobre o custo é enorme. Na indústria de vestuário, avalia-se que o fabrico em função das previsões em vez de das encomendas, e a manutenção de estoque grande o suficiente para evitar máquinas ociosas, respondam por cerca de 25% do preço de varejo. [101] Isso significa que nossas roupas custam cerca de um terço mais por causa das formas de “eficiência” da produção em massa sloanista.

Muda inclui, além de estoque de bens não acabados e acabados produzidos sem considerar a demanda, desperdício de insumos de toda ordem resultante dos perversos incentivos de maximização de custos implicados na contabilidade sloanista. Essa cultura de margem estipulada de acréscimo ao custo, que incorpora o custo total de todos os insumos usados no preço artificial de transferência de um bem “vendido” ao estoque resulta — para repetir — nos mesmos incentivos que nos deram aquele assento de sanitário de $600 dólares. Pelo fato de desembolsos de capital e custos administrativos desnecessários irem para o overhead geral, e serem absorvidos no preço dos bens “vendidos” para o estoque, não há real incentivo para reduzi-los.

Tudo isso recai na rubrica de Lloyd Dumas de atividade neutra improdutiva, que examinamos no início deste artigo.

Em grande medida a proliferação de “atividades neutras” e de outras formas de desperdício interno resulta do caos de cálculo que prevalece no capitalismo de estado.

A grande corporação existe num ambiente econômico externo de competição tornada restrita, com reduzida pressão por eficiência. Sua estrutura interna de incentivos é governada precipuamente por acumulação de poderio burocrático e por uso da empresa pela gerência para consecução de interesses próprios, em vez de por padrões de eficiência do mercado tradicional. Na medida em que, apesar de tudo, existam pressões por corte de custos, elas são dribladas por um sistema de contabilidade gerencial que (como vimos acima) isenta os salários da gerência superior e novos gastos de capital da categoria de custos, e de uma estrutura de incentivo que estimula o esvaziamento da produtividade de longo prazo em favor da consecução de números de curto prazo.

Acopladamente ao isolamento de pressão competitiva para minimizar custos, o ambiente geral de centralização, irracionalidade e informações fora de contexto resultam em enorme desperdício de insumos decorrente de mau projeto de produto e de sistemas.

Um exemplo é a falta de “pensamento de sistema total” em projeto de produto, bem como em projeto de processos de produção. A contabilidade gerencial sloanista tende a tomar o custo dos componentes isoladamente e a maximizar a eficiência de cada estágio da produção isoladamente, mesmo quando o efeito dos componentes e processos “mais baratos” funcionando conjugadamente seja aumento dos custos gerais.

Otimizar componentes isoladamente tende a pessimizar o sistema como um todo — e portanto o resultado final. Pode-se com efeito tornar um sistema menos eficiente enquanto se torna cada uma de suas partes mais eficiente, simplesmente mediante não estabelecer conexão adequada entre esses componentes. Se eles não forem concebidos para funcionar uns com os outros, tenderão a funcionar uns contra os outros. [102]

As burocracias corporativas ilhadas tendem a seguir um processo de projeto onde cada parte de um sistema é projetada isoladamente por alguém cuja relação com o todo é mediada por uma hierarquia burocrática. No projeto de edifícios esse é o processo no qual cada especialista em projeto “joga os croquis, sem mais” para o próximo especialista, e os projetos dos especialistas individuais são finalmente “integrados, por vezes simplesmente mediante o uso de um grampeador.” [103]

Essa abordagem resulta inevitavelmente em custos mais altos, porque as formas de eficiência aumentadas de determinado passo tomadas isoladamente geralmente são governadas por uma lei de custos crescentes e retornos decrescentes. Isolamento mais espesso, melhores janelas etc. custam mais do que suas contrapartidas convencionais. Materiais mais leves e motores mais eficientes para um carro, similarmente, custam mais do que os componentes convencionais. Assim, a otimização da eficiência de cada passo isoladamente segue uma curva crescente de custo, com cada aperfeiçoamento marginal em eficiência do passo custando mais do que o anterior.

