O Grande Domínio do Custo Acrescido: Desperdício por causa de Rents de Escassez Artificial

The following study is translated into Portuguese from the English original, written by Kevin Carson.

1. A Economia de Produção de Desperdício

2. Desperdício por causa de Rents de Escassez Artificial

A maior parte de nosso trabalho é empregada para sustentar consumo improdutivo de detentores de direitos artificiais de propriedade: “o consumo de valor de uso pela classe excedente” ao qual Wolff se referiu.

Num ambiente de troca sem coerção entre iguais, as trocas tendem a envolver quantidades comparáveis de esforço ou de desutilidade de ambos os lados. O motivo disso é os seres humanos serem, por natureza, maximizadores de utilidade; quando o esforço requerido em troca do produto de outra pessoa excede significativamente o esforço de produzi-lo, haverá, na margem, efeito correspondente em decisões acerca de “fazer ou comprar” suficiente para aumentar o número de pessoas competindo para fornecer o produto e desse modo derrubar seu preço. Quando todas as transações do mercado são livres e desimpedidas, haverá nas margens deslocamento do trabalho de ocupações nas quais a remuneração é baixa em relação ao esforço para aquelas nas quais ela é mais alta. O privilégio é uma forma de aumentar o  esforço ou a desutilidade requeridos de uma das duas partes para que proporcione rents ou renda não resultante do trabalho para a outra. Quando o empregador do trabalho for um monopsonista, poderá estabelecer salários no valor necessário para fazer com que trabalhadores tragam seus préstimos ao mercado, e apropriar-se do excedente como rent.

De acordo com Wolfgang Hoeschele, a geração de escassez está fortemente atrelada a violência: “Ao longo da história, quem controlasse os meios de violência poderia usá-los para criar um gargalo entre as pessoas e os frutos do próprio trabalho dela, tornando esses últimos escassos.” Ele cita, como exemplos, “pagamentos de extorsão por máfia e rents impostos a camponeses por senhores de terra feudais.” [13] Mas “a propriedade enquanto tal,” argumenta ele, “não resulta de alguns a expensas de outros” nem “cria escassez.” Se o fará ou não “dependerá vitalmente da natureza específica dos direitos de propriedade envolvidos.” [14]

Onde a escassez é natural e os direitos de propriedade refletem esse estado de coisas, estes podem ser fonte de benefício mútuo em vez de relações de soma zero. Por exemplo, um regime de acesso aberto não regulamentado, ao não vincular o preço do consumo ao custo de regeneração dos recursos, pode levar a depleção. Ambos, as terras comuns regulamentadas e a propriedade privada ligadas ao uso real são modos de atribuir custos econômicos à extração de recursos e de distribuir equitativamente a mais alta safra sustentável possível. [15] A propriedade privada de terra arável, em forma de propriedades agrícolas familiares, pode minimizar a escassez ao internalizar plenamente tanto custos quanto produção — enquanto a propriedade “por uma grande organização coletiva (cooperativa, comuna, fazenda estatal, ou corporação)” pode resultar em sérias formas de ineficiência. [16]

É importante, portanto, distinguir entre direitos de propriedade naturais e artificiais. Direitos naturais de propriedade refletemescassez onde ela naturalmente exista; direitos artificiais de propriedade criam escassez. Direitos naturais de propriedade asseguram o direito do indivíduo ao produto de seu próprio trabalho; direitos artificiais de propriedade qualificam o detentor para coletar tributo sobre o produto do trabalho de outros. Direitos naturais de propriedade dão ao detentor direito de retorno de suas contribuiçõesà produção; direitos artificiais de propriedade qualificam o detentor para coleta de pedágio por não obstruí-la.

