Por William Gillis. Artigo original: From Stirner to Mussolini, de 28 de março 2022. Traduzido para o português por Nico.
Resenha: The Anarchist-Individualist Origins of Italian Fascism
Em 1910 Luigi Fabbri e Arnaldo Borghi sequestraram uma mulher anarquista que envergonhou um amigo de ambos, ao divorciá-lo. Juntos, eles a forçaram a um exame ginecológico para que o médico publicamente a declarasse deformada e sexualmente incapaz.
Todos os três eram proeminentes líderes na cena anarquista italiana e envolvidos em atividades criminosas. Apesar de ter sido sequestrada, medicamente estuprada, e publicamente difamada por seus rivais do mesmo círculo, quando os policias os capturaram por publicar artigos contra a guerra, Maria Rygier se recusou a entregá-los e tentou assumir toda a responsabilidade. Ela foi sentenciada a três anos de prisão, onde foi mais uma vez medicamente estuprada, dessa vez por representantes do estado.
Desencantada com os patriarcas da cena anarquista e buscando por apoio de dissidentes dentro do movimento, após ser liberta Rygier juntou-se ao proeminente stirniano, Massimo Rocca. Mas se você está esperando por uma triunfante vingança de individualistas desfavorecidos contra patriarcas estupradores, nessa história isso não acontece. Apesar de suas origens no movimento anarquista, Rygier e Rocca viriam a desempenhar papéis centrais na emergência e no estabelecimento do fascismo. Muitos de seus seguidores se juntariam aos fascistas, com um deles, Leandro Arpinati, chegando mesmo ao status de “segundo Duce”, atrás somente de Mussolini, em termos de popularidade e poder.
O obscuro livro de Stephen B. Whitaker, The Anarchist-Individualist Origins of Italian Fascism, tem sido citado ocasionalmente por comunistas reacionários para atacar o anarquismo e o individualismo. Apesar de suas interpretações de má-fé, o título do livro não deveria ser lido como um ataque culpando o anarquismo individualista a ascensão do fascismo, ele meramente foca em uma arena ideológica específica entre muitas outras (como sindicalismo e comunismo) onde fascistas fincaram raízes e que contribuiu para criar os princípios da ideologia fascista. Existem inúmeras origens do fascismo. Whitaker deixa isso evidente desde o início, “Eu acredito que a influência intelectual [do anarquismo] sobre o fascismo é mínima”, por outro lado, certas leituras de Stirner e certas correntes marginais no movimento anarquista, “soam bastante influentes”. Ninguém deveria entender influência como culpa causal, ainda assim, ao mesmo tempo, os pontos de sobreposição social e mutações de uma corrente ideológica podem ser críticas para o entendimento da ascensão inicial do fascismo e contínuos pontos fracos de entrismo ainda hoje.
Whitaker não é particularmente hostil ao anarquismo ou suas correntes individualistas, mas, ao mesmo tempo, é nitidamente bastante ignorante a seu respeito; seu entendimento do anarquismo como filosofia parece derivar inteiramente por leituras de George Woodcock, Max Stirner, e um par de liberais ignorantes comentando relatórios de ciência política tentando categorizar o anarquismo dentro de seus modelos discursivos. (Mais sobre como ele assassina Stirner em breve.) Como resultado, inevitavelmente suas contextualizações ideológicas também acabam prejudicadas. Mas Whitaker também parece ser um historiador sincero e seu livro continua servindo como uma arca de referências de entrevistas, cartas, e artigos que não se encontram traduzidos em inglês em nenhum outro lugar. É claro que eu não sou fluente em italiano, e fui limitado pelo quando pude verificar via google e outras fontes, mas juntas as fontes do livro revelam uma cena anarquista profundamente disfuncional, enfraquecida por personalidades tóxicas, patriarcas poderosos, e posições edgelords horríveis que são infelizmente bastante fáceis de ser ver paralelos contemporâneos.
