O capitalismo corporativo como um sistema de privilégios garantidos pelo estado
Prefácio
Círculos de direita e esquerda concordam em ao menos um ponto principal: o sistema que existe é, basicamente, um livre mercado com leves desvios que o distorcem. Algumas correntes de direita tendem a achar esses desvios negativos; a esquerda, por sua vez, pensa que são desvios corretores, que humanizam a canibalização promovida pelo capitalismo. Mas há uma terceira posição entre essas duas: que nosso regime não é fundamentalmente livre com desvios. Pelo contrário, o sistema vigente é fundamentalmente controlado com leves traços que lembram o livre mercado.
É essa ideia que é defendida em O punho de ferro por trás da mão invisível, um artigo clássico de 2001 de Kevin Carson que estou muito feliz de ter trazido para o português. Nele, são desafiados não só os pressupostos culturais e institucionais que caracterizam a economia atual: os subsídios sistemáticos à indústria, à centralização geográfica da riqueza e à hierarquização da produção. Para Carson, o capitalismo atual, com sua retórica de livre mercado, é baseado na violência e na exploração sistemáticas dos trabalhadores. O estado, assim, não é a instituição que se coloca em oposição ao capitalismo, mas que o sustenta e subvenciona.
O corolário dessa ideia é a ideia que tem sido defendida pelos libertários de esquerda: como não há paralelo entre o livre mercado e o mercado controlado pelo governo em benefício da elite que existe atualmente, nós devemos buscar alternativas tanto ao estado quanto ao mercado tutelado por ele.
Na tradução deste texto, evidentemente, tentei ser o mais fiel possível ao original; fiz apenas pequenas mudanças para facilitar o entendimento de algumas referências para quem é de fora dos Estados Unidos. Além disso, todas as referências foram atualizadas (referências a sites já fora do ar foram modificadas para versões atuais) e algumas que não estavam na listagem final foram acrescentadas.
Erick Vasconcelos
Tradutor e coordenador de mídias em português
Centro por uma Sociedade Sem Estado (C4SS)
Introdução à edição em português
A publicação de O punho de ferro em 2001 foi um marco na minha vida. A decisão de Larry Gambone de publicá-lo como panfleto pela Red Lion Press foi uma honra e foi o principal fator que alavancou minha carreira como escritor sério (em comparação ao que eu era antes, alguém que enviava cartas raivosas aos editores e manuscritos impublicáveis). E agora fico igualmente honrado pela tradução de meu primeiro panfleto para o português.
Terminei a primeira versão deste panfleto e o enviei para Larry uma ou duas semanas depois dos ataques de 11/09, então minhas lembranças do inebriante sentimento de conseguir publicá-lo se misturam com as memórias da atmosfera pós-11 de setembro. As demonstrações em Seattle contra a Organização Mundial do Comércio em dezembro de 1999 e os protestos subsequentes contra o neoliberalismo haviam me dado uma sensação de possibilidade e esperança (que, estranhamento, eu associo com a última cena do filme Matrix, quando Neo anuncia sua intenção de desafiar a falsa consciência da realidade virtual com a promessa de um “mundo sem limites”). Eu já frequentava a internet há um ano e havia descoberto o Movimento pela Cooperação Voluntária (“Voluntary Cooperation Movement”, em inglês) de Gambone, Dick Martin, Ed Stamm e outros, junto com vários outros movimentos anarquistas, anarcossindicalistas e libertários de esquerda online. Via muitas possibilidades na internet e meu otimismo só era reforçado pela notícia de que em breve eu seria um autor publicado.
Foi nesse cenário que eu acordei numa manhã de terça-feira em setembro, esperando aproveitar minha folga na primeira frente fria do outono e tive notícias do ataque à primeira torre do World Trade Center. Mais jovem e um pouco mais provocador na época, eu me via no começo de um longo conflito de proporções históricas mundiais entre um sistema em declínio e seu sucessor. Eu não fazia ideia da magnitude da violência que o sistema decadente ainda perpetraria e de quanto tempo o período de transição duraria, mas já percebia — corretamente, como pudemos verificar — que ele envolveria uma grande expansão das agressões americanas no exterior e do estado policial internamente. Temendo a possibilidade de que os ganhos do período pós-Seattle fossem destruídos pela repressão e pela reação pública, eu me perguntava se estávamos entrando em um momento de retração e dormência da esquerda, como no livro The Iron Heel (“O calcanhar de ferro”), de Jack London.
Agora, treze anos depois, posso dizer que estou ainda mais otimista e entusiasmado com os novos desdobramentos do que estava antes do 11 de setembro. Nós já vimos a rápida proliferação e o barateamento dos tipos de tecnologia de produção em pequena escala para a manufatura, horticultura e informação que serão os pilares da nova sociedade fora da estrutura corporativa — a base do “êxodo” de que falam autonomistas como Michael Hardt e Antonio Negri. E nós já vimos um no vo levante de movimentos de resistência em rede — o movimento de compartilhamento de arquivos, Anonymous, Wikileaks, a Primavera Árabe, o M15, o Occupy e seus sucessores — que foram erguidos a partir das contribuições anteriores dos zapatistas e de movimentos pós-Seattle.
Erick Vasconcelos, o tradutor deste trabalho, pediu para que eu fizesse algumas observações sobre o Terceiro Mundo. Pouco mais de um ano antes de eu escrever O punho de ferro, eu havia começado a ler os trabalhos de Noam Chomsky, William Blum e Gabriel Kolko sobre a história real do Império desde a Segunda Guerra Mundial e sobre os sistemas coloniais que o precederam. Embora eu houvesse assimilado algumas dessas lições e as incorporado a este panfleto, se tivesse que modificar algo em seu texto hoje em dia, eu integraria a ele a história do roubo e da exploração do Ocidente dentro do contexto dos sistemas coloniais e neocoloniais de exploração do Terceiro Mundo, dando mais atenção a estes últimos. Teria enfatizado muito mais a continuidade do domínio corporativo transnacional em relação às formas mais antigas de imperialismo e colonialismo. Eu o fiz em grande parte no capítulo sete de meu livro Studies in Mutualist Political Economy (em português, “Estudos sobre a economia política mutualista”), que ainda pode ser encontrado online em meu site Mutualist.org.
E já que este artigo provavelmente será lido principalmente por brasileiros, eu gostaria de fazer algumas observações destinadas especialmente a vocês. Apesar de meu entusiasmo ao ver que a Argentina, o Brasil e o resto da América do Sul haviam sido tomados por regimes declaradamente antineoliberais que não mais se submeteriam ao domínio americano, tem sido uma grande decepção observar o Partido dos Trabalhadores de Lula sucumbir às mesmas tendências autoritárias que caracterizam todos os outros partidos da esquerda ao chegar ao poder. O mesmo padrão observado por George Orwell na Espanha e que Murray Bookchin descreveu de forma mais geral a respeito das revoluções do século 20 em The Third Revolution (“A terceira revolução”) se repetiram no Brasil. A guerra dos cercamentos e demolições contra os moradores de favelas (especialmente nos preparativos para a Copa do Mundo de 2014), as tentativas brutais de “higienizar” as ruas expulsando os desabrigados, o combate aos comerciantes de rua — todas ações que poderiam ser associadas a um ditador de direita e é absolutamente nauseante que sejam empreendidas por um governo de uma instituição que se pretenda chamar de “Partido dos Trabalhadores”.
Finalmente, deixe-me dizer também como estou feliz que os leitores em língua portuguesa sejam o público mais crescente do material do Centro por uma Sociedade Sem Estado (C4SS). Eu agradeço a Erick (e também a Murilo Leme, que trabalhou consideravelmente em várias traduções) por seus esforços em traduzir não apenas este panfleto, mas muitas colunas e artigos do C4SS. Obrigado a todos por seu interesse e apoio!
Kevin Carson
24 de outubro de 2014
Introdução
É comum caracterizar o senhorialismo como um sistema baseado no roubo e na usurpação; uma classe dominante se estabelecia pelo uso da força e obrigava os camponeses a trabalharem para o lucro de seus senhores. Porém, nenhum sistema de exploração, nem mesmo o capitalismo, já foi criado pela ação de um mercado livre. O capitalismo teve como base o roubo em larga escala que foi o feudalismo. Ele se sustenta até o presente por ações contínuas do estado que têm como objetivo manter seu sistema de privilégios, sem o qual sua sobrevivência é inconcebível.
A estrutura atual da posse do capital e da organização da produção em nossa pretensa economia “de mercado” reflete a intervenção forçosa do estado anterior e alheia ao mercado. Desde o começo da revolução industrial, o que se chama nostalgicamente de “laissez-faire” foi, na verdade, um sistema de intervenções estatais contínuas que subsidiavam a acumulação, garantiam privilégios e mantinham a disciplina de trabalho.
A maioria dessas intervenções são consideradas tacitamente por libertários de direita como parte do “mercado”. Embora alguns mais intelectualmente honestos, como Murray Rothbard e Karl Hess, estivessem dispostos a analisar o papel da coerção no desenvolvimento do capitalismo, a escola de Chicago e os seguidores de Ayn Rand tomam como dadas a presente distribuição de propriedades e o domínio de uma classe sobre outra. Seu “livre mercado” é meramente o sistema atual menos as regulamentações e o assistencialismo estatal — ou seja, o capitalismo dos barões ladrões do século 19.
Mercados, contudo, são importantes para a esquerda libertária e, por isso, não devemos ceder o termo a nossos inimigos. De fato, o capitalismo — enquanto sistema de poder em que a propriedade e o controle dos bens estão divorciados do trabalho — não poderia sobreviver num mercado livre. Como anarquista individualista, eu acredito que a expropriação de excedentes — isto é, o capitalismo — não pode ocorrer sem a coerção estatal para manter o privilégio dos usurários, senhorios e capitalistas. Por esse motivo, o anarquista de livre mercado Benjamin Tucker — que é estudado seletivamente pelos libertários de direita — se considerava socialista.
Não tenho a pretensão ou a capacidade de descrever aqui o que o mundo poderia ter se tornado com o desenvolvimento de um sistema legítimo de mercado sem tais intervenções estatais. Seria um mundo em que os camponeses teriam mantido suas terras, as propriedades seriam amplamente distribuídas, o capital seria abundante para os trabalhadores através de bancos mútuos, as tecnologias produtivas estariam disponíveis em todos os países sem patentes e todas as comunidades poderiam desenvolver suas regiões sem a expropriação colonial — ou seja, é um mundo além de nossa imaginação. Seria um mundo de produção descentralizada e de pequena escala para o uso local, de propriedade e controle daqueles que efetivamente trabalham — um mundo tão diferente do nosso quanto a noite é diferente do dia ou quanto a escravidão é diferente da liberdade.
O subsídio da história
O maior subsídio ao capitalismo corporativo moderno, portanto, é o subsídio da história, através do qual o capital foi acumulado em poucas mãos e os trabalhadores foram privados do acesso aos meios de produção e forçados a vender seus serviços nos termos dos contratantes. O sistema atual de posse concentrada do capital e de organização corporativa de grande escala é resultado direto dessa estrutura original de poder e propriedades, que se perpetua há séculos.
Para que o capitalismo que conhecemos surgisse, era essencial que os trabalhadores fossem separados de suas propriedades. Os marxistas e outros economistas geralmente chamam esse processo de “acumulação primitiva”. Como afirmou Marx no célebre capítulo 27 de O Capital, “Expropriação do povo do campo da terra”, “o que o sistema capitalista exigia era […] uma condição degradada e quase servil das massas, a transformação delas em mercenárias e de seus meios de trabalho em capital”. Isso significava expropriar as terras, “às quais [os camponeses] tinham tantos direitos feudais quanto os senhores” (MARX, 1996).