Regulamentações sociais e proibições comerciais, como disse Thomas Hodgskin, “compelem-nos a empregar mais trabalho do que o necessário para obter a mercadoria proibida,” ou “a dar maior quantidade de trabalho para obtê-la do que a natureza requer,” e colocar a diferença nos bolsos das classes privilegiadas. [17] Direitos artificiais de propriedade são “o poder de tirar a necessidade de trabalho dos próprios ombros… mediante apropriação da produção de outros homens,” e “o poder possuído por homens ociosos de apropriarem-se da produção dos trabalhadores….” [18]

Os direitos artificiais de propriedade tornam também possível coletar tributo pelo “serviço” de não obstruir a produção. Como John R. Commons observou em Economia Institucional, o alegado “serviço” desempenhado pelo detentor de direitos artificiais de propriedade, consistente em “contribuir” com algum “fator” para a produção, é inteiramente definido pela capacidade dele de obstruir o acesso a ela. Seus “serviços produtivos” consistem em não impedir a produção das outras pessoas. Tais privilégios, argumentou Maurice Dobb, são análogos a uma concessão estatal de autoridade para coletar pedágios (de modo muito parecido com os barões ladrões medievais que obstruíam o comércio entre suas minúsculas baronias):

Suponhamos que os postos de pedágio fossem uma instituição geral, fundamentadas nos costumes ou em vetusto direito legal. Poderia ser plausivelmente negado haver importante sentido em dizer-se que a receita da classe de proprietários de postos de pedágio representaria “apropriação de bens produzidos por outros” e não pagamento de “atividade dirigida para a produção ou transformação de bens econômicos?” No entanto, os valores de pedágio seriam fixados em competição com estradas alternativas e portanto, presumivelmente, representariam preços fixados “em mercado aberto….” Não se tornariam a abertura e o fechamento dos portões de pedágio fator essencial de produção, de acordo com a maioria das atuais definições de fator de produção, com tanta razão, enfim, quanto muitas das funções do empreendedor capitalista assim classificadas hoje em dia? Esse fator, como outros, poderia então ser dito ter “produtividade marginal” e seu preço poderia ser visto como medida e equivalente do serviço por ele proporcionado. Enfim, onde traçar uma linha lógica entre postos de pedágio e direitos de propriedade de recursos escassos em geral? [19]

Pelas regras-padrão da teoria da produtividade marginal de J.B. Clark, qualquer seja o custo dos pedágios acrescentado ao preço final de bens acabados, representará a “produtividade marginal” dos postos de pedágio, e essa porção do preço dos bens refletiria a “contribuição” do dono do posto de pedágio para a produção.

Thorstein Veblen fez distinção similar entre propriedade como usabilidade capitalizada por oposição a inusabilidade capitalizada. Esta última consistiria em vantagens de poder sobre rivais e o público que capacitariam os proprietários a atribuir valor econômico ao ato magnânimo de permitir que a produção ocorresse sem interferência. [20] Entre as pessoas menos academicamente inclinadas creio isso ser chamado de “pagamento de proteção.”

Em A Conquista do Pão Kropotkin descreveu os enormes aumentos de produtividade trazidos pela revolução científica-técnica, os quais capacitam um único produtor rural ou trabalhador têxtil a alimentar e vestir centenas de pessoas.

Em verdade, somos ricos — muito mais ricos do que pensamos; ricos com o que temos e ainda mais ricos nas possibilidades de produção de nosso real equipamento mecânico; mais ricos de tudo no que poderíamos obter de nosso solo, de nossas manufaturas, de nossa ciência, de nosso conhecimento técnico, se apenas fossem aplicados para assegurar o bem-estar de todos. [21]

Para “utilizar essa alta produtividade do trabalho…,” argumentou Kropotkin, “a sociedade precisa ela própria tomar posse de todos os meios de produção.” [22]

Ora, mas é isso o que a competição de mercado faz: ela socializa, para benefício de todos, os aumentos de produtividade criados pelo progresso técnico. Se os meios de produção não forem eles próprios socializados, num livre mercado sua produtividade será com efeito socializada pela competição. Direitos artificiais de propriedade habilitam os privilegiados a apropriarem-se de ganhos de produtividade para eles próprios, em vez de permitir que seus benefícios sejam socializados por meio da competição do mercado. Só por meio de direitos artificiais de propriedade vendedores privilegiados podem cobrar dos consumidores na proporção da utilidade aumentada, a despeito do custo decrescido de fornecer o bem.