Novamente, devo enfatizar que relatos históricos especializados podem e já foram escritos sobre os paralelos da origem do fascismo com círculos liberais, comunistas e conservadores. A questão a ser investigada por anarquistas antifascistas é o que podemos aprender com isso?
A posição defensiva mais comum é de que todo tipo de pessoa pode se voltar ao reacionarismo. Se o fascismo pode ganhar seguidores de todas as ideologias isso só mostra quantas conversões existem em motivações não-ideológicas e pré-ideológicas. Mas essa é uma defesa evidentemente espúria. Anarquismo, Comunismo, e Liberalismo têm ganho proponentes dentre todas as ideologias de baixo do sol, incluindo as fileiras fascistas. Isso não significa que não existem coisas específicas que possam ser ditas, dinâmicas específicas ou tendências que podem ser analisadas, sobre como uma ideologia específica normalmente ganha seguidores de outra ideologia específica, em que nível é bem-sucedida, e através de quais argumentos ou dinâmicas conceituais. Além disso, as ideologias e os movimentos não são homogêneos e o fato do anarquismo, o comunismo e o liberalismo poderem ter, cada um deles, ângulos ou modelos de fracasso particularmente propícios à corrupção de formas específicas, torna ainda mais imperativo examiná-los em vez de varrer tudo para debaixo do tapete.
Nada é mais inane e anti-individualista do que um coleguismo defensivo. Por que deveria importar o mínimo se um comunista ou lieral tentar utilizar factóides sobre anarquistas individualistas que se uniram ao fascismo como algum tipo de arma retórica contra nós? Por que deveríamos nos importamos mais com o que liberais ou comunistas pensam do que nos importamos sobre descobrir a verdade sobre nós mesmos?
O relato histórico de Whitaker sobre quatro indivíduos; Massimo Rocca, Maria Rygier, Torquato Nanni (um político socialista com algumas inclinações anarquistas), e Leonardo Arpinati; e traça suas trajetórias pessoais ao redor e através da cena anarquista e começo do movimento fascista. É importante notar que cada uma dessas figuras teve um relacionamento tortuoso com o fascismo conforme ele se desenvolvia e finalmente rejeitaram certos avanços, mas também é importante notar que suas objeções não eram baseadas em nada como princípios anarquistas. Esses não eram híbridos de anarquismo e fascismo, mas verdadeiros fascistas, mesmo que ocupassem sub posições contenciosas dentro do fascismo. E tristemente eles não eram loucos isolados, mas indivíduos importantes e influentes com apoiadores. Rocca e Rygier eram vozes anarquistas respeitadas e publicadas internacionalmente, Arpinati serviu como Subsecretário do Ministro do interior onde conseguiu seu título de “segundo Duce do fascismo”. Rocca influenciou Mussolini em seu pivô para um socialismo pró guerra. Todos eram amigos de Mussolini.
Enquanto suas razões e argumentos individuais variassem de alguma forma, no geral havia uma subseção na cena do anarquismo egoísta na Itália que abraçou a participação na Primeira Guerra Mundial e usaram suas publicações e capacidade de distribuição clandestina para atrapalhar a esquerda italiana e fortalecer Mussolini como um campeão. Parcialmente como resultado dessa defecção das editoras individualistas e distros, entre 1915 e 1920 nenhuma publicação anarquista de relevância foi publicada na Bolonha. Essa virada ao belicismo foi uma conjunção da fetichização da violência entre alguns individualistas e uma ampla percepção populista da Itália como uma nação pobre se revoltando contra os ricos através do meio do conflito nacional, em sessões da Esquerda (especialmente entre sindicalistas). Nietzsche e Stirner foram misturados e citados de forma solta, usados para defender um elitismo arrogante do ubermensch enquanto o carisma da militância trouxe prestígio e seguidores.