Para compreender a escala do processo, devemos entender que os direitos dos nobres sobre a terra sob a economia senhorial não passavam de uma ficção legal derivada de conquistas militares. Os camponeses que cultivavam as terras da Inglaterra em 1650 eram descendentes daqueles que a ocupavam desde os tempos mais remotos. Em qualquer sistema moral, a terra era sua propriedade, em todas as acepções da palavra. Os exércitos de Guilherme, o Conquistador, não tinham qualquer direito de compeli-los a pagar tributos sobre a terra.
J.L. e Barbara Hammond consideram o sistema de vilarejos e campos abertos um resquício da sociedade camponesa livre da época anglo-saxônica, porém submetido ao senhorialismo feudal. A aristocracia considerava os direitos remanescentes dos camponeses como um obstáculo ao progresso e ao cultivo eficiente da terra; uma revolução em sua própria estrutura de poder foi uma maneira de quebrar a resistência camponesa. Assim, a comunidade agrária foi “fragmentada […] e reconstruída da mesma maneira que um ditador reconstrói a estrutura de um governo livre”[1].
Quando os Tudors deram as terras monásticas expropriadas aos nobres, estes “expulsaram, em massa, os subfeudatários hereditários e juntaram essas explorações numa só”[2]. A terra roubada, que compunha cerca de um quinto da terra arável da Inglaterra, foi a primeira expropriação de larga escala do campesinato.
Outro grande roubo de terras camponesas foi a lei de “reforma” agrária passada pelo Parlamento da Restauração. A aristocracia aboliu seus direitos feudais e converteu suas propriedades de terras, até então “somente títulos feudais”, em “modernos direitos de propriedade privada”. Ao fazê-lo, os aristocratas extinguiram os direitos dos arrendatários hereditários (copyholders). Os copyholders eram arrendatários de jure sob a lei feudal, mas ao pagarem pequenos impostos fixados consuetudinariamente, a terra passava a ser deles, podendo ser vendida ou transferida. Na prática, o copyhold era o mesmo que o freehold, porém sob o sistema senhorial; porém, como foi estabelecido costumeiramente, era válido somente nos tribunais senhoriais. Após a “reforma”, os arrendatários em regime de copyhold se tornaram arrendatários comuns, que poderiam ser expulsos e tinham a obrigação de pagar qualquer valor pelo arrendamento das terras que os senhores considerassem apropriado[3].
Houve ainda outra forma de expropriação, que começou a ocorrer no final da Idade Média e aumentou drasticamente em escopo no século 18: os cercamentos dos comuns. Neles, novamente, os camponeses possuíam propriedades comunais tão absolutas quanto os atuais defensores dos “direitos de propriedade” defendem. Sem contar o período anterior a 1700, os Hammonds estimaram que o total de cercamentos ocorridos nos séculos 18 e 19 tenham abrangido cerca de um sexto ou até um quinto das terras aráveis da Inglaterra (HAMMOND e HAMMOND, 1917, p. 42). E.J. Hobsbawm e George Rude estimam que os cercamentos entre 1750 e 1850 tenham transformado “cerca de um quarto das terras cultivadas em campo aberto, terra comum, pastos ou aterros em terras privadas”[4].
As classes dominantes viam os direitos dos camponeses como fontes de potencial independência econômica do capitalista e do senhor feudal e, portanto, como ameaças a serem destruídas. Os cercamentos eliminavam “um perigoso centro de indisciplina” e obrigavam os trabalhadores a venderem seu trabalho nos termos dos senhores. Arthur Young, um homem de Lincolnshire, descrevia os comuns como “terreno fértil para o surgimento de ‘bárbaros’, ‘de uma raça de pessoas maliciosas'”. “[Todos], exceto os idiotas, sabem que as classes mais baixas devem continuar pobres, ou jamais se tornarão industriosas”, disse ele. A Revista do Comércio e da Agricultura (The Commercial and Agricultural Magazine) advertia, em 1900, que permitir que o trabalhador possuísse mais terra do que sua família poderia cultivar durante as noites” significava que “o fazendeiro não poderia depender dele para trabalho constante”[5]. Sir Richard Price comentou a conversão de proprietários autossuficientes em “um grupo de homens que ganhavam seus meios de subsistência pelo trabalho para os outros”. Haveria, “talvez, mais trabalho, porque haveria maior necessidade de trabalhar”.[6]
Marx mencionou as leis de cercamento passadas pelo Parlamento como evidência de que os comuns, longe de serem a “propriedade privada dos grandes senhores de terras que substituíram os senhores feudais”, na realidade requereram um “golpe de estado parlamentar (…) para sua transformação em propriedade privada”[7]. O processo de acumulação primitiva, em toda a sua brutalidade, foi resumido pelo mesmo autor:
[Esses] recém-libertos (ou seja, ex-servos) só se tornam vendedores de si mesmos depois de lhes serem roubados todos os seus meios de produção e todas as garantias da sua existência proporcionadas pelas velhas instituições feudais. E a história desta sua expropriação está inscrita nos anais da humanidade com caracteres de sangue e fogo.[8]
Contudo, mesmo assim a classe trabalhadora ainda não estava suficientemente destituída. O estado teve que regular o movimento dos trabalhadores, negociar as condições de trabalho em prol dos capitalistas e manter a ordem. O sistema de regulamentação paroquial do movimento das pessoas, com as Poor Laws e o Vagrancy Act, lembravam o sistema de passaportes internos da África do Sul ou os Códigos Negros empregados nos Estados Unidos na época da reconstrução. Tiveram “o mesmo efeito sobre o trabalhador agrícola inglês”, escreveu Marx, “que o édito do tártaro Bóris Godunov sobre o camponês russo”.[9] Adam Smith se arriscava a dizer que não havia “um só pobre homem na Inglaterra de 40 anos de idade (…) que, em algum momento de sua vida, já não tenha se sentido cruelmente oprimido por essa lei de assentamentos”.[10]
O estado mantinha a disciplina dos trabalhadores proibindo que votassem com os pés. Era difícil persuadir as autoridades paroquiais a concederem um certificado que desse a um homem o direito de ir para outra paróquia buscar trabalho. Os trabalhadores eram forçados a permanecer no mesmo local e negociar os termos de seu trabalho num mercado enviesado para os compradores”.[11]
À primeira vista, isso poderia parecer inconveniente para as paróquias com escassez de trabalhadores”.[12] As fábricas eram construídas próximas a fontes de energia hidráulica, geralmente longe dos centros populacionais. Milhares de trabalhadores precisavam ser importados de longe. Porém, o estado resolveu esse problema e agiu como intermediário, fornecendo trabalho excedentes a baixos salários de outros locais para as paróquias que precisassem, impedindo que os trabalhadores negociassem melhores termos de trabalho. Surgiu um mercado considerável de trabalho infantil, que lidava com crianças que, de qualquer maneira, não estavam em posição para negociar.[13]
Era “muito difícil que a paróquia ajudasse qualquer pessoa em necessidade sem que afirmasse seu direito exclusivo de dispor, a seu critério, de todos os filhos daqueles que recebessem auxílio”, dizia o Comitê sobre os Aprendizes das Paróquias de 1815 (Id., p. 44, 147.) Mesmo quando os comissários da Poor Law estimulavam a migração para paróquias carentes de trabalhadores, desencorajavam os adultos e “davam preferência a ‘viúvas com muitos filhos ou artesãos com grandes famílias'”. Além disso, a disponibilidade de trabalho barato com o uso dos comissários das Poor Laws era deliberadamente utilizada para empurrar os salários para baixo; fazendeiros demitiam seus funcionários diários e pediam ajuda para um supervisor.[14]
Embora as Combination Laws se aplicassem, em tese, tanto a mestres quanto a trabalhadores, na prática elas não eram aplicadas aos primeiros[15]. Um Operário Fiador de Algodão — um panfletário citado por E. P. Thompson[16] — descreveu “uma abominável combinação existente entre os mestres”, que fazia com que os trabalhadores que houvessem deixado os mestres por discordâncias em relação a salários fossem colocados numa lista negra. As Combination Laws exigiam que os suspeitos respondessem interrogatórios sob juramento, davam poder para que os magistrados passassem julgamentos sumários e permitiam o confisco sumário dos fundos arrecadados para ajudar as famílias de grevistas.[17] E as leis que estabeleciam tetos salariais eram o mesmo que um sistema estatal de sindicalização dos mestres. Como afirmou Adam Smith, “quando a legislatura pretende regular as diferenças entre mestres e seus trabalhadores, seus conselheiros são sempre os mestres”.[18]
O estilo de vida dos trabalhadores sob o sistema industrial, com suas novas formas de controle social, foi uma ruptura radical com o passado. Envolvia uma perda drástica do controle sobre seu trabalho. O calendário de trabalho do século 17 ainda era extremamente influenciado pelos costumes medievais. Embora ocasionalmente houvessem dias mais longos de trabalho entre a plantação e as colheitas, períodos intermitentes de trabalho mais leve e a grande quantidade de dias santos se juntavam para reduzir o tempo médio de trabalho para algo bem abaixo do que temos. O ritmo de trabalho era geralmente determinado pelo sol ou pelos ritmos biológicos do trabalhador, que acordava após uma noite decente de sono e descansava quando achasse necessário. O camponês que tinha acesso à terra comum, mesmo quando necessitava de rendas extras por trabalho assalariado, podia assumir alguns trabalhos de forma casual e, depois, retornar ao trabalho independente. Esse grau de autossuficiência era inaceitável do ponto de vista do capitalista.
No mundo moderno, a maioria das pessoas tem que se adaptar a algum tipo de disciplina, observar os horários dos outros ou trabalhar sob as ordens de outras pessoas, mas devemos nos lembrar de que a população que foi jogada no ritmo brutal das fábricas ganhava seu sustento em relativa liberdade e que a disciplina das primeiras fábricas era particularmente selvagem (…). Nenhum economista da época, ao estimar os ganhos e perdas de emprego em fábricas, jamais considerava o esforço e a violência a que eram submetidos os homens e seus sentimentos quando ele passava de uma vida em que ele podia fumar, comer, cultivar ou dormir como lhe aprouvesse para uma vida em que ele passava a ser controlado por 14 horas, dentro das quais ele não tinha nem mesmo o direito de assoviar. Era como entrar na vida claustrofóbica e incolor de uma prisão.[19]
O sistema de fábricas não poderia ter sido imposto aos trabalhadores sem privá-los primeiro das alternativas e negando a eles o acesso a qualquer fonte de independência econômica. Nenhum ser humano com qualquer senso de liberdade ou dignidade teria se submetido à disciplina das fábricas. Stephen Marglin comparava a fábrica têxtil do século 19, cheia de crianças miseráveis compradas nas workhouses, com as manufaturas de tijolos e cerâmica romanas, cujo trabalho era executado por escravos. Em Roma, a produção das manufaturas era excepcional onde era empregado o trabalho livre. O sistema de fábricas, ao longo da história, só foi possível em mercados de trabalhos privados de alternativas viáveis.
Os fatos a que temos acesso (…) sugerem fortemente que a organização do trabalho em manufaturas, na época romana, era determinada não por considerações tecnológicas, mas pelo poder relativo das duas classes produtoras. Os homens livres e os cidadãos tinham força suficiente para manter uma guilda. Os escravos não tinham poder — e terminavam nas fábricas.[20]
O problema do antigo sistema “autônomo”, em que os camponeses produziam têxteis contratualmente, era que ele eliminava apenas o controle do trabalhador sobre o produto. O sistema de fábricas, ao eliminar o controle dos trabalhadores sobre o processo de produção, tinha a vantagem de permitir o disciplinamento e a supervisão do trabalho.