As classes privilegiadas usam uma miscelânea de direitos artificiais de propriedade para se apropriarem da produção aumentada resultante de melhorias na produtividade e (nas palavras de Kropotkin) “apropriarem-se hoje de dois terços dos produtos do trabalho humano, e em seguida dissipa-o do modo mais estúpido e vergonhoso.” [23] “…Tudo o que permite ao homem produzir e aumentar seu poder de produção foi tomado pelos poucos.” [24]

O capitalismo — em oposição a livres mercados — diz respeito, em verdade, a “direitos de propriedade privada,” como argumentam seus apologistas. Não, porém, a propriedade privada legítima — o direito de alguém possuir os frutos do próprio trabalho e coisas adquiridas por comércio pacífico com outras pessoas. Pelo contrário, os “direitos de propriedade privada” no capitalismo dizem respeito a propriedade do direito de controlar acesso a oportunidades naturais. Toda concessão, pelo estado, do poder de controlar as condições nas quais outras pessoas possam empreender atividade produtiva é fonte de rent ilegítimo. Como resumiu Kropotkin:

Em virtude desse sistema monstruoso, o filho do trabalhador, ao entrar na existência, não encontra campo que possa amanhar, nem máquina da qual possa cuidar, nem mina que possa cavar, sem aceitar deixar para um senhor grande parte do que vier a produzir…. Seu pai e seu avô labutaram para drenar este campo, para aperfeiçoar esta máquina…. Mas seu herdeiro vem ao mundo mais pobre do que o mais destituído selvagem. Se obtiver permissão para amanhar os campos, será sob condição de entregar um quarto da produção a seu senhor, e outro quarto ao governo e aos intermediários. [25]

Em todos os casos, a pessoa que aplicaria seu trabalho, energia e habilidades à terra e a seus recursos naturais é forçada a pagar tributo pelo direito de produzir, e a trabalhar para alimentar um parasita improdutivo além de a si própria. E, sistematicamente, as classes privilegiadas dos donos de terras, usurários e outros extorsores buscam bloquear oportunidades de autoemprego porque tais oportunidades tornam demasiado difícil conseguir pessoas para trabalhar para elas em condições lucrativas. Enquanto o emprego assalariado enfrentar competição não tolhida do autoemprego a exploração econômica será impossível.

A propriedade artificial no tocante à terra inclui todos os títulos de absentismo de terra não ocupada e sem melhoramentos, bem como todos os títulos garantindo direitos aos herdeiros ou cessionários do detentor original de tal título a expensa do primeiro ocupante e usuário e seus herdeiros e cessionários. Tanto o feudalismo (reivindicações de propriedade e imposição de rent àqueles já instalados explorando pedaço de terra por meio de seu próprio trabalho), quanto a absorção de terra (apropriação de terra não ocupada e sem melhoramentos por alguém que em realidade não a usa, e a subsequente coleta de tributo do primeiro ocupante de direito) são totalmente inválidos como bases para título de terra.

A propriedade artificial possibilita que o proprietário de terra colete tributo para não obstruir o acesso a terra não ocupada de tal modo que, como precondição pelo direito ao trabalho, o trabalhador terá de sustentar um rentista parasitário além de a si próprio. O poder produtivo original da terra é dádiva grátis da natureza. Portanto, não teria valor de troca, a não ser pelo fato de ser monopolizado por alguém que se aboletou em cima dele sem usá-lo ele próprio, e cobrou tributo para permitir a outros dispor dele para uso. Como descrito por Thomas Hodgskin, tal propriedade artificial da terra resulta em irracionalidade, ao ser requerido que os recursos produtivos sejam capazes de sustentar um rentista além do trabalhador que se sustenta a si próprio, antes de a terra poder ser empregada para uso:

É… evidente que o trabalho que seria amplamente recompensado no cultivo de todas as nossas terras não aproveitadas…, fosse toda a produção do trabalho naquelas terras a recompensa do trabalhador, não atingiria suficiência para arcar com lucro, dízimos, rent e impostos…. [26]

Escrevendo acerca da defesa dos juros por Henry George, Benjamin Tucker observou a incapacidade de George de ver que “o capital nas mãos do trabalho é apenas a utilização de uma força ou oportunidade natural,”

do mesmo modo que a terra está nas mãos do trabalho, e que é tão adequado num caso como no outro que os benefícios de tal utilização de forças naturais sejam fruídos pelo corpo total dos consumidores.