Em alguns casos as mutações e contorcionismos eram nitidamente desonestas e oportunistas, o resultado de tipos específicos de personalidades problemáticas que infelizmente encontraram espaço neste meio, mas em muitos caos parece que certas formulações dão origem a si mesmas.
É válido nos determos sobre os indivíduos que Whitaker acompanha, no mínimo, pelo fato que há tão pouco sobre eles em inglês.
O mais relevante para uma autópsia ideológica, na minha opinião, é Massimo Rocca (que usava o pseudônimo Libero Tancredi enquanto se identificava como anarquista mas voltou a usar seu nome legal quando aderiu ao fascismo). As raízes desse cuzão como ideólogo anarquista são afiadas e coloridas, e mostra suas diferenças da cena anarquista tradicional.
“Em 1905, Rocca se mudou para Milão para se tornar editor da Li Grido della folla. Sob sua liderança o jornal começou a assumir um tom mais beligerante, exaltando violência regenerativa e caos; se referindo a dinamite como ‘sagrada’; e, condenando direitos legais básicos, apoio humanitário, e ética. … Ele e outros como ele distribuíram panfletos e colaram cartazes que falavam de revolução contra o ‘mito da evolução na sociedade, naturalismo na ciência, a fé ingênua da sociedade no progresso’”.
Rocca foi expulso do il Grido della folla e deixou Milão, a terra naaal do anarquismo individualista na Itália, para Roma para fundar o Il Novatore anarchico.
“No congresso anarquista de 1906 em Monino, próximo a Roma, apoiadores do jornal de Rocca, o navatoriani, iniciaram uma grande briga durante a qual foram disparados tiros de pistola e ao menos uma pessoa sofreu ferimentos a faca.”
O navatori declarou que “uma guerra hoje é mais fatal para a burguesia do que para o proletariado e é uma ocasião favorável para o começo de uma revolução”. E Rocca declarou que “o anarquismo no verdadeiro sentido da palavra, é a revolta do ego contra o altruísmo” (Abele Rizeri Ferrari, que um pouco mais tarde viria a ser conhecida pelo pseudônimo “Renzo Novatore”, na época com 16 anos; Rocca mais velho, tinha apenas 22).
Apesar de Rocca ter seguidores militantes dentro da cena, entrou em graves conflitos com outros individualistas (um grupo muito mais diverso, incluindo muitos extremamente altruístas e focados na moralidade) e foi acusado de saquear os bens do jornal da Juventude Libertária de Roma para encher os cofres do Il Novatore. Esse era, pra dizer o mínimo, um padrão constante.
“ele convencia colegas anarquistas a pagar por suas refeições na cantina local, os atacando com fragmentos de sua lógica stirniana-nietzchiana como ‘Você paga pelo meu almoço pois é fraco. Eu por outro lado, sou forte’”.
Quando uma revolta sobre seu cretinice geral chegou a um certo nível, Rocca fugiu da cidade, se mudando para os EUA, onde continuou a publicar Il Navatore. Suas visões populares de uma minoria rebelde da elite, uma aristocracia libertariana, buscando elevar a si mesma lentamente foi se modificando, com a raça italiana aos poucos preenchendo esse papel dessa minoria no palco global. De forma semelhante, como aponta Whitaker, ele clama para que as pessoas
“abandonem o intelecto e foquem no instinto que, de acordo com Rocca leva as pessoas a pensarem a si mesmas como Eus Únicos, para reverter para seus estados mais ‘naturais’, rejeitando estruturas abstratas do intelecto.”
Essa leitura de Stirner como uma rejeição da razão pela natureza/instinto não era a única posição polêmica que ele vinha cozinhando. Alcançada a união de egos, Rocca especulava, exigiria a conceopção de uma brutal guerra de todos contra todos, com eventuais sobreviventes encontrariam a si mesmos em um detido balanço entre si. Por tanto: egoísmo cínico e violência (mesmo por parte de conservadores e do estado) seria sempre bom pois levaria em direção a ruptura da sociedade.