[A] origem e o sucesso das fábricas não está em sua superioridade tecnológica, mas na transferência do controle do processo produtivo e da quantidade produzida do trabalhador para o capitalista, no fato de que a escolha, para o trabalhador, deixou de ser o quanto trabalhar e produzir, baseando-se em suas preferências entre bens e lazer, mas numa escolha entre trabalhar ou não, o que evidentemente não se trata de uma escolha, no final das contas.[21]
Marglin usou o exemplo clássico da divisão do trabalho na fabricação de alfinetes e a virou de cabeça para baixo. O aumento da eficiência resultava não da divisão do trabalho, mas da divisão e do sequenciamento do processo em tarefas separadas que reduziam o tempo de organização. Isso podia ser feito por um só trabalhador que separasse as várias tarefas e as executasse de forma sequencial (por exemplo, alongar o fio para toda uma leva produtiva para então endireitá-lo e cortá-lo, etc.).
Sem a especialização, o capitalista não tinha qualquer papel essencial a desempenhar no processo produtivo. Se cada um dos produtores integrasse as tarefas que compunham a manufatura de alfinetes num produto comercializável, eles rapidamente descobririam que não tinham que entrar no mercado através de intermediários. Poderiam vender diretamente e manter os lucros que o capitalista extraía pela mediação do produtor com o mercado.[22]
Esse princípio está no centro da história da tecnologia industrial nos últimos duzentos anos. Mesmo nos casos em que havia necessidade de manufaturas de larga escala, com emprego intensivo de capital, normalmente há uma escolha entre tecnologias de produção alternativas dentro da fábrica. A indústria consistentemente fez a escolha por tecnologias que retiravam as competências dos trabalhadores e passavam as tomadas de decisão para cima na hierarquia gerencial. Já em 1835, o Dr. Andrew Ure (o avô ideológico do taylorismo e do fordismo) argumentava que, quanto mais habilidoso o trabalhador, “mais autônomo e (…) menos adequado a um sistema mecânico” ele se tornava. A solução era eliminar processos que requeriam “destreza peculiar e firmeza das mãos (…) do astuto trabalhador” e substituí-los por um “mecanismo tão autorregulado que até uma criança poderia operá-lo”.[23] Esse princípio foi seguido durante todo o século 20. William Lazonick, David Montgomery, David Noble e Katherine Stone produziram excelentes trabalhos sobre esse tema. Mesmo quando os experimentos corporativos de autogerência trabalhista aumentam o moral e a produtividade, além de reduzirem ferimentos e faltas muito além do que as gerências esperavam, eles são abandonados por receio de que sairiam do controle.
Christopher Lasch, em seu prefácio ao livro America by Design, de Noble, caracterizava o processo de redução das competências dos trabalhadores da seguinte maneira:
O capitalista, ao expropriar as propriedades dos trabalhadores, gradualmente expropriava seu conhecimento técnico, afirmando seu domínio sobre o processo produtivo. (…)
A expropriação do conhecimento técnico do trabalhador teve como consequência lógica a ascensão da gerência moderna, em que o conhecimento técnico passou a ser concentrado. Quando o movimento de gerência científica dividiu a produção em seus componentes procedimentais, reduzindo o trabalhador a um mero apêndice da máquina, houve um grande aumento das funções técnicas e de coordenação para supervisionar o processo produtivo como um todo.[24]
A expropriação do campesinato e a imposição do sistema fabril não foi alcançada sem resistência; os trabalhadores sabiam exatamente o que estava sendo feito e o que haviam perdido. Durante a década de 1790, quando a retórica dos jacobinos e de Thomas Paine era popular entre os trabalhadores radicalizados, a classe dominante do “berço da liberdade” temiam constantemente que o país acabasse tomado por uma revolução. O estado policial imposto sobre a população se assemelhava a um regime de ocupação estrangeira. Os Hammonds citam uma correspondência entre magistrados do norte e o Ministério do Interior britânico, no qual a lei era tratada, de forma franca, “como instrumento de repressão, não de justiça”, e as classes trabalhadoras “eram visivelmente tratadas […] como uma população de hilotas”.[25]
Dados os documentos do Ministério do Interior, (…) nenhum dos direitos dos ingleses tinha qualquer validade para os trabalhadores. Os magistrados e seus escrivães não viam qualquer limite a seus poderes sobre a liberdade e os movimentos de trabalhadores. As Vagrancy Laws pareciam ter validade maior que toda a carta de direitos dos ingleses. Eram usadas para colocar na prisão qualquer homem ou mulher da classe trabalhadora que parecesse ter um caráter inconveniente ou perturbador a um magistrado. Elas ofereciam a maneira mais fácil e rápida de agir contra qualquer um que tentasse coletar dinheiro para as famílias de operários que não fossem deixados entrar em seu ambiente de trabalho ou para disseminar livros e panfletos que os magistrados consideravam indesejáveis.[26]
Os “bobbies”, estabelecidos por Robert Peel — oficiais de aplicação da lei profissionais — substituíram o sistema de posse comitatus, porque este era inadequado para o controle de uma população de trabalhadores cada vez mais descontentes. Na época do ludismo e de outras perturbações sociais, os oficiais da coroa advertiam que a “execução do Watch and Ward Act seria o mesmo que colocar armas nas mãos dos mais descontentes”. No começo das guerras com a França, William Pitt acabou com a prática de abrigar as tropas do exército em casas de bebidas, misturadas com a população em geral. Os distritos manufatureiros passaram a ser cobertos por barracas, como “questão puramente policial”. As áreas de fábricas “passaram a parecer um país sob ocupação militar”.[27]
O estado policial de Pitt foi auxiliado pelo vigilantismo semiprivado, na tradição dos camisas negras e esquadrões da morte que nos acompanha até hoje. Por exemplo, a Associação para Proteção da Propriedade contra os Republicanos e os Levellers — uma associação antijacobina de aristocratas e senhores de engenho — conduzia buscas nas casas e organizava queimas de efígies no estilo de Guy Fawkes contra Thomas Paine; grupos “pela Igreja e pelo Rei” aterrorizavam os suspeitos de radicalismo.[28]
Thompson caracterizava tal sistema de controle como “apartheid político e social” e afirmava que “a revolução que não aconteceu na Inglaterra foi tão devastadora” quanto a que ocorreu na França.[29]
Finalmente, o estado auxiliou o crescimento das manufaturas através do mercantilismo. Os expoentes modernos do “livre mercado” geralmente alegam que mercantilismo era uma tentativa “errônea” de promover os interesses nacionais, um sistema adotado por ignorância sincera dos princípios econômicos. Na realidade, os idealizadores do mercantilismo sabiam exatamente o que estavam fazendo, porque se tratava de um sistema extremamente eficiente em seu real propósito: tornar os ricos industriais ainda mais prósperos às custas do resto da população. Adam Smith atacava com frequência o mercantilismo, não como uma ideia econômica incorreta, mas como uma tentativa bastante inteligente dos poderosos de se locupletarem através do estado coercitivo.
As industrias britânicas foram criadas pela intervenção estatal para impedir a entrada de produtos estrangeiros, dar à marinha britânica o monopólio do comércio exterior e acabar com a competição externa à força. Como exemplo deste último caso, as autoridades britânicas na Índia destruíram a indústria têxtil bengalesa, responsável pelos tecidos de melhor qualidade no mundo. Embora não houvessem adotado métodos de produção a vapor, havia a possibilidade real de que o fariam se a Índia tivesse permanecido política e economicamente independente. A região outrora próspera de Bengala hoje em dia é ocupada pelos territórios de Bangladesh e Calcutá.[30]
Os sistemas industriais americano, alemão e japonês foram criados pelas mesmas políticas mercantilistas, com enormes tarifas sobre bens industriais. O “livre comércio” era adotado com segurança pelos poderes industriais estabelecidos, que usavam o laissez-faire como uma arma ideológica para evitar que potenciais concorrentes seguissem o mesmo caminho de industrialização. O capitalismo nunca foi estabelecido pelo livre mercado ou mesmo principalmente pelas ações da burguesia. Ele sempre foi resultado de uma revolução vinda de cima, imposta por uma classe dominante pré-capitalista. Na Inglaterra, foi a aristocracia fundiária; na França, foi a burocracia de Napoleão II; na Alemanha, os junkers; no Japão, a dinastia Meiji. Nos Estados Unidos, o mais próximo que se chegou a uma revolução burguesa “natural”, a industrialização foi imposta pela aristocracia dos magnatas comerciais e grandes proprietários de terras.[31]
Medievalistas românticos como G.K. Chesterton e Hilaire Belloc descreveram o processo pelo qual a servidão foi gradualmente extinta na Alta Idade Média e como os camponeses se transformaram em donos de terra de facto que pagavam apenas uma taxa nominal de aluguel. O sistema de classes feudal se desintegrava e estava sendo substituído por um regime muito mais libertário e menos exploratório. Immanuel Wallerstein afirmava que o resultado mais provável teria sido “um sistema de pequenos produtores relativamente iguais, que nivelariam as aristocracias e descentralizariam as estruturas políticas”. Em 1650, essa tendência havia sido revertida e havia “um nível bastante alto de continuidade entre as famílias que estavam nos altos extratos sociais” em 1450 comparadas às que lá estavam em 1650. O capitalismo não havia sido criado pela “a derrubada de uma aristocracia retrógrada por uma burguesia progressista”, mas surgiu pelos esforços “da aristocracia fundiária, que se transformou em burguesia porque o sistema antigo estava se desintegrando” (WALLERSTEIN, 1983, p. 41-42, 105-106). Esse ponto de vista é ecoado, em parte, por Arno Mayer (2010), que argumentava que houve uma continuidade entre a aristocracia e a elite capitalista.
O processo através do qual a civilização medieval de proprietários camponeses, guildas artesãs e cidades livres foi revertido foi descrito vivamente por Piotr Kropotkin (1909, p. 225). Antes da invenção da pólvora, as cidades livres repeliam as tropas reais com frequência e assim ganharam sua independência dos impostos feudais. Eram cidades compostas de camponeses, unidos por seus esforços para controlar a terra. O estado absolutista e a revolução capitalista se tornaram possíveis somente quando a artilharia conseguiu reduzir as fortificações das cidades com maior eficiência e quando o rei passou a poder combater seu próprio povo. Como consequência dessa conquista, a Europa de William Morris foi devastada, despovoada e miserável.
Há uma música de Peter Tosh chamada Four Hundred Years. Embora a classe trabalhadora branca não tenha sofrido nada como a brutalidade da escravidão dos negros, houve, no entanto, quatrocentos anos de opressão para todos nós sob o sistema de capitalismo de estado estabelecido no século 17. Desde o nascimento dos primeiros estados seis mil anos atrás, a coerção política permite que uma classe dominante viva às custas do trabalho das outras pessoas. Porém, desde o século 17, o sistema de poder se tornou mais consciente, unificado e global em escopo. O atual sistema capitalista transnacional, sem concorrência desde o colapso do sistema burocrático de classes da União Soviética, é resultado direto da tomada do poder que ocorreu “quatrocentos anos atrás”. Orwell pensava ao avesso. O passado é “uma bota que esmaga um rosto humano”. Se o futuro continuará a sê-lo, depende do que fizermos agora.
Hegemonia ideológica
Hegemonia ideológica é o processo pelo qual os explorados passam a ver o mundo de acordo com as estruturas conceituais fornecidas pelos exploradores. Ela age para esconder os conflitos de classe e a exploração por trás de uma cortina de fumaça, que pode se chamar “unidade nacional” ou “bem estar geral”. Aqueles que apontam para o papel do estado como protetor dos privilégios de classe são denunciados, em tons teatrais de ultraje moral, como os que de fato estariam estimulando as “lutas de classe”. Se alguém for tão “extremista” a ponto de descrever o intervencionismo e os subsídios que sustentam o capitalismo corporativo, essa pessoa provavelmente será rechaçada por empregar uma “retórica de luta de classes marxista” (como disse Bob Novak) ou uma “retórica dos barões ladrões” (como afirmou o Secretário do Tesouro dos EUA Paul O’Neill).