A verdade em ambos os casos é simplesmente esta — que a natureza oferece ao homem imensas forças com as quais trabalhar nas condições da terra e do capital, que num estado de liberdade essas forças beneficiam cada indivíduo na medida em que ele faça uso delas, e que qualquer homem ou classe que obtenha monopólio de um ou ambos colocará todos os outros homens em sujeição e viverá faustosamente a partir dos resultados do trabalho deles. ….Na discussão econômica prática o rent significa a absorção das vantagens da terra pelo proprietário, e os juros significam a absorção das vantagens do capital pelo usurário. [27]

A capacidade de cobrar rents de monopólio de capital resulta tanto de intervenções do estado que reduzem a competição no suprimento de crédito quanto de intervenções que artificialmente aumentam a necessidade de capital mediante inflarem-se os desembolsos de capital requeridos pela produção.

Tanto no tocante a capital quanto a terra, escreveu Hodgskin, quanto mais alto o desembolso de capital requerido para empreender-se a produção maior o ônus com o qual o produtor terá de arcar antes de ser-lhe permitido trabalhar.

não é permitido ao trabalhador trabalhar a menos que, além de substituir o que quer que use ou consuma, e de prover confortavelmente a própria subsistência, seu trabalho também dê lucro ao capitalista…: ou a menos que seu trabalho produza muito mais… do que a satisfação de sua própria subsistência confortável… Este… é… precisamente o princípio da escravidão, matar de inanição o trabalhador, a menos que seu trabalho alimente seu senhor tanto quanto a si próprio…. [28]

E em outra parte: “Infinitos são os empreendimentos que ampliariam a recompensa do trabalho necessário para o sucesso delas [empresa comercial e indústria manufatureira], mas que não pagarão as somas dicionais requeridas para rent, lucros, dízimos e impostos.” [29]

O acréscimo [markup] cobrado por firmas do oligopólio é outra forma de rent. A competição é um jogo de palermas. O que realmente temos em lugar dela é um setor de diversas centenas de firmas oligopolistas nos cumes de comando da economia, capazes de transferir seus custos para o consumidor como markup por meio de preços administrados. Em outras palavras, diferentemente do livre mercado — que socializa os benefícios da produtividade — o capitalismo monopolista socializa custos (simultaneamente privatizando lucros, naturalmente). Geoff Olson escreve:

…É curioso que a mídia majoritária sempre ressalte a competitividade sempre que o indefensável precise de defesa. Seja argumentação favorável ao salário mínimo, uma comemoração de fusão corporativa, ou aplauso pelo pacote de bônus e indenizações em caso de demissão incluído no contrato de trabalho de algum Executivo Principal superastro, o que em realidade nos é dito é acerca de sermos mais competitivos como cidade, província, nação, bloco comercial etc.

…[Se porém] é assim, por que encontramos relativamente pouca competição direta nos mais altos níveis das empresas? E quanto às diretorias comuns de grandes corporações, nas quais os mesmos nomes aparecem outra e outra vez?