Tais burocracias ilhadas, especialmente com os incentivos perversos ofertados pela contabilidade sloanista e a cultura da margem estipulada de acréscimo ao custo, são incapazes de beneficiar-se dos tipos de eficiência de sistema total que Amory Lovins et al chamam, em Capitalismo Natural, de “fazer um túnel na barreira do custo.” Componentes individuais mais eficientes, isoladamente, custam mais do que suas contrapartidas convencionais. Quando, porém, o sistema inteiro é projetado com vista à economia que o componente mais eficiente torna possível no sistema com um todo, o custo total poderá ser dramaticamente menor. Projeto solar passivo, janelas mais eficientes e maior isolamento poderão custar mais do que projeto convencional de edificação; e o mesmo poderá ser verdade quanto a lâmpadas mais eficientes. Se, porém, a escolha do sistema de aquecimento e resfriamento tiver em conta tais considerações, a redução radical em gastos de aquecimento e resfriamento poderá mais do que compensar os custos de aumento de eficiência. Uma edificação com bom projeto de aquecimento e resfriamento solar passivo poderá não exigir, em absoluto, aquecimento central ou ar condicionado.

Tais formas de eficiência simplesmente requerem “fazer as coisas certas na ordem certa,” e dar cada passo tendo em vista não apenas sua eficiência isoladamente mas também seu efeito sobre a eficiência do sistema inteiro. Bom exemplo é o projeto de sistema de bombeamento de Jan Schilham para uma fábrica de carpetes em Xangai. A fábrica típica toma o leiaute das máquinas como um dado, e em seguida será pensado como instalar canos entre elas.

…Primeiro, Schilham optou por utilizar canos grossos e bombas pequenas em vez do projeto original de canos finos e bombas grandes. A fricção diminui na base aproximadamente da quinta potência do diâmetro do cano e, portanto, tornar os canos 50 por cento mais grossos redunda em redução de fricção de 86 por cento. O sistema precisa de menos energia de bombeamento — e menores bombas e motores para contraporem-se à fricção. Se a solução é simples assim, por que os canos não foram, originalmente, especificados para serem grossos o suficiente? …A otimização tradicional compara o custo de um cano mais grosso apenas com o valor da energia de bombeamento utilizada. Essa comparação ignora o tamanho e, portanto, o custo de capital do equipmento [de bombeamento] necessário para contrapor-se à fricção do cano. Schilham descobriu que não precisamos calcular quão rapidmente a economia pagará o custo extra imediato do cano mais grosso, porque o custo de capital cairá mais em relação ao equipamento de bombeamento e impulsio do que aumentará em relação ao cano, tornando o sistema eficiente como um todo de construção mais barata.

Segundo, Schilham primeiro assentou os canos e depois instalou o equipamento, em ordem inversa àquela na qual sistemas de bombeamento são convencionalmente instalados. Normalmente o equipamento é colocado em algum local conveniente e arbitrário, e o instalador de canos é então instruído a conectar o ponto A ao ponto B. O cano amiúde tem de fazer todo tipo de torções e voltas para acoplar-se a sistema demasiado distante, virado para o lado errado, montado em altura errada e separado por outros dispositivos instalados no meio….

Por assentar os canos antes de colocar o equipamento que os canos ligavam, Schilham conseguiu tornar os canos curtos e retos em vez de longos e tortuosos. Isso permitiu-lhe explorar a fricção mais baixa deles tornando as bombas, motores, inversores e dispositivos elétricos ainda menores e mais baratos.