A estrutura ideológica da “unidade nacional” é levada ao extremo de elevar “este país”, “esta sociedade” ou “nosso sistema de governo” a objetos de gratidão pelas “liberdades de que desfrutamos”. Apenas os menos patriotas percebem que nossas liberdades, longe de terem sido concedidas a nós por generosos e benevolentes governantes, foram ganhas através da resistência ao estado. Cartas e declarações de direitos não são concessões do estado, mas são documentos que foram forçados ao estado de baixo para cima.
Se nossas liberdades nos pertencem por direito de nascença, como fatos morais da natureza, segue-se que não temos que ter qualquer dívida de gratidão para com o estado por não violá-las, da mesma forma que não agradecemos a outros indivíduos por não nos roubarem ou matarem. Essa lógica simples implica que, em vez de sermos gratos por viver no “país mais livre do mundo”, os Estados Unidos, devemos nos revoltar a cada vez que ele invadir nossas liberdades. Afinal, foi assim que conseguimos nossos direitos. Quando outro indivíduo coloca sua mão em nosso bolso para enriquecer às nossas custas, nosso instinto natural é o de resistência. Porém, graças ao patriotismo, a classe dominante é capaz de transformar sua mão em nosso bolso na “sociedade” ou em “nosso país”.
A religião da unidade nacional é mais patológica quando se trata de “defesa” e da política externa. A fabricação de crises no exterior e da histeria em prol de guerras são ferramentas usadas desde o começo da história para suprimir ameaças ao domínio de classe. Políticos vigaristas podem trabalhar para “interesses escusos” em casa, mas quando esses mesmos políticos se envolvem em guerras, a questão passa a ser de lealdade “ao país”.
O chefe das Forças Armadas dos Estados Unidos, ao discutir a postura de “defesa”, faz alusões em tom muito sério às “ameaças à segurança nacional” enfrentadas pelos EUA e descreve os exércitos de inimigos oficiais como a China como muito mais poderosos do que exigiriam os “requisitos de defesa legítimos”. A maneira mais fácil de entrar no território do inaceitável é afirmando que todas essas “ameaças” são de fato as ações de país 150 quilômetros adentro de suas fronteiras. Outra ofensa imperdoável contra a celebração da pátria é julgar as ações dos Estados Unidos — em suas operações globais para tornar o Terceiro Mundo seguro para a atuação da ITT Corporation e da United Fruit Company — pelos mesmos padrões dos “requisitos de defesa legítimos” aplicados à China.
De acordo com a ideologia oficial, as guerras americanas são, por definição, sempre combatidas “por nossas liberdades”, “para defender nosso país” ou, no mundo de bajulação de Madeleine Albright, para promover “paz e liberdade” no mundo. A mera sugestão de que os defensores de nossas liberdades pegaram em armas contra o governo ou de que o estado de segurança nacional é uma ameaça maior a nossas liberdades que qualquer inimigo estrangeiro com que já nos deparamos é imperdoável. Acima de tudo, bons americanos não notam a existência de todos os conselheiros militares, que ensinam os esquadrões da morte a torturar sindicalistas e os jogar em valas ou como utilizar adequadamente alicates nos testículos de dissidentes. Crimes de guerra só são cometidos por potências derrotadas (porém, como os nazistas descobriram em 1945, criminosos de guerra desempregados geralmente conseguem encontrar trabalho dentro das novas potências hegemônicas).
Depois de um século e meio de doutrinação patriótica pelo sistema estatal de educação, os americanos já assimilaram completamente a versão rósea da história americana que é contada. Seu autoritarismo é tão diametralmente oposto às crenças daqueles que pegaram em armas durante a Revolução Americana que os cidadãos já se esqueceram do que significa ser um americano. Na verdade, os autênticos princípios do americanismo foram completamente esvaziados. Duzentos anos atrás, exércitos permanentes eram temidos e considerados ameaças à liberdade, além de serem terrenos férteis para o surgimento de personalidades autoritárias; o serviço militar obrigatório era associado à tirania de Oliver Cromwell; o trabalho assalariado era considerado incoerente com o espírito independente de um cidadão livre. Hoje, duzentos anos depois, os americanos foram tão prussianizados pelos sessenta anos de militarismo e pelas “guerras” contra um ou outro inimigo interno que foram condicionados a se curvar ao verem um uniforme. Aqueles que fogem do alistamento militar são vistos como molestadores de crianças. A maior parte das pessoas trabalha para alguma corporação centralizada ou para uma burocracia estatal, onde se espera que obedeçam ordens de superiores, trabalhem sob constante vigilância e até urinem num copinho conforme exigido.
Em época de guerra, é antipatriótico criticar ou questionar o governo e dissidências são vistas como deslealdade. Fé absoluta e obediência à autoridade é o mínimo que se espera daqueles que se dizem “americanos”. As guerras no exterior são ferramentas extremamente úteis para manipular o imaginário nacional e manter a população sob controle. As guerras são a maneira mais fácil de transferir poder para o estado. A maior parte das pessoas se torna acriticamente obediente no exato momento em que precisam estar mais vigilantes.
A maior ironia de todas é que, em um país fundado por uma revolução, o “americanismo” é identificado como o respeito à autoridade e a resistência à “subversão”. A Revolução foi, de fato, uma revolução, em que as instituições políticas domésticas foram forçosamente derrubadas. Foi, em vários locais e momentos, uma guerra civil entre classes. Como Voltairine de Cleyre escreveu um século atrás em Anarchism and American Traditions, a versão dos livros de história é um conflito patriótico entre nossos “pais fundadores” e o inimigo estrangeiro. Aqueles que ainda são capazes de citar Thomas Jefferson ao falar sobre o direito à revolução são relegados à ala “extremista”, que deve ser descartada no próximo surto de histeria militarista ou na próxima ameaça vermelha. Esse construto ideológico de um “interesse nacional” unificado inclui a ficção de que existe um conjunto “neutro” de leis, algo que esconde a natureza exploratória do sistema de poder sob o qual vivemos. Sob o capitalismo corporativo, os relacionamentos de exploração são mediados pelo sistema político numa medida categoricamente diferente daquela que vigente sob sistemas de classe anteriores. Sob a escravidão e o feudalismo, a exploração era concreta e materializada na relação do produtor com seu senhor. O escravo e o camponês sabiam exatamente quem os explorava. O trabalhador moderno, porém, sente apenas a dor dos golpes que sofre, mas não sabe de onde vêm.
Além de sua função de mascarar os interesses da classe dominante por trás de uma fachada de “bem estar social”, a hegemonia ideológica também fabrica divisões entre os dominados. Através de campanhas contra “vagabundos” e para “endurecer o combate ao crime”, a classe dominante é capaz de canalizar uma hostilidade das classes média e trabalhadora contra os mais pobres.
É particularmente nauseante o fenômeno do “populismo bilionário”. A defesa de “reformas” das leis de falência e de programas assistenciais, além de guerras contra o crime, ganham uma retórica pseudopopulista que identifica as classes baixas como os parasitas que se beneficiam do trabalho dos produtores. Em seu universo simbólico, seria possível pensar que os Estados Unidos são aquele mundo retratado pela revista Reader’s Digest e por Norman Rockwell, onde não há nada além de pequenos empresários e fazendeiros de um lado e vagabundos, sindicalistas e burocratas de outro. Ao escutarmos essa retórica, é difícil imaginar que existam multibilionários ou corporações globais, ou mesmo que elas se beneficiem desse discurso “populista”.
No mundo real, as corporações são os maiores clientes do estado de bem estar, as maiores falências são falências corporativas e os piores crimes são cometidos em suítes corporativas e não nas ruas. O real roubo dos produtores médios consiste de lucros e usura, extorquidos apenas com a ajuda do estado — o real “estado máximo” que carregamos em nossas costas. Enquanto os trabalhadores e as classes inferiores lutam entre si, não percebem quem realmente os espolia.
Como afirmou Stephen Biko, “a arma mais forte dos opressores é a mente dos oprimidos”.
O monopólio monetário
Em todo sistema de exploração de classes, uma classe dominante controla o acesso aos meios de produção de forma a extrair tributos dos trabalhadores. Sob o capitalismo, o acesso ao capital é restrito pelo monopólio monetário, através do qual o estado ou o sistema bancário ganham um monopólio sobre o meio de troca e moedas alternativas são proibidas. O monopólio monetário também inclui barreiras de entrada contra bancos cooperativos e proibições à emissão privada de notas bancárias, através das quais o acesso ao capital financeiro é restrito e as taxas de juros são mantidas artificialmente altas.
De passagem, podemos mencionar a hipocrisia monumental que é a regulamentação das cooperativas de crédito nos Estados Unidos, que requerem que os membros tenham algo em comum, como trabalhar para o mesmo empregador. Imagine quão ultrajante seria se supermercados como o IGA e o Safeway fizessem lobby em prol de leis nacionais que proibissem cooperativas de comércio de alimentos a não ser que todos os seus membros trabalhassem para a mesma empresa! Um dos maiores defensores dessas leis é Phil Gramm, renomado ideólogo de “livre mercado” e professor de economia — e, acima de tudo, um dos principais testas-de-ferro da indústria bancária no Congresso americano.
Anarquistas individualistas e mutualistas como William Greene (Mutual Banking), Benjamin Tucker (Instead of a Book) e J. B. Robertson (The Economics of Liberty) enxergavam o monopólio monetário como central ao sistema capitalista de privilégios. Em um mercado bancário genuinamente livre, qualquer grupo de indivíduos poderia formar um banco mútuo e emitir crédito monetizado na forma de notas lastradas por qualquer colateral que escolhessem. A aceitação dessas notas bancárias seria condição obrigatória da adesão a esses bancos. Greene especulava que um banco mútuo poderia escolher não apenas honrar propriedades existentes como colateral, mas “a promessa (…) de produção futura”.[32] O resultado seria uma redução das taxas de juros através da competição, que encolheriam até o nível dos custos administrativos — menos de um por cento.
O crédito abundante e barato alteraria drasticamente o equilíbrio de forças entre o capital e o trabalho, e os retornos sobre o trabalho substituiriam os retornos sobre o capital como formas dominantes de atividade econômica. De acordo com Robinson[33]:
Todo o sistema de juros sobre o capital que existe atualmente e permeia todos os negócios contemporâneos se baseia nas taxas de juros monopolistas que (…) se forçam sobre nós por obrigatoriedade legal.
Com a liberdade bancária, os juros sobre títulos de todos os tipos e dividendos acionários seriam reduzidos a um mínimo. O aluguel (rent) das casas (…) seria reduzido a seu custo de manutenção e substituição.
Toda fatia do produto [do trabalho] que ora é tomada pelos juros pertenceria ao produtor. O capital, seja definido como for (…), praticamente deixaria de existir como fundo produtor de renda, pela simples razão de que se o dinheiro com o qual adquirir capital pudesse ser obtido por meio por cento, o próprio capital não poderia custar um preço mais alto.[34]
Isso resultaria num cenário em que a posição de negociação dos locatários e trabalhadores seria bem melhor em relação aos senhorios e capitalistas. De acordo com Gary Elkin (s.d.), o anarquismo de livre mercado de Benjamin Tucker possuía certas implicações socialistas libertárias inerentes:
É importante notar que, por conta da proposta de Tucker de aumentar o poder de barganha dos trabalhadores através do acesso ao crédito mútuo, seu anarquismo individualista não apenas era compatível com o controle dos trabalhadores, mas, de fato, o promoveria. Pois, se o acesso ao crédito mútuo aumentasse o poder de barganha dos trabalhadores até o ponto que Tucker alegava, eles poderiam assim (1) exigir e alcançar um ambiente de trabalho democrático e (2) compartilhar seus fundos para comprar e controlar suas empresas coletivamente.