Uma vez você ultrapasse a pequena empresa, o panorama econômico da América do Norte é nas mais das vezes o de um “oligopólio.”…

Os que estão no topo têm pouco a ganhar com a competição direta. Eles e seus pais vêm das mesmas escolas preparatórias, frequentam os mesmos clubes de golfe, e assinam as mesmas publicações. Suas interações são usualmente mais do tipo clube de campo do que de implacabilidade. Com um jogo multigerações bom assim, os plutocratas têm fartos motivos para convencer todo mundo mais a brigar entre si, ao proclamar as gloriosas virtudes da competição em fundações e distribuidores de mídia. Na verdade, a continuação do conforto deles depende disso. [30]

Um estudo da Comissão Federal do Comércio – FTC citado pelo Grupo Nader em 1972 avaliou que o markup representava em torno de 25% dos preços existentes, em mercados nos quais as quatro maiores firmas controlavam 40% ou mais das vendas de um ramo. [31] Exemplo clássico é a descrição de Paul Goodman do mercado de automóveis, onde “três ou quatro fabricantes controlam o… mercado, competindo com preços fixos e aperfeiçoamentos vagarosamente procedidos.” [32]

De todas as formas de propriedade artificial e privilégio jurídico em existência, a mais indispensável ao poderio corporativo na economia atual é provavelmente a “propriedade intelectual.”

Grande porção do preço da maioria dos bens e serviços consiste de rents incrustados na “propriedade intelectual.” Tom Peters, no Seminário Tom Peters, argumentou que o custo de materiais provavelmente respondia por cerca de $60 dólares do preço total de sua nova máquina fotográfica Minolta, e que ele pagara “o resto, cerca de $640 dólares, pelo intelecto dela….” Ele passou então a descrever a porção do valor econômico formada de “intelecto” e “imaginação.” [33] É duvidoso que a avaliação de Peters seja típica no tocante à porção do preço de bens manufaturados constituída de rents por propriedade intelectual – IP. Contudo, numa economia sem direitos de propriedade em software e projeto de produto, com competição não restringida por reivindicações de “propriedade intelectual” de nenhum tipo, qualquer porção do preço de um produto constituída de rent por propriedade de projetos ou de ideias — por oposição a trabalho e materiais — evaporar-se-ia da noite para o dia.

A IP constitui importante apoio jurídico para o oligopólio, visto tantos cartéis terem sido estabilizados graças a troca ou agregação de patentes entre os agentes principais em diversas indústrias (por exemplo G.E. e Westinghouse em eletrodomésticos, a Bell Patent Association como base para a AT&T, RCA como acordo de agregação de patentes para os principais produtores de rádio etc.) [34]

Se a IP fosse extinta não haveria barreira legal contra muitas pequenas companhias produtoras de componentes ou acessórios competidores para a mesma plataforma, ou mesmo contra grandes empresas produtoras de componentes modulares projetados para interoperabilidade com produtos de outras companhias. Isso significa que a IP é importante baluarte jurídico não apenas para obsolescência planejada, mas também para modelo de negócios baseado em vender plataformas baratas e em seguida cobrar enorme markup de um mercado cativo sobre acessórios. Se vocês já tiverem notado quão dispendiosos são os cartuchos de tôner ou as tiras de teste de glucômetro, poderão agradecer à “propriedade intelectual” por isso.

É estranho que os assim chamados “Acordos de Livre Comércio” promovidos por tantos autoprofessos “partidários do livre mercado” focalizem de maneira tão desproporcional cláusulas para cumprimento mais estrito de patentes e copyrights. A IP desempenha exatamente o mesmo papel protecionista, para as corporações mundiais, que as tarifas desempenhavam para as antigas economias industriais nacionais. Patentes e copyrights são barreiras não em relação ao movimento de bens físicos, mas à difusão de técnica e tecnologia. Uma, tanto quanto a outra, constitui monopólio da capacidade produtiva. A “propriedade intelectual” capacita a corporação transnacional a beneficiar-se do equivalente moral de barreiras tarifárias, independentemente de onde esteja situada. Em o fazendo, rompe o antigo vínculo entre geografia e protecionismo. Com uma tarifa estadunidense sobre determinado tipo de bem, as corporações produtoras desse bem têm monopólio dele apenas dentro do mercado estadunidense. Com a “tarifa” proporcionada por uma patente da técnica industrial para produção daquele bem, as mesmas corporações têm monopólio idêntico em todos os países do mundo que adotem o regime internacional de patentes. A “propriedade intelectual,” exatamente do mesmo modo que a tarifa, é uma forma de protecionismo nisto, em restringir o direito de produzir dado bem para determinada área de mercado a uma classe privilegiada de firmas.