E finalmente, uma cisão final se abriu: Rocca acreditava fervorosamente que a moralidade é um espectro, e humanitarismo ou altruísmo, particularmente insidiosos, mas lutou com as inevitáveis críticas que podem ser direcionadas a posição que qualquer um tome (como a rejeição do altruísmo) constituiria em si em moralidade. Assim, Rocca finalmente veio a aceitar que a melhor forma de esmagar a mais repugnante moralidade seria substituí-la com uma moralidade explicita e conscientemente falsa e vazia. Humanitarismo seria muito potente e perpetuamente re emergente como um espectro, a única maneira de esmagá-lo seria substituí-lo com um dever cego, com a irracionalidade da obediência a vontade coletiva seria o melhor escape possível ao pensamento espectral. O nacionalismo seria portanto uma ferramenta útil para supressão do intelecto e retorno ao instinto/natureza.
Se isso te soa severo de mais para gerar qualquer reação exceto rir, considere as dezenas de milhares que louvaram Trump sinceramente por conta de suas obvias mentiras por serem evidentes mentiras. Certas correntes preguiçosas da filosofia, as vezes argumentam que a razão seria tirania pois é uma força avassaladora que absorve tudo e é praticamente inescapável em nossas mentes. A compulsão que argumentos racionais exercem sobre nós é totalmente única e portanto injusta. Através da razão nós não somos apenas forçados em um único caminho, nós somos forçados da forma mais íntima e mentalmente exigente possível. A razão, uma vez que crave seus dentes sobre nós, nunca mais nos solta, nunca nos permite um momento de descanso, ao invés disso floresce em espirais que se auto reforçam e consomem nossas mentes. Stirner usa a frase “domínio do pensamento absoluto” É fácil entender como a razão reforça a si mesma. Dúvida, curiosidade e interesse em chegar a uma resposta reforçam a si mesmos; uma pequena investigação mostra como mais investigações são necessárias. Muitos de nós abraçamos isso e vemos tal reflexão e vigilância com o próprio núcleo da agência e da liberdade. Mas na linguagem de Stirner, o “trabalho do pensamento” é um espectro santificado que “desvirtua as pessoas aos escrúpulos e a deliberação” É claro que existem muitas formas de ler as passagens de Stirner sobre “pensamento” como em si uma ideia fixa e poucas delas se parecem mesmo de longe com uma aprovação a fuga de Rocca. Ainda assim, é verdade que muitos sentem um certo tipo de libertação da tirania da responsabilidade e diligência quando adotam uma mentira autoconsciente. Todos os dias você renova sua dedicação a mentira, sua natureza descarada é inescapável e te lembra de sua rejeição consciente aos escrúpulos. Escapar da “tirania do pensamento” de volta para o instinto não é tarefa fácil e Rocca acreditava que teria encontrado um caminho. Que mal faria um pouco de autoritarismo absoluto se te permitir a “liberdade” de transformar seu cérebro em gelatina?
E é claro, quem lideraria e sentaria no topo desta besta autoritária se não os rebeldes da elite, os verdadeiros eus únicos:
“É útil notar a diferença entre rebeldes único e a grande massa de subversivos. É necessário distinguir entre aqueles que sabem serem únicos… Esses são os únicos que tem o direito de não obedecer à lei. Os outros… merecem a intervenção da coerção social para forçá-los a se submeterem as consequências ou responsabilidades de suas ações, as quais eles não sabem como assumir livremente,”
Foi com essa linguagem de elites que Rocca foi capaz de se tornar palatável para as forças existentes da direita conforme fazia seu pivô político. O que antes tinha sido uma aristocracia moral ou rebelde de insurrecionários iluminados podia se conectar com narrativas auto legitimantes da aristocracia que já estava no poder. Dessa forma a retórica escandalosamente militante e revolucionária da esquerda poderia ser reembalada de formas que a direita poderia adotar. Esse é possivelmente um dos aspectos mais centrais do fascismo que o distingue da mera reação militante ou do hipernacionalismo: a paligênese. Fascismo não é apenas a adoção da hierarquia e do poder bruto, uma rejeição ao modernismo ou ao projeto iluminista, um encolhimento da empatia e uma preocupação apenas com seu “eu único”; ele sobrecarrega forças reacionárias existentes ao entregar a elas um projeto revolucionário. Não mais apenas pálidos defensores do status quo, reacionários finalmente podiam sonhar sobre sua própria ruptura violenta para um futuro fantástico.