Os canos mais grossos e o leiaute mais limpo geraram não apenas energia de bombeamento 92 por cento mais baixa com menor custo de capital como, também, construção mais simples e rápida, menor uso de espaço de piso, funcionamento mais fidedigno, manutenção mais fácil e desempenho melhor. Como bônus adicional, isolamento térmico mais fácil dos canos mais retos pouparam 70 kilowatts adicionais de perda de calor…. [104]

Fazer as coisas certas na ordem certa implica, no processo de projeto, o que os autores de Capitalismo Natural chamam de  “modo de pensar de rio abaixo para rio acima”:

Por exemplo, se você for modernizar suas lâmpadas e seu condicionador de ar, trate das lâmpadas primeiro de maneira a você poder tornar seu condicionador de ar menor. Se você fizer o contrário pagará mais pela capacidade de resfriamento do que você precisaria depois da modernização das lâmpadas, e tornará também o condicionador de ar menos eficiente porque ele ou funcionará com carga parcial ou entrará em ciclos excessivos de ligar e desligar. [105]

A burocracia corporativa típica, porém, milita contra essas considerações. Cria projetos enormemente desperdiçadores porque está institucionalmente estruturada para tornar tal abordagem quase impossível. As burocracias corporativas otimizam cada passo e cada componente isoladamente, mais amiúde do que não, criando dispendiosas formas de ineficiência no sistema como um todo.

Projeto geral de má qualidade pode levar a aumento de ordem de grandeza dos custos de infraestrutura. A regra geral é que a maioria dos custos vem de uma pequena percentagem de necessidades do ponto de consumo, e de aumento da capacidade da estrutura de suporte de carga para cobrir os vinte por cento adicionais em vez de simplesmente administrar os primeiros oitenta por cento. Exemplos incluem a dispendiosa força em cavalos de automóveis acrescentada para dar conta de aceleração infrequente, e aumento de escala da capacidade de um sistema de aquecimento central para atender necessidades que poderiam ser atendidas usando-se aquecedores de área em locais específicos. Tornar a produção fora de sincronia com a demanda (inclusive a demanda, no ponto de venda, do produto oriundo de determinado passo de um processo), seja espacial, seja temporalmente, também cria formas de ineficiência. Otimizar um estágio sem considerar o fluxo de produção e a demanda no ponto de venda geralmente envolve dispendiosa infraestrutura para se levar um insumo em andamento de um estágio para outro, amiúde com armazenamento intermediário enquanto espera uma necessidade. O custo da infraestrutura total resultante excede em muito a economia de passos individuais. Sincronização eficiente de passos sequenciais em qualquer processo resulta em custos de overhead inchados por causa de armazenamento adicional e administração de infraestrutura.

O problema é complicado por outro efeito distorcedor do sistema padrão de contabilidade da corporação: o não tratar as economias de eficiência como equivalentes a outros retornos sobre o investimento. As corporações tipicamente fazem compras baseadas inteiramente no custo inicial mais baixo, sem fazer uma comparação tipo maçãs-com-maçãs entre o retorno consistente em eficiência aumentada multianualmente e outras formas de retorno. A gerência raramente considera um investimento em aumento de eficiência com retorno mais longo do que dois anos, e amiúde exige período de retorno de menos de seis meses para sequer considerar desembolso para efeito de aumento de eficiência.

As autoridades corporativas, em sua maioria, estão de tal maneira imersas em medidas de lucratividade de fluxos de caixa descontados que não sabem como fazerem tradução entre sua própria linguagem financeira e a linguagem dos engenheiros, de simples retorno do valor pago. Podem, portanto, não compreender que um retorno simples de 1,9 ano é equivalente a 71 por cento reais de taxa de retorno por ano após impostos, ou cerca de seis vezes o custo do capital adicional. [106]

Infelizmente, também nesse caso, a corporação usualmente existe num ambiente — um mercado cartelizado compartilhado por “competidores” com culturas organizacionais e premissas operacionais similares — no qual pressões ambientais para superação dessa irracionalidade são mínimas.