O mais importante efeito prático de todas essas formas de direitos de propriedade artificiais e escassez artificial é erigir um posto de pedágio no caminho da capacidade das pessoas de transformarem sua energia e dons diretamente em valor de uso. Em todos os casos o efeito é exigir mais horas de trabalho, mais dispêndios de capital e mais despesas gerais [overhead] a serem atendidas do que dada unidade de produção requereria por motivos puramente técnicos.

O capitalismo, como o conhecemos, é um sistema de extrair rents da escassez artificial e de direitos artificiais de propriedade. Ele só pode sobreviver mediante criminalizar a genuína liberdade econômica. Do modo como são definidos no capitalismo os “direitos de propriedade”, a competição — nas palavras de Nina Paley — é furto. Eis aqui um diálogo entre os personagens dos quadrinhos de Paley:

MIMI: Copiar uma canção em vez de comprar uma cópia é furto!

EUNICE: Você mesmo fazer o que poderia pagar para outra pessoa fazer é furto!

BOTH: Competição é furto! [35]

Em todos os casos, o mecanismo de exploração — troca desigual em todos os seus disfarces — resulta do intrometimento do poder no mercado. Como argumenta Hoeschele,

os sistemas de troca só proporcionam maior abundância para todos os parceiros se os bens e serviços trocados requererem quantidades similares de trabalho para serem produzidos. É o que acontece quando nenhum dos dois parceiros goza de poder sobre o outro…. Sempre onde relações de poder distorçam uma relação de troca, a troca resultante cria escassez para um dos parceiros e lucro desproporcional para o outro. [36]

O preço de praticamente tudo o que consumimos está eivado de rents incrustados em direitos artificiais de propriedade. Para citar Kropotkin:

Tomemos o tecido, por exemplo, e acresçamo-lo de todo tributo imposto a cada jarda dele pelos donos de terra, os donos de carneiros, os mercadores de lã, e todos seus agentes intermediários, em seguida pelas companhias férreas, donos de moinhos, tecelões, atacadistas de roupas feitas, vendedores e agentes comerciais, e far-nos-emos então ideia do que pagamos para todo um enxame de capitalistas em cada artigo de vestuário. [37]

Contudo, continuou ele, se todos os rentistas ociosos fossem privados de seu tributo e forçados a trabalhar para ganhar a vida — em outras palavras, se o trabalhador fosse liberado do ônus de alimentá-los além de alimentar a si próprio — as horas de trabalho do trabalhador médio poderiam ser drasticamente reduzidas.

Quando levamos em conta quantas pessoas, nas assim chamadas nações civilizadas, nada produzem, quantas trabalham em transações nocivas…, e, finalmente, quantas são intermediárias inúteis, vemos que, em cada país, o número de produtores reais poderia ser duplicado. E se, em vez de 10 homens, 20 estivessem ocupados em produzir mercadoria útil, e se a sociedade se desse ao trabalho de economizar energia humana, essas 20 pessoas teriam de trabalhar apenas 5 horas por dia sem que a produção decrescesse. [38]

3. Desperdício Decorrente de Trabalho de Guarda

4. Monopólio Radical

5. Desperdício Decorrente de Insumos Subsidiados

6. Desperdício Decorrente de Desembolsos Compulsórios de Capital e de Overhead

7. Sistemas de Contabilidade e Vitrines Quebradas

8. Desperdício Interno no Processo de Produção

9. Desperdício Externo Decorrente de Marketing e de Obsolescência Planejada

10. Setores Desperdiçadores da Economia

11. “Não Há Trabalho Bastante”

12. Conclusão

Estudo original publicado por Kevin Carson 29 de dezembro de 2010.

Traduzido do inglês por Murilo Otávio Rodrigues Paes Leme.

Notes:

Anarchy and Democracy
Fighting Fascism
Markets Not Capitalism
The Anatomy of Escape
Organization Theory