É importante enfatizar que, apesar de ser um completo cuzão cujas ações em benefício próprio repetidamente queimaram pontes e cuja ideologia foi tão tóxica quanto era possível, Rocca não era um lunático marginalizado ou isolado mas uma figura proeminente no movimento anarquista, que fez falas e contribuiu para inúmeros jornais e tinha uma base militante de amigos e seguidores. Rocca e Rygier existiam ao lado de Fabbri e Borghi numa lista restrita de intelectuais anarquistas que debatiam publicamente, mobilizavam seguidores, e cujas palavras chegavam a toda Itália.
O fato de que suas distros/jornais eram bastante ativos e que atraíam multidões e oportunidades de debates foi amplamente obscurecido por anarquistas que, desde o princípio, enfatizaram o (também válido) grau em que esses idiotas eram marginais. Um bom exemplo do começo desta linguagem os minimizando pode ser encontrada no divertidíssimo Living Like Nomads: The Milanese Anarchist Movement Before Fascism de Fausto Butta, onde ele cita Luigi Molinari,
“É hora de encerrar essa mentira oportunista de que um número considerável de anarquistas apoia a guerra… Quem são, então, esses anarquistas? Maria Rygier e Libero Tancredi! A primeira não representa ninguém exceto a si mesma; ela é livre para contradizer seu passado nobre e abandonar os proletários aos quais inspirou ao antimilitarismo, a sua própria sorte. O segundo nunca foi anarquista, em termos científicos. Seu anarquismo na verdade é sinônimo de caos, e nesse sentido ele certamente concorda com a burguesia dos jornais, com os quais ele sempre contribuiu e aos quais presta serviço.”
Mas, enquanto é verdade que a imensa maioria do movimento anarquista italiano (incluindo individualistas) se alinharam com Malatesta contra a guerra, é difícil dizer que Rygier e Rocca não possuíam seguidores ou compatriotas. Escritos individualistas proeminentes como Oberdan Gigli e Mario Gioda se uniram aos anarquistas pró-guerra e essa corrente tinha seu próprio jornal, La Guerra Sociale (cujo diretor Edoardo Maluardi também foi do anarquismo individualista ao fascimo).
Rocca eventualmente se afastaria tanto a ponto de repetidamente ser atacado e hospitalizado por anarquistas, mas é um testamento a sua influência que ele continuou a ser convidado a dar falas em encontros anarquistas, mesmo enquanto seu círculo era cada vez mais evitado socialmente.
Quando os fascios foram fundados Rocca foi um dos membros fundadores em Roma, e conseguiu se tornar um proponente de uma economia orientada pelo fascismo. Os problemas de Rocca com os quadros fascistas vieram de seu destacado elitismo. Ele liderou uma facção que acreditava que fascistas (não sua base mais ampla de apoiadores) seriam uma elite nietzschiana que deveria eliminar todas as outras formas de poder político, desdenhando a classe média não mobilizada que somente apoiava os fascistas invés de participarem de suas brigas nas ruas. Isso, certamente, não era uma posição política oportuna para Mussolini, então Rocca foi expulso em 1924. Ele continuou a defender essa mesma linha e foi denunciado como “antifascista” por isso. Mas mesmo exilado na França em 1926 ele continuou a defender o retorno de Mussolini ao “verdadeiro fascismo” e a tomar mais poder das verdadeiras elites, escrevendo inúmeros livros fascistas, resmungando sobre como de fato antifascistas locais o isolaram, e trabalhando como informante pago pela polícia secreta fascista durante a ocupação da França.