Os custos de overhead da capacidade excessiva de produção devem também ser computados como forma de desperdício. Os recursos dedicados a capacidade industrial excessiva, graças à acumulação subsidiada pelo estado, inflam os preços das mercadorias. A prática padrão, entre as indústrias oligopolistas, de funcionamento a 75-80% da capacidade e de passar o custo da capacidade ociosa para o consumidor aumenta grandemente o preço. [107] Em fazendas, manter terra sem uso para manutenção de preço ou para subsídios de “conservação” representa lucrativo investimento imobiliário, que simultaneamente aumenta o custo social (embora disfarçado em impostos) da produção da fazenda corporativa, e torna a terra artificialmente escassa e cara para o pequeno produtor.

Em última análise, o custo-acrescido vem a definir todo um estilo organizacional baseado em insumos desperdiçados, regras tolhedoras e camadas infindas de burocracia em autoexpansão. Paul Goodman descreveu esse estilo organizacional — que tende a tornar-se hegemônico na sociedade capitalista de estado — circunstanciadamente em Pessoas ou Pessoal.

Em longo capítulo intitulado “Custos Comparativos,” Goodman contrastou dois estilos organizacionais (Categorias A e B), que ele descreve respectivamente como “empresas motivadas extrinsecamente e entrosadas com os outros sistemas centralizados,” e “empresas motivadas intrinsecamente e talhadas de acordo com o produto ou serviço concreto.” [108] No primeiro, escreveu Goodman em outro lugar, há “necessidade de montantes de capital fora de proporção com a natureza da empresa.” [109] Tanto a Categoria A quanto a Categoria B abrangem organizações com e sem fins lucrativos, inclusive algumas superficialmente “progressistas” ou “contraculturais.”

No tangente a estilo organizacional, o órgão regulamentador e o sindicato não atuam — na forma do esquema de Galbraith em Capitalismo Estadunidense — como “poderes compensatórios.” Pelo contrário, a grande corporação, o grande órgão regulamentador, o grande sindicato, a grande fundação de caridade ou universidade ou instituto de pesquisa interdisciplinar agem juntos em complexos entrosados caracterizados por competição de custos limitada, cultura de margem estipulada de acréscimo ao custo e altos overhead e desperdício burocráticos. Essas coalizões de organizações de alto overhead, quer o complexo industrial-militar, a coalizão governo corporação, e universidade-iniciativas de pesquisa e desenvolvimento (R&D), ou a “aliança de promovedores, empreiteiros e governo na Renovação Urbana,” constituem  “o grande domínio do custo-acrescido.” [110]

…O que infla os custos em empresas envolvidas nos sistemas centralizados entrosados da sociedade, sejam comerciais, oficiais ou institucionais sem fins lucrativos, são todos os fatores de organização, procedimento e motivação não diretamente determinados pela função e pelo desejo de desempenhá-la. São eles patentes e rents, preços fixados, salários mínimos de categorias profissionais, contratação em excesso só para dar mais empregos, benefícios adicionais, salários por status, contas para despesas, proliferação de administração, papelada, overhead permanente, relações públicas e promoção, desperdício de tempo e sill [?] mediante departamentalização de funções de tarefas, modo de pensar burocrático que se preocupa com pequenas economias e não se preocupa com grandes gastos, procedimentos inflexíveis e horário estrito que exagera contingências e trabalho fora de hora.

Quando porém as empresas podem ser administradas autonomamente por profissionais, artistas e trabalhadores intrinsecamente comprometidos com o trabalho, há economias ao longo de toda a linha. As pessoas fazem render os meios de que dispõem. Gastam com valor, não com convenção. Improvisam flexivelmente procedimentos ao as oportunidades se apresentarem, e tomam iniciativa em emergências. Não ficam olhando para o relógio. As habilidades disponíveis de cada pessoa são postas a funcionar. Não se importam com status e numa hora de aperto aceitam salários de subsistência. Administração e o overhead são em função de cada situação. A tarefa tende a ser vista em sua essência, e não abstratamente. [111]