O monopólio bancário não era apenas o “alicerce do capitalismo”, mas também a semente que dava origem ao poder monopolista dos senhorios. Sem um monopólio monetário, o preço das terras seria muito menor e promoveria “o processo de redução dos aluguéis (rents) a zero”.[35]
Com a posição de negociação do trabalhador melhorada, a “capacidade dos capitalistas de extrair valores excedentes do trabalho dos empregados seria eliminada ou, ao menos, fortemente reduzida”.[36] Com a aproximação dos salários ao valor agregado, os retornos sobre o capital seriam reduzidos pela competição de mercado e o valor das ações das corporações consequentemente cairiam radicalmente, tornando o trabalhador sócio da instituição em que trabalhasse, mesmo se a empresa permanecesse nominalmente sob propriedade de acionistas.
As taxas de juros próximas a zero aumentariam a independência do trabalhador de diversas maneiras. Por exemplo, qualquer pessoa com um financiamento habitacional de 20 anos de 8% poderia, sem a existência da usura, pagá-lo em dez anos. A maior parte dos indivíduos que chegasse aos 30 anos poderia quitar suas casas. Com isso e sem a existência de grandes dívidas de cartões de crédito, duas das maiores fontes de insegurança dos trabalhadores desapareceriam, já que eles não teriam que manter seus empregos a todo custo. Adicionalmente, muitos trabalhadores teriam grandes poupanças, que lhes dariam segurança para deixar seus empregos se quisessem. Quantidades significativas de pessoas poderiam se aposentar ao chegar a seus 40 ou 50 anos, trabalhar em empregos de meio expediente ou abrir seus próprios negócios; quando os empregos competissem por trabalhadores, o efeito sobre o poder de negociação deles seria revolucionário.
Nosso mundo hipotético de crédito livre se assemelharia de várias maneiras à situação em sociedades coloniais. E. G. Wakefield, em seu livro A View of the Art of Colonization (1914), escreveu sobre a posição inaceitavelmente fraca da classe empregadora quando o autoemprego era uma alternativa viável. Em colônias, havia um pequeno mercado de trabalho e pouca disciplina trabalhista por causa da abundância de terras baratas:
Não apenas o grau de exploração do assalariado permanece indecentemente baixa, mas também há a perda, por parte do trabalhador, a relação e o sentimento de dependência em relação ao capitalista abstêmio. (…)
Onde as terras são baratas e os homens são livres, onde todos que quiserem podem obter um pedaço de terra para si, não só o trabalho é muito valorizado, quanto à fatia recebida pelo trabalhador do produto, mas existe dificuldade de obter trabalho a qualquer preço.[37]
O ambiente também evitava a concentração de renda, como comentava Wakefield: “Poucos, mesmo entre aqueles cujas vidas são anormalmente longas, podem acumular grandes riquezas”. Como resultado, as elites coloniais fizeram campanhas junto à metrópole para importar trabalhadores e restringir os assentamentos nas terras. De acordo com Herman Merivale, discípulo de Wakefield, houve um “desejo urgente por trabalhadores mais baratos e subservientes — por uma classe que poderia ser controlada pelos capitalistas, em vez de controla-los”.[38]
Os sistemas de banco central executam serviços adicionais em prol dos interesses do capital. Primeiramente, o primeiro requerimento dos capitalistas financeiros é evitar a inflação, para permitir retornos previsíveis sobre os investimentos. Mas igualmente importante é o papel do banco central em promover o que consideram um nível “natural” de desemprego — que, até os anos 1990, gravitava ao redor dos seis por cento. Isso ocorre porque, quando o desemprego cai para níveis mais baixos que esse, o trabalho se torna cada vez mais arredio e faz pressão por maiores salários, melhores condições de trabalho e mais autonomia. Os trabalhadores estão dispostos a aguentar muito menos de seu chefe se sabem que podem encontrar um trabalho equivalente no dia seguinte. Por outro lado, nada é tão eficiente para disciplinar o trabalhador quanto o conhecimento de que há uma fila de pessoas prontas para substituí-lo.
A “prosperidade” do governo Clinton nos Estados Unidos é uma aparente exceção a esse princípio. Quando o desemprego ameaçava cair para níveis abaixo dos quatro por cento, alguns membros do Federal Reserve fizeram campanha pelo aumento das taxas de juros para acabar com a “pressão inflacionária” e jogar alguns milhões de trabalhadores na rua. Como Alan Greenspan[39] declarou ao Comitê Bancário do Senado, a situação era única. Dado o grau de insegurança trabalhista na economia de alta tecnologia, havia uma “restrição atípica a aumentos de salários”. Em 1996, mesmo com um mercado de trabalho restrito, 46% dos trabalhadores de grandes firmas temiam demissões — em comparação a apenas 25% em 1991, quando o desemprego era bem maior:
A relutância dos trabalhadores em deixar seus empregos para procurar outros com a restrição do mercado de trabalho é outra evidência dessa preocupação, além da tendência ao estabelecimento de contratos sindicais mais longos. Por várias décadas, os contratos raramente excediam três anos. Hoje, podemos encontrar contratos de cinco ou seis anos, caracterizados normalmente por uma ênfase na segurança do trabalhador e que envolve apenas aumentos modestos de salários. As poucas greves em anos recentes também atestam essa insegurança em relação aos empregos.
Logo, a disposição dos trabalhadores a aceitar menores aumentos salariais em troca de maior segurança trabalhista parece estar bem documentada. Para os empregadores, a economia da alta tecnologia é quase tão boa quanto o desemprego alto para manter nossas cabeças no lugar. A “luta contra a inflação” se traduz operacionalmente em aumento da insegurança trabalhista, tornando-os menos dispostos a fazer greves ou a procurar novos empregos.
Patentes
O privilégio das patentes tem sido usado em larga escala para promover a concentração do capital, erguer barreiras de entrada no mercado e manter o monopólio sobre tecnologias avançadas nas mãos de corporações ocidentais. É até difícil imaginar quão mais descentralizada a economia seria sem ele. O libertário de direita Murray Rothbard considerava as patentes uma violação fundamental dos princípios de livre mercado:
O homem que não comprou uma máquina e que é capaz de fazer a mesma invenção de maneira independente, num livre mercado, terá o direito de usar e vender sua invenção. As patentes evitam que alguém use sua própria invenção, muito embora todas as propriedades envolvidas em sua criação sejam da pessoa e ela não tenha roubado sua invenção, explícita ou implicitamente, do primeiro inventor. As patentes, portanto, são concessões de privilégios monopolistas exclusivos do estado e são invasões dos direitos de propriedade do mercado.[40]
As patentes fazem uma diferença astronômica no preço final. Até o começo dos anos 1970, por exemplo, a Itália não reconhecia patentes de medicamentos. Como resultado, a Roche cobrava um preço do sistema de saúde britânico mais de 40 vezes maior que o cobrado por concorrentes na Itália por componentes patenteados das drogas Librium e Valium.[41]
As patentes suprimem a inovação na mesma medida em que a estimulam. Chakravarthi Raghavan observou que os pesquisadores que de fato trabalham nas invenções devem abrir mão de seus direitos de patente como condição de trabalho, enquanto patentes e programas de segurança industrial evitam o compartilhamento da informação e suprimem a concorrência no melhoramento de invenções patenteadas.[42] Rothbard, da mesma forma, argumentava que as patentes eliminam “o incentivo concorrencial para maiores pesquisas”, porque inovações incrementais que se baseiam nas patentes de outras pessoas é proibida e porque o detentor delas pode “se descansar sobre os louros de seu sucesso por todo o período da patente”, sem temer a melhoria de sua invenção. E elas impedem o progresso técnico, porque “invenções mecânicas são descobertas das leis da natureza e não criações individuais, portanto invenções similares acontecem a todo momento. A simultaneidade de invenções é um fato histórico comum”.[43]
O regime de propriedade intelectual estabelecido pela Rodada do Uruguai do GATT (sigla em inglês para Acordo Geral de Tarifas e Comércio) vai muito além das tradicionais legislações de patentes na supressão das inovações. Um dos benefícios das leis tradicionais de patentes, ao menos, era que elas requeriam que as patentes fossem publicadas. Por pressão dos Estados Unidos, contudo, “segredos industriais” foram incluídos no acordo. Assim, os governos terão que prestar apoio na supressão de informações que nem mesmo estão formalmente protegidas pelas patentes.[44]
E as patentes não são necessárias como incentivos para inovar. De acordo com Rothbard, as invenções sempre dão vantagens competitivas ao primeiro desenvolvedor de uma ideia. Esse ponto de vista tem suporte no depoimento à Comissão Federal do Comércio dos EUA de F. M. Scherer.[45] Scherer citava uma pesquisa que abrangia 91 empresas segundo a qual apenas sete delas “davam alto valor à proteção de suas patentes como fator em seus investimentos em pesquisa e desenvolvimento”. A maior parte delas considerava as patentes como “a menor de suas considerações”. Sua maior motivação em decisões de P&D era “a necessidade de permanecer competitivas, o desejo de produzir de maneira mais eficiente e o desejo de expandir e diversificar suas vendas”. Em outro estudo, Scherer não encontrou qualquer efeito negativo sobre os gastos em P&D resultantes do licenciamento compulsório de patentes. Uma pesquisa com firmas americanas observou que 86% de todas as invenções teriam sido desenvolvidas sem patentes. No caso de automóveis, equipamentos de escritório, produtos de borracha e têxteis, a taxa era de 100%.
A única exceção era no caso dos medicamentos. Sessenta por cento deles teoricamente não teriam sido desenvolvidos. Suspeito de certa dissimulação por parte dos respondentes, porém. Em primeiro lugar, as empresas farmacêuticas recebem uma porção desproporcional de seu financiamento de P&D do governo e muitos de seus produtos mais lucrativos foram desenvolvidos inteiramente às custas do estado. E o próprio Scherer forneceu evidência em contrário. As vantagens de reputação por ser o primeiro a introduzir uma droga no mercado são consideráveis. Por exemplo, no final dos anos 1970, a estrutura da indústria e os padrões de precificação eram muito similares entre drogas com patentes e aquelas sem patentes. A introdução no mercado de uma droga não-patenteada permitia que uma dada empresa mantivesse uma fatia de mercado de 30% e que cobrasse preços mais altos.
A injustiça dos monopólios de patentes é exacerbada pelo financiamento estatal à pesquisa e inovação, que beneficia a indústria privada com lucros monopolísticos advindos de tecnologias que não gastaram um centavo para desenvolver. Em 1999, a extensão dos créditos corporativos para pesquisas e experimentos e as extensões de outras isenções de impostos corporativos eram consideradas as pautas mais urgentes das lideranças no Congresso dos EUA. De acordo com relatório da organização Citizens for Tax Justice (em português, “Cidadãos pela Justiça Tributária”), o deputado Dennis Hastert, quando perguntado qualquer um dos pontos do projeto de lei era essencial, disse: “Acredito que as isenções preferenciais sejam algo em que teremos que trabalhar”. O líder do Comitê Orçamentário do Congresso Bill Archer acrescentou: “[Até] o final do ano (…) faremos as isenções fiscais em um projeto de lei que não inclua nenhum outro ponto”. Uma extensão de cinco anos sobre a isenção para pesquisas e experimentos (retroativa a 1º de julho de 1999) tinha projeção de custos de US$ 13,1 bi (esse crédito torna os impostos efetivos sobre P&D efetivamente nulos).
