Direitistas como David Brooks e o ex-embaixador junto às Nações Unidas John Bolton estão, previsivelmente, ficando possessos a propósito de Edward Snowden — não apenas a propósito dos vazamentos dele, mas de tudo o que ele representa para a sociedade com a qual eles se identificam. Ao decidir unilateralmente vazar documentos, escreve Brooks (“O Vazador Solitário,” NYT, 10 de junho), Snowden traiu o “respeito pelas instituições e o apreço pelos procedimentos comuns” indispensáveis “para a sociedade funcionar bem.” E Bolton denuncia (“Bolton: O Vazador da Agência de Segurança Nacional – NSA é Culpado de Traição (entrevista),” 89 WLS 10 de junho) como “a pior forma de traição” a alegada crença de Snowden de ele ser “mais inteligente e ter moralidade mais elevada do que o resto de nós … e poder ver mais claramente do que outros 299.999.999 de nós, e portanto poder fazer o que desejar.”
Brooks e Bolton que fiquem perdendo tempo aí agarrados em suas pérolas. Essa coisa terá longo alcance. Não é acidente tantos vazadores e hackers que apareceram com preeminência no noticiário nos anos recentes — como Chelsea Manning, Aaron Swartz, Jeremy Hammond e Edward Snowden — estarem na casa dos vinte. Também não é acidente que o público estadunidense esteja tão polarizado em termos de idade em suas atitudes em relação a Snowden. Entre as pessoas mais velhas, aquelas que veem Snowden como heroi são grandemente superadas em número por aquelas que o consideram traidor. No caso de pessoas com menos de 35 anos, porém, as proporções se invertem: 70 por cento das pessoas entre 18 a 34 anos acreditam que Snowden “fez boa coisa.”
O motivo é a geração mais jovem, na maioria, ter atingido a idade adulta com atitude fundamentalmente diferente, em relação à autoridade e às regras institucionais, da de seus pais — quanto mais da de seus avós. E cresceram com atitude extremamente diferente em relação a liberdade de informação e transparência.
Embora o contrato de “Capitalismo de Consenso” pós-guerra estivesse já começando a erodir quando os nascidos no Surto de Natalidade do pós-guerra atingiram a idade adulta, as pessoas da idade de Bolton e mais velhas do que ele atingiram a idade adulta no prolongado arrebol de uma cultura na qual a expectativa era a de que (para os brancos da classe média, pelo menos) se você fosse leal à instituição, ela cuidaria de você. Isso significava que quarenta anos de emprego na mesma empresa era a norma esperada para a maioria dos trabalhadores de escritório e braçais/industriais, podendo os trabalhadores braçais/industriais nutrir expectativa de aumentos de salário baseados em produtividade, ao lado de segurança no emprego. O assim chamado apoio Capacete de Segurança ao Vietnã e ao estado de segurança, em qualquer medida em que tenha sido real, refletia essa lealdade às instituições que haviam “cuidado de seus funcionários.”
Não é o que acontece com a presente geração. Esta atingiu a idade adulta num ambiente no qual já é esperado que os empregadores institucionais, governamentais ou corporativos, façam com ela o que der para fazer desde que consigam se safar depois de fazê-lo, e em seguida dispensá-la uma vez fartos. Recém-formados podem passar anos em estágios não pagos morando com os pais, e em seguida despender toda uma vida trabalhando por meio de agências de emprego temporário ou mediante contratos por projeto. Essa última modalidade foi a que Snowden adotou. Essas pessoas não são cínicas — apenas realistas. O salário e benefícios que elas obtêm das instituições que as veem como papel higiênico com penacho simplesmente não são o bastante para alugar — menos ainda para comprar — os 1600 centímetros cúbicos internos a seus crânios. Elas não nutrem nenhuma ilusão de que serão cuidadas. E se lealdade for o preço da lealdade, elas devem a seus empregadores necas de pitibiriba.
O percentual de pessoas com menos de 35 anos que acha que Snowden fez boa coisa é cerca do mesmo percentual de pessoas jovens que, a despeito de anos de propaganda “anti-songlifting” [contra o download ilegal de música] nas escolas e faculdades públicas, aceitam o file-sharing [compartilhamento de arquivos] e a liberdade de informação como parte normal da vida.
Não são pessoas que acreditam que “as regras” que governam as instituições são feitas para benefício de “todos nós,” ou que a informação é sigilosa por algum bom motivo. São pessoas que acreditam que aqueles no poder as explorarão sem pensar duas vezes, e que o sigilo existe principalmente para esconder as sujeiras que aqueles em posição de autoridade estão fazendo.
Acontece que o sistema inteiro depende da presente geração para seu trabalho de base. O modelo pós-industrial, informacional do capitalismo corporativo depende fortemente do que McKenzie Wark chamou de “Classe Hacker.” Até em instituições autoritárias como a Agência de Segurança Nacional – NSA as baias estão eivadas do tipo de gente que, como Snowden, colocaria adesivos da Fundação da Fronteira Eletrônica em seus laptops. A Classe Hacker é governada, em grande parte, por seu próprio conjunto de mores, correspondentes, em grande parte, ao “Etos Hacker” de Pekka Himmanen. Que inclui forte desejo de autonomia, obscurecimento das linhas entre trabalho e divertimento, crença em que um “bom hack” é sua própria recompensa, e forte ressentimento em relação a interferência da parte de chefes incompetentes.
Portanto, podemos esperar mais vazamentos em escala Manning e Snowden nos anos por vir, e muito mais coleta de informação mediante uso da internet da escala de HB Gary e Stratfor. O sistema está criando seus próprios coveiros.
Dois, Três, Muitos Snowdens!
Artigo original afixado por Kevin Carson em 24 de setembro de 2013.
Traduzido do inglês por Murilo Otávio Rodrigues Paes Leme.