Aqueles que veem o poder governamental e o poder corporativo como conflitantes e aqueles que veem os dois como simbióticos, tem cada um, um ponto. A aliança entre o governo e a elite corporativa é parecida com a parceria entre a igreja e o estado na Idade Média: cada um quer ser o parceiro dominante, então, naturalmente há alguns tapas e brigas de tempos em tempos; entretanto, as duas partes têm um interesse comum maior: dominar o resto da população, o que faz com que o conflito não se alongue muito.
A principal diferença entre as versões de estatismo de “esquerda” e de “direita”, creio eu, é que o primeiro geralmente procura desviar o equilíbrio um pouco mais em favor do Estado (i.e., na direção do socialismo de estado), enquanto o último geralmente procura desviar o equilíbrio um pouco mais em favor do corporativismo e da plutocracia. (Nos EUA, as versões do progressismo e do conservadorismo que imperam são possivelmente ambas mais corporativistas que o socialismo de Estado; mas os progressistas continuam alguns passos à frente dos conservadores em direção ao socialismo de estado.)
A aplicação real do poder estatal não leva em consideração se a elite que irá se beneficiar dele está dentro ou fora do aparato do estado. Por isso, é um erro supor que a versão corporativista-plutocrática do estatismo é em qualquer sentido menos estatista que a versão do socialismo de estado.
Mas é um erro demasiadamente comum – e essa tendência de subestimar o abismo que existe entre um livre mercado e o corporativismo apenas beneficia o estado, já que ela esconde uma isca ardilosa.
Quando livre mercado e concessões governamentais de privilégios às empresas são misturados, aqueles que são atraídos pelo livre mercado são facilmente cooptados à defenderem plutocracia, assim, engrossando as fileiras do estatismo de direita – enquanto que aqueles que combatem a plutocracia são, similarmente, facilmente cooptados à se oporem ao livre mercado, desta forma, engrossando as fileiras do estatismo de esquerda. (Essas são as duas tendências que Kevin Carson chama de “libertarianismo vulgar” e “progressismo vulgar”, respectivamente.)
Tal como um dos vilões de A Nascente explica em um momento de franqueza ao falar sobre a escolha que a Europa estava enfrentando entre o comunismo e o fascismo:
“Se você está cansado de uma versão, nós empurramos para outra. Nós arrumamos a moeda. Cara – coletivismo. Coroa – coletivismo. Renuncie sua alma para um concelho – ou renuncie-o para um líder. Mas renuncie-o, renuncie-o, renuncie-o. Ofereça veneno como alimento e veneno como antídoto. Use belos ornamentos, mas insista no objetivo principal.”
O conflito grandemente (porém não completamente) ilusório entre Palpatine, orientado na direção do Estado, e Dooku, orientado na direção das corporações, nas prequels de Star Wars é uma boa dramatização do mesmo princípio.
Essa dinâmica se aplica em particular ao debate acerca dos sistemas de saúde. O contraste entre os sistemas canadense e americano é frequentemente descrito – por ambos os lados – como um contraste entre um sistema “governamental” ou “socializado” de um lado e um sistema “baseado no mercado” ou “de livre iniciativa” no outro. Mas o sistema médico americano carrega poucas semelhanças com um livre mercado; em vez disso, ele representa uma intervenção massiva do governo em favor de interesses privados, indo das seguradoras até o establishment médico. A escolha entre o modelo americano e o canadense é simplesmente uma escolha entre dois sabores diferentes de estatismo – cada um com vícios ligeiramente diferentes, é verdade (p.e., você prefere preços mais altos ou esperas mais longas?), mas, por fim, é uma escolha da porcentagem de controle sobre seu tratamento médico exercido por pessoas sentadas em escritórios do governo contra um controle a ser exercido por pessoas sentadas em escritórios “privados” com privilégios garantidos pelo governo – que de qualquer forma são burocratas ambiciosos e avarentos que não são você.
Então como seria uma abordagem libertária para o setor de saúde? No mínimo ela deveria incluir:
- Acabar com leis que cartelizam a indústria médica (p.e., o monopólio de certificações concedido à American Medical Association), portanto, aumentando artificialmente o custo da assistência médica;
- Acabar com leis que tornam o mercado de trabalho oligopsonista, que diminuem artificialmente a possibilidade das pessoas pagarem por (e negociarem coletivamente por) assistência médica.
- Acabar com leis que deslocam fundos à assistência médica dos 25% devorados pelas despesas do setor voluntário para os 75% devorados pelas despesas do setor coercitivo, portanto, diminuindo a quantia de assistência que chega até os destinatários necessitados;
- Acabar com leis que transferem o poder de fazer decisões médicas dos indivíduos para órgãos centralizados, portanto, aumentando o impacto e o escopo de más decisões fatais e suprimindo os sinais competitivos que permitem a identificação de políticas melhores e piores;
- Acabar com leis que eliminaram as antigas sociedades fraternais (basicamente organizações de manutenção da saúde controlados pelos pacientes em vez de corporações) e deram poder a seguradoras às custas dos pacientes;
- Acabar com leis que suprimem a inovação e distribuição na indústria farmacêutical, como por exemplo as de “Proteção Intelectual”.
Até o improvável dia quando a direita abraçar esse programa, não daremos mais ouvidos a sua suposta defesa do livre mercado na área médica.
// Tradução de Lucas Senra. Revisão de Ivanildo Terceiro | Artigo original