A Lei Governamental de Política de Patentes de 1980 (em inglês, Government Patent Policy Act of 1980), com suas emendas de 1984 e 1986, permitiu que a indústria privada mantivesse as patentes sobre produtos desenvolvidos com dinheiro estatal — e então cobrasse dez, vinte ou quarenta vezes mais que o custo de produção. Por exemplo, o AZT foi desenvolvido com dinheiro estatal e estava no domínio público desde 1964. Sua patente foi concedida à Burroughs Wellcome Corp.[46]
Como se não fosse o bastante, as companhias farmacêuticas em 1999 fizeram lobby sobre o Congresso para estender determinadas patentes em dois anos através de uma lei especial privada.[47]
As patentes têm sido usadas ao longo do século 20 para “driblar as leis antitruste”, de acordo com David Noble. Elas são “compradas em grandes números para suprimir a concorrência”, o que também resultou “na supressão das próprias invenções”.[48]
As patentes desempenharam um papel fundamental na formação das indústrias de eletrodomésticos, de comunicações e de química. A GE e a Westinghouse se expandiram a ponto de dominar a manufatura elétrica na virada do século 19 para o 20 basicamente através do controle de patentes. Em 1906, reduziram seus litígios com o compartilhamento de suas patentes. A AT&T também se expandiu “essencialmente através de estratégias de monopólio sobre patentes”. A indústria americana de químicos era pouco importante até 1917, quando o Advogado Geral Mitchell Palmer confiscou as patentes alemãs e as distribuiu entre grandes empresas de químicos americanas. A DuPont conseguiu licenças sobre 300 das 735 patentes tomadas.[49]
As patentes estão também sendo utilizadas em escala global para conceder às corporações transnacionais um monopólio permanente sobre as tecnologias produtivas. As cláusulas mais totalitárias da Rodada do Uruguai provavelmente dizem respeito à “propriedade intelectual”. O GATT estendeu tanto o escopo quanto a duração das patentes muito além do que se pretendia originalmente por suas leis. Na Inglaterra, as patentes tinham originalmente duração de 14 anos — tempo necessário para treinar dois aprendizes sucessivamente (e, por analogia, o tempo necessário para introduzir o produto no mercado e lucrar a partir de sua originalidade). Por esse parâmetro, dados os períodos mais curtos de treinamento requeridos atualmente e as vidas úteis mais curtas de várias tecnologias, o período de monopólio deveria ser mais curto. No entanto, os Estados Unidos buscam expandi-lo a cinquenta anos.[50] De acordo com Martin Khor Kok Peng, os EUA são os participantes mais absolutistas da Rodada do Uruguai em relação à “propriedade intelectual”, ao contrário da Comunidade Europeia, e pretendiam estender suas provisões a processos biológicos, para proteção de animais e plantas.[51]
As provisões para biotecnologia são efetivamente uma maneira de aumentar as barreiras ao comércio, forçando os consumidores a subsidiar as corporações transnacionais do agronegócio. Os EUA pretendem aplicar patentes a organismos geneticamente modificados, o que na prática pirateia o trabalho de várias gerações de reprodutores do Terceiro Mundo, isolando os genes benéficos de variedades tradicionais e incorporando-as em novos organismos geneticamente modificados — e talvez forçando a aplicação dos direitos de patente sobre as variedades tradicionais, que foram as fontes de material genético. Por exemplo, a Monsanto já tentou utilizar a presença do DNA das variedades desenvolvidas por elas em uma lavoura como prova prima facie de pirataria — quando é muito mais provável que sua variedade tenha polinizado e contaminado a lavoura do fazendeiro em questão contra a sua vontade. A agência Pinkerton desempenha um grande papel na investigação desses casos — os mesmos sujeitos que estavam ocupados dispersando greves e jogando seus organizadores escada abaixo no século passado. Até mesmo criminosos desse naipe têm que diversificar seus negócios para sobreviver na economia global. O mundo desenvolvido tem feito grandes pressões para proteger as indústrias que dependem ou produzem “tecnologias genéricas” e para restringir a difusão de tecnologias de “uso dual”. O acordo EUA-Japão sobre semicondutores, por exemplo, é um “acordo de comércio controlado, de cartel”.[52] São assim os acordos de “livre comércio”.
A legislação de patentes tradicionalmente exigia que o detentor trabalhasse na invenção em determinado país para receber proteção. A legislação do Reino Unido permitia o licenciamento compulsório após três anos se uma invenção não estava sendo trabalhada parcial ou totalmente e se sua demanda fosse atendida “substancialmente” pela importação; ou quando o mercado exportador não estivesse sendo atendido por conta da recusa do detentor da patente em conceder licenças em termos razoáveis.[53]
A motivação central para o estabelecimento do regime de propriedade intelectual do GATT, entretanto, é proteger permanentemente o monopólio coletivo de patentes para as corporações transnacionais, impedindo o surgimento de concorrentes independentes no Terceiro Mundo. Como afirma Martin Khor Kok Peng, esse sistema “efetivamente impediria a difusão de tecnologias para o Terceiro Mundo e aumentaria tremendamente os royalties monopolísticos das corporações transnacionais, freando ao mesmo tempo o desenvolvimento próprio de tecnologias por esses países”. Apenas um por cento das patentes no mundo são detidas pelo Terceiro Mundo. Das patentes concedidas nos anos 1970 por países do Terceiro Mundo, 84% foram para estrangeiros. Delas, menos de 5% foram de fato usadas na produção. Como vimos, o propósito das patentes não é necessariamente serem utilizadas, mas evitar que outros as utilizem.[54]
Raghavan resumiu perfeitamente os efeitos das patentes sobre o Terceiro Mundo:
Dados os gigantescos gastos em P&D e investimentos, além do curto ciclo de vida de alguns desses produtos, algumas nações industriais tentam impedir a emergência da competição pelo controle (…) dos fluxos de tecnologia para outros países. A Rodada do Uruguai está sendo usada para criar monopólios de exportação para os produtos dos países industriais e para bloquear ou refrear o crescimento de concorrentes, particularmente em países que estão se industrializando no Terceiro Mundo. Ao mesmo tempo, as tecnologias de indústrias antigas do norte estão sendo exportadas para o sul de forma que garantam lucros a rentistas.[55]
Os propagandistas das corporações repetidamente denunciam os antiglobalistas como se fossem inimigos do Terceiro Mundo, que buscam utilizar as barreiras comerciais para manter sua riqueza ocidental às custas dos países mais pobres. As medidas mencionadas — barreiras comerciais — que buscam suprimir permanentemente as tecnologias do Terceiro Mundo e manter o sul como uma enorme fonte de trabalhadores baratos mostram como são mentirosas essas preocupações “humanitárias”. Não se trata de um caso de opiniões divergentes ou de entendimentos sinceramente enganados sobre os fatos. Ignorando falsas sutilezas, o que vemos aqui é uma maquinação puramente maligna — a bota que Orwell mencionava que “pisaria num rosto humano para sempre”. Se qualquer um dos arquitetos desta política realmente acredita que ela exista em prol do bem estar geral, isso só mostra a impressionante capacidade que a ideologia tem de justificar a opressão para o próprio opressor e permitir que ele durma tranquilo durante a noite.
Infraestrutura
Os gastos em redes de transporte e comunicação a partir de receitas gerais em vez de impostos e taxas de uso permitem que as grandes empresas externalizem seus custos sobre o público, escondendo suas despesas reais de operação. Noam Chomsky[56] descreveu essa subestimação dos custos de transporte sob o capitalismo de estado de maneira bastante precisa:
Um fato bastante conhecido a respeito do comércio é que ele é altamente subsidiado com enormes fatores que distorcem o mercado. (…) O mais óbvio é que toda forma de transporte é altamente subsidiada. (…) Uma vez que o comércio naturalmente requer transporte, os custos do transporte entram no cálculo da eficiência do comércio. Mas existem enormes subsídios para reduzir os custos de transporte, através da manipulação dos custos de energia e de todas as funções de distorção do mercado.
Toda onda de concentração de capital se segue a um sistema de subsídios públicos à infraestrutura. O estabelecimento do sistema nacional de ferrovias dos EUA, construído em terras cedidas ou vendidas a baixo custo pelo governo, foi seguido por uma grande concentração na indústria pesada, de petroquímicos e finanças. Os grandes projetos de infraestrutura que foram construídos a seguir foram o sistema nacional de rodovias, começando com o sistema de rodovias designadas nos anos 1920 e culminando no sistema interestadual de Eisenhower, e o sistema de aviação civil, feito quase inteiramente com dinheiro do governo federal. O resultado foram enormes concentrações no comércio varejista, na agricultura e no processamento de alimentos.
O terceiro entre tais projetos de infraestrutura foi o desenvolvimento da rede mundial da internet, feito pelo Pentágono. Ela permite, pela primeira vez, a direção de operações globais em tempo real a partir de uma única sede corporativa e está acelerando a concentração de capital em escala global. Como afirma Chomsky[57]: “A revolução das telecomunicações (…) é (…) outro componente da economia internacional que não se desenvolveu através do capital privado, mas foi financiada pelo público, que pagou pela própria destruição”.
A economia corporativa centralizada depende, para sua existência, de um sistema de preços que seja artificialmente distorcido pela intervenção estatal. Para entender o nível de dependência da economia corporativa dos custos de transporte e comunicação socializados, imagine o que aconteceria se os combustíveis de caminhões e aeronaves fossem taxados o suficiente para pagar o custo total de manutenção e de construção de novas rodovias e se as isenções fiscais a sua utilização fossem retiradas. O resultado seria um enorme aumento nos custos de frete. Alguém realmente acredita que, nesse cenário, o Wal-Mart continuaria a vender a preços mais baixos que os comerciantes locais ou que o agronegócio seria capaz de destruir a agricultura familiar?
Libertários de direita intelectualmente honestos admitem esses fatos. Por exemplo, Tibor Machan escreveu na revista The Freeman[58]:
Alguns dizem que a proteção estrita dos direitos de propriedade [contra desapropriações] levaria a existência de aeroportos muito pequenos e muitas restrições sobre grandes projetos. É óbvio, mas qual o problema com isso?
Talvez a pior característica da moderna vida industrial é o poder que as autoridades políticas possuem para conceder privilégios a algumas empresas para violar os direitos de terceiros cuja permissão seria cara demais de se obter. A necessidade de obter essa permissão de fato impediria aquilo que a maioria dos ambientalistas vê como uma industrialização excessiva — ou até mesmo irresponsável.
O sistema de direitos de propriedade — segundo o qual (…) todas as (…) atividades humanas devem ser conduzidas de maneira independente a não ser que haja a cooperação voluntária de outras partes — é o maior moderador das aspirações humanas. (…) Assim as pessoas só conseguem alcançar objetivos que não conseguiriam com seus próprios recursos pelo convencimento, através de argumentos e trocas justas, pela cooperação.
Os impasses e gargalos no sistema de transporte são resultados inevitáveis dos subsídios governamentais. Aqueles que discutem os motivos por que os aviões se amontoam nos aeroportos ou lamentam o fato de que rodovias e pontes se deterioram muito mais rápido do que seus consertos são orçados só precisam dar uma olhada em qualquer livro introdutório de economia. Os preços de mercado são sinais que relacionam a oferta à demanda. Quando os subsídios distorcem esses sinais, o consumidor não percebe os custos reais da produção dos bens que consome. O ciclo de respostas é quebrado e a demanda sobre o sistema acaba por sobrecarregá-lo. Quando as pessoas não têm que pagar os custos reais daquilo que consomem, não tomam os cuidados adequados para utilizar somente o que precisam.
É interessante observar que todas as maiores ações antitruste deste século envolveram algum tipo de recurso energético básico ou alguma infraestrutura sobre a qual toda a economia depende. Standard Oil, AT&T e Microsoft foram todos casos em que preços monopolísticos eram danosos à economia como um todo. Isso remonta à observação de Engels de que o capitalismo avançado chegaria a um estágio em que o estado — “o representante oficial da sociedade capitalista” — teria que converter “as grandes instituições de relacionamento e comunicação” em propriedades estatais. Engels[59] não previa o uso de ações antitruste para alcançar esse objetivo.
