Desde o início do julgamento de fachada de Bradley Manning ficou patente que o criminoso é o estado, não o Pfc. Manning. Apesar disso, o denunciante via Wikileaks acaba de ser sentenciado a 35 anos de prisão.
Manning está sendo punido por expor crimes do governo, mais famosamente soldados dos Estados Unidos atingindo civis inocentes, inclusive dois jornalistas da Reuters, no vídeo Assassínio Colateral. As revelações de Manning também lançaram luz sobre o que os Jornais McClatchy chamaram de “evidência de que soldados dos Estados Unidos executaram pelo menos 10 civis iraquianos, inclusive mulher na casa dos 70 anos e criança de 5 anos, e em seguida requisitaram ataque aéreo para destruir a evidência.” A indignação causada pela revelação desse brutal crime de guerraajudou a encerrar a ocupação do Iraque pelos Estados Unidos.
Depois de Manning ter exposto esses e incontáveis outros crimes do governo, os perpetradores deveriam ter sido chamados a responder por seus atos. Não o foram. Em vez disso, o estado lançou-se a uma série de crimes contra o Soldado Manning.
Talvez o mais abominável desses crimes seja a tortura. O denunciante acusado foi mantido em confinamento solitário durante meses a fio antes do julgamento. O relator especial das Nações Unidas para tortura Juan Mendez conduziu investigação de 14 meses relativa a essa detenção abusiva. Mendez explicou suas conclusões ao the Guardian como segue:
Concluo que os 11 meses em condições de confinamento solitário (independentemente do nome dado a esse regime pelas autoridades prisionais) constitui no mínimo tratamento cruel, desumano e degradante que viola o artigo 16 da convenção contra tortura. Se os efeitos em termos de dor e sofrimento infligidos a Manning fossem mais severos, poderiam constituir tortura.
Mendez não está só em considerar confinamento solitário de longo prazo como tortura. Por exemplo, John McCain escreveu que a solitária “esmaga o espírito da pessoa e debilita sua resistência mais eficazmente do que qualquer outra forma de tratamento.”
Por que, contudo, foi Manning torturado durante meses a fio antes do julgamento? Alguns observadores, tais como o advogado de direitos humanos Michael Ratner, especulam que a instituição militar torturou Manning a fim de pressionar o denunciante a testemunhar contra o Wikileaks e Julian Assange. Torturar um denunciante a fim de implicar uma organização jornalística é desprezível.
Há porém outro motivo provável por trás da tortura: a identidade de gênero de Manning. De acordo com recente artigo em Jacobin:
Manning foi torturado em parte por ter assinado algumas cartas a partir do calabouço como “Breanna Elizabeth.” O Sargento Master do Corpo de Marines Craig Blenis defendeu sua própria crueldade numa audiência pré-julgamento em dezembro. Coombs perguntou por que o marine achava que a disforia de gênero de Manning deveria ser levada em conta para efeito da condição de “prevenção de danos corporais.”Blenis respondeu que porque “isso não é normal, senhor.”
Assim, a tortura do Pfc. Manning não foi apenas crime, e sim crime de ódio. Isso é o que o estado pensa de pessoas transgenéricas, que está certo torturá-las porque elas “não são normais.”
Esse tipo de tortura acontece em clausuras nos Estados Unidos. As pessoas transgenéricas sãodesproporcionalmente encarceradas neste país. Ao serem enclausuradas, são amiúde acomodadas com base em seu sexo atribuído no nascimento, não em sua identidade de gênero. Essa acomodação, particulamente de mulheres trans em prisões de homens, sujeita-as a assédio, intolerância, abuso, e estupro. Em reação a esses riscos, elas são amiúde colocadas em solitária para sua própria “proteção.” O governo dos Estados Unidos tortura prisioneiros transgenéricos por eles serem o tipo de gente que são, e o Pfc. Manning é uma das vítimas desse crime institucionalizado de ódio.
E pelos próximos 35 anos o estado enclausurará o Pfc. Manning e provavelmente continuará a infligir tortura e abuso ao denunciante. Enquanto isso, os criminosos de guerra e torturadores que esse herói expôs continuarão impunes. Isso é o que faz o sistema de “justiça” do estado. Usa força brutal contra aqueles que expõem criminosos poderosos, isentando assim tais criminosos de responderem por seus atos.
Artigo original afixado por Nathan Goodman em 21 de agosto de 2013.
Traduzido do inglês por Murilo Otávio Rodrigues Paes Leme.