No mesmo capítulo Goodman apresentou diversos estudos de caso contrastando os dois estilos: uma grande estação de rádio corporativa em contraste com uma sem fins lucrativos gerida por estudantes universitários; o Corpo de Paz em contraste com a Comissão de Serviços Amigos Estadunidenses; uma universidade convencional em contraste com a Faculdade Montanha Preta. [112] Mais próximo do lar, o leitor necessita apenas considerar o quanto o gasto por aluno no sistema de escola pública local é inflado pelo número e valor dos salários administrativos, a necessidade de comprar grandes terrenos/prédios localizados em zona central, e a insistência no uso de arquitetura monumental (para não dizer totalitária) especialmente projetada para o propósito, com todos os tipos de regras burocráticas limitando liberdade para uso de materiais locais e técnicas vernáculas. Goodman propôs uma escola preparatória cooperativa com orçamento ilustrativo, logrando custo de apenas um terço do custo por aluno na escola secundária típica. [113] Na verdade, qualquer pessoa, empreendendo um experimento imaginário, terá dificuldade de conceber modos de absorver o dinheiro por aluno constante no orçamento das escolas públicas (exceto se supuser a instalação de sanitários de ouro sólido e seu uso para dar descarga em cima de dinheiro).

“Para qualquer lado que nos voltemos…,” escreveu Goodman, “parece haver uma margem de 300 e 400 por cento, para fazer-se algo ou fabricar-se algo.” [114] E, paradoxalmente, quanto mais “eficientemente” uma organização é gerida, “mais dispendiosa ela é por unidade de valor líquido, se levarmos em consideração o total de trabalho social envolvido, o overhead tanto visível quanto oculto.” [115] Esta última sentença poderia servir de lema para a crítica da produção enxuta de máquinas excessivamente “eficientes” funcionando sem sincronia com o processo de produção.

Goodman destacou países onde o PIB oficial é um quarto do dos Estados Unidos, e no entanto “essas pessoas não abonadas não parecem quatro vezes ’em pior situação’ do que nós, e até dificilmente parecem em pior situação.” [116] A causa disso está na crescente porção do PIB que vai para suporte e overhead, em vez de para consumo direto. A maior parte dos custos não decorre das exigências técnicas da produção direta dos bens de consumo eles próprios, e sim das estruturas institucionais tornada obrigatórias para a produção e o consumo deles.

É importante observar o quanto os diversos dispendiosos produtos e serviços das corporações e do governo tornam as pessoas sujeitas a consertadores, taxas, transporte, filas, trabalho desnecessário, vestir-se só para o trabalho; e essas coisas amiúde impedem totalmente a satisfação. [117]

Fenômeno relacionado é o que Kenneth Boulding chamou de princípio de “mudança não proporcional” do desenvolvimento estrutural: quanto maior se torna uma instituição, maior a proporção de recursos que terá de ser dedicada a funções secundárias, de infraestrutura e de suporte em vez de à real função precípua da instituição. “À medida que qualquer estrutura aumenta, as proporções das partes e de suas variáveis importantes não conseguem permanecer constantes…. Isso ocorre pelo fato de um aumento uniforme das dimensões lineares de uma estrutura provocar aumento de todas as suas áreas como o quadrado, e seu volume como o cubo, do aumento da dimensão linear….” [118]

Leopold Kohr deu o exemplo de um arranha-céu: quanto mais alto o edifício, maior a percentagem de espaço de piso que precisa ser tomada com poços de elevador e escadarias, dutos de aquecimento e resfriamento, e assim por diante. Por fim, o edifício atinge o ponto no qual o espaço do último andar acrescentado será anulado pelo aumento de espaço necessário para as estruturas de suporte. Isso dificilmente é algo teórico: Kohr citou aumento de $25 biliões de dólares no PIB nos anos 1960, $18 biliões (ou 72%) dos quais foram para custos administrativos e de suporte de vários tipos. [119]

Uma das razões para o custo mais alto da organização burocrática hierárquica é suas regras weberianas de trabalho e seus procedimentos formalizados para aprovar até as ações mais simples. O motivo para tais constrangimentos da iniciativa e da capacidade de tomar decisões do indivíduo — a iniciativa e a capacidade de decidir daqueles que conhecem o trabalho e são os melhores juízes da eficiência dos cursos alternativos de ação — é que a organização não é um veículo de cooperação entre aqueles que estão trabalhando para si próprios. O trabalho individual é, antes, para os objetivos estipulados pela organização.