O “keynesianismo militar”
Os setores mais importantes da economia americana, que incluem a cibernética, as comunicações e a indústria militar, têm seus lucros praticamente garantidos pelo estado. Todo o setor fabril se expandiu permanentemente por uma infusão de dinheiro do governo federal durante a Segunda Guerra Mundial. Em 1939, todo as manufaturas dos EUA eram avaliadas em US$ 40 bi. Em 1945, mais US$ 26 bi em fábricas e capital haviam sido construídas, “dois terços dos quais produzidos diretamente através de fundos governamentais”. As 250 maiores corporações em 1939 possuíam 65% das instalações e equipamentos, mas durante a guerra operavam 79% de todas as fábricas construídas com financiamento estatal.[60]
Houve um aumento tremendo no número de máquinas-ferramentas. Em 1940, 23% das máquinas-ferramentas utilizadas tinham menos de dez anos de idade. Em 1945, essa proporção havia crescido para 62%. A indústria se contraiu rapidamente após 1945 e provavelmente teria entrado num ciclo de depressão caso não tivesse entrado em níveis produtivos de guerra com as campanhas na Coreia e permanecido dessa forma durante a Guerra Fria. O completo de P&D, da mesma forma, foi uma criação da guerra. Entre 1939 e 1945, os gastos com pesquisas contratadas pelo governo na AT&T saltaram de 1% para 83%. Mais de 90% das patentes resultantes de pesquisas financiadas pelo estado em tempo de guerra foram cedidas à indústria. A moderna indústria de eletrônicos foi essencialmente produzida pelos gastos da Segunda Guerra Mundial e da Guerra Fria (por exemplo, através da miniaturização de circuitos para fusíveis de proximidade de bombas, computadores de alta capacidade para comando e controle, etc.).[61]
A indústria de aviões de grande porte (jumbo jets) nunca teria se desenvolvido sem gastos militares contínuos durante a Guerra Fria. As ferramentas necessárias para a produção de grandes aeronaves eram tão complexas e caras que nenhuma “pequena encomenda de tempos de paz” poderia justificar sua produção. Sem grandes encomendas militares, elas simplesmente não existiriam. A indústria de aeronaves rapidamente entrou no vermelho após 1945 e estava à beira da falência no começo da histeria militarista de 1948. Depois desse momento, o presidente Harry Truman a ressuscitou com enormes gastos federais. Em 1964, 90% da pesquisa e desenvolvimento aeroespacial eram financiados pelo governo, o que repercutia ainda sobre os eletrônicos, máquinas-ferramentas e outras indústrias.[62]
Outros subsídios
Os gastos militares e em infraestrutura não são os únicos exemplos do processo pelo qual custos e riscos são socializados e os lucros privatizados — ou, como colocava Rothbard, pelo qual “nosso estado corporativo usa seu poder de taxação para acumular capital corporativo ou para diminuir custos corporativos”.[63] Alguns pressupostos de risco e custos são individuais e têm como foco indústrias específicas.
Entre os maiores beneficiários dessas reduções de custos estão as fornecedoras de energia elétrica. Quase 100% de todas as pesquisas em energia nuclear são feitas pelo governo diretamente, em seu programa de estudos sobre reatores militares, ou através de subsídios para P&D. O governo também renuncia às taxas de uso de combustíveis nucleares, subsidia a produção de urânio, cede acesso a terras estatais a preços mais baixos que os de mercado (além de construir centenas de quilômetros de vias de acesso às custas do pagador de impostos), enriquece urânio e descarta seus resíduos tóxicos a preços camaradas aos contratados. A Lei Price-Anderson de 1957 limitou a responsabilidade corporativa da indústria de energia nuclear e estabeleceu a responsabilidade governamental a partir de certo ponto.[64] Um representante da Westinghouse admitiu em 1953:
Se você perguntasse se a Westinghouse consideraria investir seu próprio dinheiro (…), nós teríamos que dizer “não”. O custo das instalações seria uma incógnita até o final da construção e, somente assim, nós soubemos a resposta. Nós não teríamos certeza da operação bem sucedida da planta até que tivéssemos concluído todo o trabalho e começado a operá-la de maneira bem sucedida. (…) Esta ainda é uma situação em que há incertezas cumulativas. (…) Há uma diferença entre a tomada de riscos e a imprudência.[65]
Eis os tais lucros pela assimilação de riscos empresariais. Esses “empresários” lucram da mesma forma que um cortesão do século 17: através da obtenção de favores do rei. Como afirmou Chomsky[66]:
[Os] setores da economia que permanecem competitivos são aqueles que se alimentam da fonte pública. (…) As glórias da livre empresa são uma arma útil contra políticas estatais que possam beneficiar a população (…). Mas os ricos e poderosos (…) já há muito tempo apreciam a necessidade de se proteger das forças destrutivas do capitalismo de livre mercado, que é excelente tema para estimulantes discursos, mas somente enquanto o erário, o aparato regulatório e protecionista e o poder estatal estiverem a postos para agir quando necessário.
Dwayne Andreas, CEO da Archer Daniels Midland, admitiu que “[não] há um só grão de qualquer coisa no mundo que seja vendido no livre mercado. Nem mesmo um. O único lugar em que existe um livre mercado é nos discursos de políticos”.[67]
As grandes empresas também se beneficiam de apoio financeiro através da legislação de impostos. É provável que a maior parte das empresas da Fortune 500 fosse à falência sem os programas assistenciais corporativos. As isenções fiscais federais diretas a empresas em 1996 se aproximaram de US$ 350 bi (de acordo com minha interpretação dos números de Zepezauer e Naiman[68]). Esses benefícios corporativos por si só representam mais de dois terços dos lucros corporativos anuais de 1996 (US$ 460 bi).[69]
As estimativas das isenções fiscais estaduais e municipais nos EUA são bastante imprecisas, contudo, porque variam não apenas de acordo com a definição subjetiva de cada intérprete sobre o que caracteriza “assistência corporativa” (corporate welfare), mas também envolve as legislações tributárias de milhares de municípios. Além disso, os canalizadores de dinheiro nos estados e municípios têm certa vergonha dos acordos camaradas que fazem com os executivos corporativos. Em meu estado, o Arkansas, o incorruptível pastor batista que serve como governador se opôs a um projeto de lei que requeria relatórios trimestrais do Departamento de Desenvolvimento Econômico que listava suas isenções fiscais a empresas. De acordo com o Arkansas Democrat-Gazette (3 de fevereiro de 2001), “manter os relatórios de incentivos longe do escrutínio público é importante para atrair empresas” e liberar “informações confidenciais” poderia ter um “efeito inibidor”. Os incentivos estaduais e municipais a corporações, contudo, podem até mesmo ser equivalentes aos federais.
Em sua totalidade, as isenções fiscais a empresas de todos os níveis de governo provavelmente estão na mesma ordem de magnitude que os lucros das corporações. E isso ainda subestima o efeito do assistencialismo corporativo, uma vez que ele é direcionado desproporcionalmente a algumas poucas grandes empresas de cada setor. Por exemplo, a depreciação acelerada favorece a expansão de firmas existentes. Novas empresas não a veem como grande vantagem nesse método, já que provavelmente perderão dinheiro em seus primeiros anos de operação. Uma firma já estabelecida, no entanto, pode sofrer prejuízo em um novo empreendimento e cobrir a aceleração depreciada com os lucros de instalações antigas.[70]
O exemplo mais ultrajante desses incentivos fiscais é o subsídio às próprias transações financeiras através das quais o capital se concentra. A dedução de juros sobre as dívidas corporativas, a maior parte das quais foi adquirida a partir aquisições alavancadas, custa ao tesouro mais de US$ 200 bilhões por ano.[71] Sem essa dedução, a onda de fusões nos anos 1980, ou mesmo as megafusões dos anos 1990, jamais poderiam ter ocorrido. Trata-se de um subsídio massivo aos bancos que aumenta o poder do capital financeiro na economia corporativa a um nível maior do que tinha na Era Dourada da história americana.
Um subsídio muito similar é a isenção dos ganhos de capital em transações de títulos envolvidas em fusões corporativas (ou seja, swaps de ações) — embora os preços pagos normalmente estejam bem acima do valor de mercado. A reforma tributária de 1986 incluía uma cláusula que evitava que as corporações deduzissem taxas destinadas a bancos de investimentos e conselheiros envolvidos em aquisições. O projeto que aumentou o salário mínimo em 1996 repeliu essa regra, com apenas uma exceção: as deduções de juros foram removidas para aquisições por funcionários.[72]
Libertários de direita são contrários à classificação de isenções fiscais como subsídios, uma vez que essa visão presume que o dinheiro dos impostos seja propriedade legítima do governo, quando, na verdade, o governo está apenas permitindo que os indivíduos mantenham o dinheiro que é seu. O código tributário é realmente injusto, mas a solução é a eliminação dos impostos para todos, não a cobrança igualitária dos tributos.[73] Esse é um argumento bastante frágil. Os apoiadores da reforma tributária nos anos 1980 insistiam que o único propósito legítimo dos impostos era a arrecadação de receita, não para fornecer incentivos ou desincentivos para objetivos de engenharia social. Discussões semânticas à parte, o sistema tributário atual seria exatamente igual se começássemos com taxações zeradas e impuséssemos impostos punitivos somente sobre aqueles que não estivessem envolvidos em atividades favorecidas. De qualquer forma, uma política de impostos desiguais dá uma vantagem competitiva a setores privilegiados.
Repressão política
Em épocas de grande consciência e mobilização populares, quando o sistema capitalista enfrenta suas mais graves ameaças, o estado recorre à repressão direta até que passe o momento de instabilidade. As maiores ondas de mobilização nos EUA — a revolta de Haymarket e as ameaças vermelhas depois das duas guerras mundiais — são recontadas por Robert J. Goldstein.[74] Mas a onda de repressão que começou nos anos 1970, embora menos intensa, foi permanentemente institucionalizada a um patamar único.
Até o final dos anos 1960, a perspectiva da elite era governada pelo contrato social do New Deal. O estado corporativo compraria estabilidade e aquiescência popular às suas explorações imperialistas no exterior com a garantia de certo nível de prosperidade e segurança para a classe média. Em troca de salários mais altos, os sindicatos cederiam o controle do ambiente de trabalho. Porém, após a Guerra do Vietnã, o pensamento da elite sofreu profundas mudanças.
A elite concluiu a partir da experiência dos anos 1960 que o contrato social havia fracassado. Em resposta às manifestações antiguerra e às revoltas pela igualdade racial, Lyndon B. Johnson e Richard Nixon começaram a criar uma estrutura institucional de lei marcial, para garantir que quaisquer desordens no futuro poderiam ser confrontadas de forma diferente. A operação Garden Plot de Johnson envolvia a vigilância doméstica pelo exército, planos de contingência para cooperação militar com as policias locais para suprimir desordens em todos os cinquenta estados, planos para detenção preventiva em massa e exercícios conjuntos entre a polícia e o exército.[75] O governador Ronald Reagan e seu conselheiro Louis O. Giuffrida foram apoiadores entusiasmados dos exercícios da Garden Plot na Califórnia. Reagan também foi pioneiro na criação de esquadrões semimilitares da SWAT, que atualmente existem em quase todas as grandes cidades.
A onda de greves espontâneas no começo dos anos 1970 mostrou que os representantes trabalhistas não eram mais capazes de cumprirem sua parte no acordo e que o contrato social deveria ser reavaliado. Ao mesmo tempo, a imprensa empresarial estava inundada de artigos a respeito da “escassez de capital” e campanhas para desviar os recursos do consumo para a poupança. Previam com franqueza que um teto para os salários reais seria difícil de vender ao público no ambiente político da época.[76] Esse sentimento era expressado por Crozier, Huntington e Watanuki no livro The Crisis of Democracy — um relatório para a Comissão Trilateral, sempre uma boa referência para o pensamento da elite. Eles argumentavam que o sistema estava entrando em colapso por um excesso de demanda, por conta de um excesso de democracia.
