Bent Delbeke. Artigo original: The Concentrtion of Capital, de 24 de agosto 2021. Traduzido para o português por Gabriel Serpa.
Um problema inerente ao capitalismo (talvez o seu maior) é a concentração de capital. Vejamos sob uma ótica crítica.
A concentração de capital é um resultado da construção jurídica capitalista da propriedade: ao contrário da liberdade de expressão, que é um direito muito prático, o primeiro é um direito hipotético, que só pode ser exercido se as circunstâncias assim permitirem. Não é o caso de liberdades genuínas, como a liberdade de credo ou de reunião, que qualquer pessoa em qualquer lugar pode exercer se assim o desejar. O Estado, e a maioria das pessoas, acham normal que alguém não disponha dos meios necessários para exercer o direito de propriedade. Mas por quê?
O problema da concentração do capital se baseia no direito de propriedade. Porque o capitalismo funciona de acordo com este princípio: quanto mais capital se tem, mais rápido ele se multiplica. Assim, é a sorte (ou a falta dela) que solidifica as classes, de modo que a sorte de nossos antepassados ainda hoje nos afeta. A mobilidade social pode até ser maior do que nunca devido à tecnologia; ainda assim, ela é prejudicada pelo capital e pela propriedade. O trabalho é recompensado com salários que representam apenas uma fração do valor que os trabalhadores produzem, enquanto o capital dobra, triplica, com cada investimento… quanto tempo mais podemos fingir que essa é, de alguma forma, uma lei justa da natureza e não uma construção monstruosa, inerente ao capitalismo?
A propriedade coletiva do capital é uma solução óbvia para este problema, mas como organizamos isso? Há algumas direções gerais a serem seguidas. Por um lado, há a proposta dos leninistas e estalinistas: o Estado é uma espécie de mediador para o proletariado em todas as questões, assim como na economia. Isso acaba na tirania de burocratas que se dizem proletários, mas que são duques e reis do terror vermelho. Em resumo: aristocratas corruptos, mafiosos. Esse sistema é tão falho quanto nossa hierarquia atual. Não devemos nos contentar em inverter ou reformar as hierarquias do capitalismo e do Estado: devemos apagá-las. A segunda opção é a Anarquia: ter todos os assuntos, antes considerados de Estado ou de capital, nas mãos de comunas ou associações fundadas pelo consenso. A terceira opção é uma mistura, em que questões como o policiamento e a defesa ainda estão nas mãos do Estado, mas mais democraticamente (embora eleitoralmente), enquanto os assuntos econômicos são trazidos para as mãos dos próprios trabalhadores.
A primeira opção é a morte do movimento operário, a tirania assassina. A terceira opção é melhor, mas ainda assim o Estado pode abusar de seu poder, e as pessoas seguem divididas em classes.
Em vez disso, as pessoas deveriam ser vistas como indivíduos, egos flanando pelas planícies, e todos eles deveriam ter o espaço de movimento que merecem. Para isso, precisamos da Anarquia, da propriedade consensual dos meios de produção e da organização voluntária da sociedade. Só então libertaremos as pessoas — todas elas — e não apenas aquelas oriundas de uma certa classe, raça, gênero ou sexo.
Agora, para escolher como esses coletivos voluntários de indivíduos livres interagem entre si, temos apenas duas opções: o mercado socialista, baseado na teoria do valor-trabalho e intercâmbio voluntário, ou a economia planejada, baseada no princípio de cada um de acordo com sua capacidade, para cada um de acordo com suas necessidades. É um divisor entre o anarquismo de inspiração mais marxista, como o anarcocomunismo; e o anarquismo mutualista (seguido do agorismo e do egoísmo, etc.), com os bakuninistas coletivistas em algum lugar no meio. Para mim, a decisão é clara.
Devemos favorecer o mercado, porque uma economia planejada, antes de tudo, demanda burocracia — o que numa sociedade anarquista é quase impossível de organizar. Todas as funções que normalmente o mercado desempenharia seriam substituídas por funcionários e delegados eleitos. Estes estão perfeitamente de acordo se os princípios da federação forem cumpridos. Por exemplo, se esses delegados aderirem plenamente à vontade da comuna ou do grupo. Entretanto, não deve haver mais do que o necessário, pois isso é perigoso — quanto mais delegados e representantes há, maiores as chances de aparecerem o poder e a hierarquia. Portanto, devemos concluir, o mercado socialista tem um cuidado maior para com as liberdades individuais, o intercâmbio voluntário, além de ser mais eficiente no combate às hierarquias.
A propriedade e a concentração de capital, que é inerente ao capitalismo, arruínam esse mercado “livre”, uma vez que criam hierarquias e desigualdades. Essas desigualdades não são o resultado dos próprios indivíduos. O mercado, se verdadeiramente livre — sem concentração de capital ou hierarquias de qualquer tipo —, trará os incentivos para a mudança e a tecnologia necessária para prosperar. Sendo, portanto, nossa melhor opção.