Portanto, aqueles no cimo da pirâmide têm necessidade obsessiva de tornar a organização abaixo deles nítida, e de resolver quaisquer problemas de atuação ou conflitos de interesses entre o trabalhador individual e a organização. A liderança tem de intervir em situações com as quais não está diretamente em contato, estabelecer procedimentos padronizados inflexíveis para a lide com situações que não possa prever, e questionar e paralisar aqueles melhor habilitados a analisar a situação. Precisa fazer isso porque, pela própria natureza da hierarquia, a organização existe para jogar custos e responsabilidades para baixo enquanto joga autoridade e recompensas para cima. Quem haja trabalhado num hospital onde a equipe de cuidados a pacientes é implacavelmente reduzida em nome de “obter-se eficiência e economia de custos,” enquanto o hospital satura o ambiente com cartazes, slogans e comentários oficiais entusiasmados acerca de “extraordinários cuidados dispensados aos pacientes” (e enquanto o salário de $3 milhões de dólares do Executivo Principal é isentado da lista de potenciais medidas de aumento da eficiência) poderá atestar isso.

Pelo fato de a organização não poder confiar na iniciativa de pessoas com relação às quais ela tem todos os motivos para suspeitar que não se identificam com as metas da organização ou de sua liderança, ela é forçada a recorrer a uma série infindável de expediantes inviáveis para tornar a atividade dos subordinados visível e para restringir a liberdade de ação deles a fim de impedir seja usada de maneiras que possam contrariar os interesses da liderança.

No hospital, isso significa uma proliferação bola de neve de nova papelada, com o constante acréscimo de novos formulários de rastreamento para confirmar que as enfermeiras cumpriram a política organizacional e desempenharam todas as tarefas a elas cometidas. O problema é que, ao mesmo tempo em que a proliferação de tais formulários reflete desconfiança em relação à disposição das enfermeiras de conformarem-se à política organizacional, ela também necessariamente depende da assunção implícita de que se pode confiar nelas quanto a preencherem verazmente os formulários.

A necessidade de impor restrições à liberdade de ação, e de tolher a iniciativa individual quanto a adotar diretamente as soluções mais de bom senso e de menor custo para problemas imediatos é descrita por Paulo Goodman:

…o Corpo de Paz do governo é muitas vezes tão dispendioso quanto atividades similares menos oficiais em grande parte pelo fato de um perfurador de poços de vinte anos de idade que faça alguma bobagem poder tornar-se Incidente Internacional, e portanto todo cuidado em selecioná-lo será pouco. A conveniência da supervisão supera o desempenho. E quanto mais “objetivas” forem as coisas melhor. Se o cartão perfurado [isto é, o cartão perfurado de computador — o texto é de meado anos 1960] aprovar, ninguém será culpado. Para os burocratas, selo distintivo fatal das empresas descentralistas é a variedade de procedimentos e pessoas; como poderá alguém saber, com algum percentual da validade, que esses métodos e pessoas estão certos? [120]

Cada nova camada de papelada é acrescentada tendo por objetivo lidar com a percepção do problema de tais ou quais tarefas não estarem sendo feitas do modo que a gerência quer, a despeito da proliferação de papelada dizendo que tudo está sendo feito exatamente de acordo com as ordens. Nenhuma papelada, porém, pode resolver o problema básico: a incapacidade da gerência de instalar-se dentro da cabeça de seus subordinados e de enxergar usando os olhos deles. Assim, a organização é soterrada debaixo de cada vez maiores quantidades de papelada falseadora, do mesmo modo que o ministério industrial soviético ao qual era garantido por toda a papelada local que chegava que uma nova fábrica havia sido construída de acordo com o plano e estava diligentemente atingindo suas quotas de produção — embora a “fábrica” consistisse em meros alicerces de concreto e uma guarita de guarda, enquanto todos os materiais de construção haviam sido vendidos por burocratas corruptos do ministério que subornavam inspetores para fazerem vista grossa para papelada adulterada.