As corporações abraçaram todas as alternativas para domar os sindicatos presentes na Lei Taft-Hartley, se arriscando apenas a multas nominais do Conselho Nacional de Relações Trabalhistas (NLRB). Elas aumentaram drasticamente os recursos dispensados para vigilância e controle no ambiente de trabalho — uma necessidade, dados os salários estagnados e o aumento das cargas de trabalho.[77] Os salários, como fatia porcentual do valor agregado à produção, decresceram drasticamente desde os anos 1970; todos os aumentos de produtividade do trabalho foram direcionados a lucros e investimentos em vez de salários. Uma nova leva de gastos com a Guerra Fria transferiu ainda mais recursos públicos para a indústria.
Vários eventos, como a queda de Saigon, no Vietnã, o movimento não-aliado e a Nova Ordem Econômica Internacional, foram considerados sinais de que o império corporativo transnacional perdia o controle da situação. A intervenção crescente de Reagan na América Central era uma resposta parcial a essa percepção. Além disso, a Rodada do Uruguai do GATT foi uma vitória total dessa ordem no exato momento em que ela parecia estar derrotada: ela acabou com todas as barreiras ao controle de economias inteiras por corporações transnacionais, estabeleceu o controle ocidental monopolista sobre tecnologias modernas e criou um governo mundial em prol das grandes empresas globais. Enquanto isso, os EUA, nas palavras de Richard K. Moore[78], importavam técnicas de controle social da periferia do império para as áreas centrais. Com ajuda da guerra contra as drogas e do estado de segurança nacional, o aparato repressivo continuou a ganhar força. A guerra contra as drogas transformou a quarta emenda à Constituição dos Estados Unidos em letra morta; o confisco de bens e o uso de informantes dentro das prisões dão à polícia o poder de roubar propriedades das pessoas sem nem mesmo acusações formais — uma fonte lucrativa de financiamento para helicópteros e coletes de kevlar. Times da SWAT têm liderado a militarização das forças policiais no país e o treinamento em conjunto com o exército têm levado muitos departamentos policiais nas metrópoles a encarar as populações locais como povos de territórios ocupados.[79]
Giuffrida, o apadrinhado de Reagan, foi alçado ao cargo de diretor da Agência Federal de Gestão de Emergências (FEMA), onde trabalhou com Oliver North para fazer ajustes à Operação Garden Plot. North, enquanto agente de ligação do Conselho de Segurança Nacional dentro da FEMA de 1982 a 1984, desenvolveu um plano para “suspender a validade da Constituição em casos de grave crise nacional, como uma guerra nuclear, dissidências internas violentas e generalizadas ou oposição nacional a uma invasão militar americana no exterior”.[80] A Operação Garden Plot foi implementada durante as rebeliões em Los Angeles de 1992 e em protestos recentes contra a globalização. A Força Delta — unidade de contraterrorismo do exército dos EUA — trabalhou na inteligência e em consultoria tanto nesses eventos quanto no cerco de Waco, no Texas.[81]
Outra inovação foi a transformação de todas as pessoas com quem lidamos rotineiramente em agentes policiais. Os bancos normalmente reportam movimentações de dinheiro “suspeitas”; com programas para “conhecer seu consumidor”, varejistas relatam as compras de itens que podem ser usados na produção de drogas; as bibliotecas são pressionadas a denunciar leitores de material “subversivo”; programas de resistência ao uso de drogas transformam crianças e adolescentes em informantes da polícia.
A tecnologia da informação aumentou o potencial de vigilância a níveis orwellianos. Ficou provado, por exemplo, que processadores Pentium III incorporavam códigos de identidade em todos os documentos escritos neles. Forças policiais fazem experimentos atualmente que combinam o uso de câmeras em locais públicos, tecnologias de reconhecimento facial e bancos de dados de fotos digitais. A Image Data, uma empresa que estava comprando as fotos das carteiras de motoristas em todos os 50 estados americanos, foi exposta como uma fachada do Serviço Secreto.
Conclusão
É fácil demais citar o comentarista político Bob Novak e o Secretário do Tesouro Paul O’Neill para mais uma pancada, mas eu não consigo resistir. “Luta de classes marxista”? “Retórica dos barões ladrões”? As páginas acima recontam a “luta de classes” empreendida pelos próprios barões contra os trabalhadores. Se esse tipinho tende a grunhir como porcos quando falamos sobre classes, é porque foram colocados contra a parede. Os fatos não mudam. Quais são as implicações dos fatos acima para o nosso movimento? Normalmente se reconhece que a economia senhorial se baseava na força. Embora essa questão jamais vá ser abordada por Milton Friedman, libertários de direita intelectualmente honestos como Murray Rothbard reconhecem o papel do estado na criação do feudalismo europeu e da escravidão americana. Rothbard, tirando as conclusões óbvias desse fato, reconheceu os direitos dos camponeses e escravos de tomarem posse de seus “quarenta acres e uma mula” sem compensação aos donos de terras.
Vimos, porém, que o capitalismo industrial, na mesma medida que o senhorialismo ou a escravidão, foi baseado também no uso da força. Como seus predecessores, o capitalismo não poderia ter sobrevivido sem a intervenção estatal. As medidas coercitivas a cada passo negaram aos trabalhadores acesso ao capital, os forçaram a vender sua força de trabalho em um mercado favorável aos demandantes e protegeu os centros de poder econômico dos riscos do livre mercado. Como afirmou Benjamin Tucker, os proprietários de terras e capitalistas não são capazes de extrair o valor excedente do trabalho sem o auxílio do estado. O trabalhador moderno, como o escravo ou o servo, é continuamente roubado; ele trabalha para uma empresa construída a partir do trabalho roubado no passado. Os mesmos princípios que justificavam a tomada do controle direto no setor agrário justificam que o trabalhador assuma o controle direto da produção e mantenha o produto total do seu trabalho.
Essencialmente, todos os subsídios e privilégios descritos acima são formas de escravidão. A escravidão é simplesmente o uso da coerção para extrair os frutos do trabalho de outra pessoa. Por exemplo, considere o trabalhador que paga R$ 300 por mês por uma droga que custaria R$ 30 em um mercado verdadeiramente livre. Se ele recebe U$ 15 por hora, as dezoito horas que trabalharia todo mês para pagar a diferença são escravidão. Cada hora trabalhada para pagar o valor da usura de cartão de crédito ou de um financiamento habitacional é escravidão. As horas trabalhadas para pagar custos desnecessários de distribuição e marketing (que compõem metade dos preços do varejo), por conta de subsídios à centralização econômica, são escravidão. Toda hora adicional trabalhada por uma pessoa para atender às suas necessidades básicas porque o estado favorece os patrões e a força a vender seu trabalho por menos do que ele vale é escravidão.
Todas essas formas de escravidão combinadas provavelmente equivalem a metade de nossas horas trabalhadas. Se pudéssemos ganhássemos o valor total de nosso trabalho, provavelmente manteríamos nossos níveis atuais de consumo em uma semana de trabalho de vinte horas. Como disse Bill Haywood, para cada pessoa que ganha um dólar pelo qual não teve que suar, outra suou para produzir um dólar que nunca recebeu.
Nossa pesquisa também lança sérias dúvidas a respeito da posição do “anarquista” social-democrata Noam Chomsky, que é conhecido por distinguir entre suas “visões” e seus “objetivos”. Sua visão de longo prazo é a de uma sociedade descentralizada de comunidades e ambientes de trabalho autogestionados organizados em federações interligadas — o velho ideal anarquista. Seu objetivo imediato, contudo, é fortalecer o estado regulatório para que ele acabe com as “concentrações privadas de poder” antes que o anarquismo possa ser alcançado. Mas se, como vimos aqui, o capitalismo depende do estado para sua sobrevivência, segue-se que é suficiente eliminar os sustentáculos estatais do capitalismo. Em uma carta de 4 de setembro de 1867, Engels resumiu perfeitamente a diferença entre os anarquistas e socialistas estatistas: “Eles dizem: ‘Acabemos com o estado e o capital irá para o inferno’. Nós propomos o oposto”. Exatamente.
Notas
[1] HAMMOND e HAMMOND, 1917, p. 27-28, 35-36.
[2] MARX, 1996.
[3] Id.
[4] HOBSBAWM e RUDE, 1993, p. 27.
[5] THOMPSON, 1966, p. 219-220, 358.
[6] MARX, 1996.
[7] Id.
[8] Id.
[9] Id.
[10] SMITH, 1952, p. 61.
[11] Id., p. 60-61.
[12] Id., p. 60.
[13] HAMMOND e HAMMOND, 1917, p. 146.
[14] THOMPSON, 1966, p. 223-224.
[15] SMITH, 1952, p. 61; HAMMOND e HAMMOND, 1917, p. 74.
[16] THOMPSON, 1966, p. 199-202.
[17] HAMMOND e HAMMOND, 1917, p. 123-127.
[18] SMITH, 1952, p. 61.
[19] HAMMOND e HAMMOND, 1917, p. 33-34.
[20] MARGLIN, 1974.
[21] Id.
[22] Id.
[23] THOMPSON, 1966, p. 360.
[24] NOBLE, 1977, p. xi-xii.
[25] HAMMOND e HAMMOND, 1917, p. 72.
[26] Id., p. 80.
[27] Id., p. 91-92.
[28] THOMPSON, 1966.
[29] Id., p. 197-198.
[30] CHOMSKY, 1994.
[31] HARRINGTON, 1976.
[32] GREENE, 1974.
[33] ROBINSON, 1916.
[34] Id., p. 80-81.
[35] ELKIN, s.d.
[36] ELKIN, s.d.
[37] WAKEFIELD, 1914.
[38] DOBB, 1963; MARX, 1996, vol. 1, cap. 33.
[39] GREENSPAN, 1997.
[40] ROTHBARD, 1970a.
[41] RAGHAVAN, 1990, p. 124.
[42] Id., p. 118.
[43] ROTHBARD, 1970a, p. 655, 658-659.
[44] RAGHAVAN, 1990, p. 122.
[45] FTC, 1995.
[46] LEWIS, 1994.
[47] GROVE, 2000.
[48] NOBLE, 1977, p. 90.
[49] Id., p. 10, 16.
[50] RAGHAVAN, 1990, p. 119-120.
[51] PENG, 1990, p. 28.
[52] RAGHAVAN, 1990, p. 39-40.
[53] Id., p. 120, 138.
[54] Id., p 29-30.
[55] Id., p. 96.
[56] CHOMSKY, 1994.
[57] CHOMSKY, 1996, p. 40
[58] MACHAN, 1999.
[59] ENGELS, 1987.
[60] MILLS, 2000, p. 101.
[61] NOBLE, 1984, p. 8-16.
[62] Id., p. 6-7; KOFSKY, 1993.
[63] ROTHBARD, 1970b.
[64] ADAMS e BROCK, 1986, p. 279-281.
[65] Id., p. 278-279.
[66] CHOMSKY, 1992, p. 144
[67] CARNEY, 1995.
[68] ZEPEZAUER e NAIMAN, 1996.
[69] CENSUS BUREAU, 1996.
[70] BARATZ, 1971
[71] ZEPEZAUER e NAIMAN, 1996, p. 122-123.
[72] JUDIS, 1997.
[73] ROTHBARD, 1977, p. 104.
[74] GOLDSTEIN, 1978.
[75] MORALES, 2000.
[76] BOYTE, 1980, p. 13-16.
[77] GORDON, 1996.
[78] Moore, 2000.
[79] WEBER, 1999.
[80] CHARDY, 1987.
[81] ROSENBERG, 2000; COCKBURN, 2000.
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