O resultado é um mundo difícil de distinguir de paródias tais como “Os Federais” em Tempestade de Neve de Neal Stephenson, ou do Minstério de Serviços Centrais onde não se pode substituir um fusível queimado sem preencher-se um Formulário 27-B no filme ‘Brasil’. O problema de substituir uma trava-porta no sistema de escolas públicas de New York, que sugere que o “Formulário 27-B” dificilmente será em verdade uma paródia, é muito bom exemplo:

…Remover uma trava de porta que atrapalha o uso de um banheiro requer longo caminho de pedidos de autorização na sede, por tratar-se de “propriedade da cidade.”….

…Certo tipo antigo de dispositivo é especificado para todos os novos edifícios, mantido em produção apenas para o sistema escolar de New York. [121]

Quando os meios sociais prevalecem firmemente em tais organizações complicadas, torna-se extraordinariamente difícil e por vezes impossível fazer uma coisa simples diretamente, ainda que o fazimento seja questão de bom senso e vá contar com aprovação universal, visto que nem a criança, nem o pai ou mãe, nem o bedel, nem o diretor da escola podem remover a trava de porta estorvadora. [122]

Tenho visto esse fenômeno no hospital que me emprega, na aquisição de dispensadores de papel higiênico. Um dispensador com invólucro de plástico da Georgia-Pacific, que custa mais de $20 dólares e cujo design torna quase impossível rodar o rolo ou obter papel sem quebrar o punho, não poderia ser pior do que isso se fosse deliberadamente projetado para ser completamente inútil no tocante a seu uso pretendido. Enquanto isso, um carretel plenamente funcional de papel higiênico poderia provavelmente ser comprado na loja local de ferragens por menos de um dólar. A monstruosidade da Georgia-Pacific está projetada por uma burocracia engenheira fora de contexto completamente ínsula do feedback do usuário, e é adquirida por uma burocracia de compras preocupada primeiramente com servir a seus próprios objetivos burocráticos, para uso por uma clientela cativa que improvavelmente decidirá deixar de sê-lo. É muito como um conluio entre autoridades militares de compras e empreiteiros militares na adulteração de testes de armas com problemas, deixando os soldados morrerem até que os problemas sejam equacionados no combate, em outras palavras.

O estilo organizacional do custo-acrescido não apenas permeia todo o espectro das grandes organizações como, também, vem a contaminar até organizações menores. Pouco importa que “salários por status e contas de despesas sejam igualmente prevalecentes, administração e overhead excessivos sejam amiúde mais prevalecentes, e haja menor pressão para cortar custos”123 na GM ou na Cruz Vermelha e na United Way.  Até uma cooperativa de crédito local ou uma cooperativa de alimentos naturais com poucas dúzias de empregados tenderá a ter uma Declaração de Missão, um complexo de regras questionando as decisões (e portanto tolhendo a produtividade) das pessoas efetivamente envolvidas no trabalho, e um comparativamente bem-remunerado Executivo Principal cujo currículo está acolchoado de longa lista de cooperativas de crédito ou outras cooperativas onde ele diligentemente absorveu a cultura organizacional convencional antes de vir perseguir seus interesses pessoais no presente cargo.

9. Desperdício Externo Decorrente de Marketing e de Obsolescência Planejada

10. Setores Desperdiçadores da Economia

11. “Não Há Trabalho Bastante”

12. Conclusão

Estudo original publicado por Kevin Carson 29 de dezembro de 2010.

Traduzido do inglês por Murilo Otávio Rodrigues Paes Leme.

Notes:

Anarchy and Democracy
Fighting Fascism
Markets Not Capitalism
The Anatomy of Escape
Organization Theory