Em contraste ao arco do anarquismo individualista de Rocca está o socialista Tirquatto Nani, um dos muitos, muitos, muitos socialistas estatistas que seguiram Mussolini ao fascismo, embora ele fosse de muitas formas, mais próximo aos círculos anarquistas.
Nanni começou como um fervoroso militante anticlerical e líder socialista na fronteira da Romagna e Toscana que possuía fortes alianças com anarquistas, especialmente Arpinati. As políticas de Nanny são muito mais complexas e há mesmo motivos para disputar sua inclusão em um livro sobre anarquistas individualistas, afinal ele participava do Partido Socialista e chegou a ser prefeito em exercício, mesmo que ele não fosse o maior fã do partido. Ela foi um entusiástico apoiador da revolução bolchevique por esperar democracia direta horizontal. Esse era um homem com amizades com convictos não-individualistas como Fabbri e Borghi em um período quando Rocca e eventualmente Rygier estavam brigando com eles. Whitaker foca em suas afinidades com anarquistas individualistas, mas eu acredito que seja importante explicitar quão complexa era a situação.
É verdade que Nanni interpretava o socialismo como uma fé individual de uma nobre e seleta elite, era hostil ao reformismo do partido e via valor no socialismo na “crítica, desintegração, e ofensiva”, mas tudo isso considerado, ele soa mais como um moderno seguidor de Bookchin, ou mesmo um comunista dos conselhos, mais que qualquer coisa próxima ao anarquismo individualista. Sua fixação com a democracia direta e a Comuna de Paris dificilmente são as marcas do anarquismo individualista. De fato, como mencionado, ele se tornou prefeito de Santa Sofia com o objetivo de transforar a região administrativa em um verdadeiro conselho de trabalhadores.
Nanni, muito mais militante do que reformista, apesar de ter assumido cargo público, estava basicamente em conflito com o Partido Socialista durante a crise sobre “intervencionismo” na primeira guerra mundial, mas voltou ao partido em 1918 mais inspirado pelos Bolcheviques do que pela cruzada pela guerra cada vez mais condenada de Mussolini. Ainda assim na ocupação de setembro de 1919 de Fiume, ele se voltou para sua profunda aliança com Mussolini. Não pouco motivado pelo fato de Nanni buscar uma revolução, qualquer revolução. Ele se tornou cada vez mais convencido que os socialistas italianos simplesmente não teriam a sanguinolência necessária para uma revolução tão bem-sucedida quanto a dos bolcheviques, e os fascistas teriam essa sede de sangue.
Essa é uma característica comum entre todos os personagens aqui, e se tornou uma popular moeda de troca através dos campos ideológicos da Itália daqueles tempos. O infame sindicalista Georges Sorel, não devemos esquecer, saltou de louvar Lênin para Mussolini, pois ei, ao menos os fascistas estavam mobilizados para a violência. A recorrente valorização da militância pela militância, da violência como meio imediatista ou irracionalista meios sem fins, confluiu ao mesmo tempo com uma fome apocalíptica por uma revolução que rompesse a ordem vigente, não importando quem fosse necessário para que isso acontecesse. Todas as figuras que Whitaker cobre foram influenciadas por essa combinação. É algo, triste, e bastante temporal. Nacional bolcheviques e eco fascistas hoje continuam a manipular o mesmo tipo de argumento, “Vou me aliar com qualquer um que queira seriamente destruir O Sistema Ruim e preparado para ação, tudo mais é uma distração”. Seja o capitalismo ou a civilização que sejam vistos como o ur-inimigo que devemos nos focar estreitamente em derrotar sob qualquer custo, a infiltração fascista ganha velocidade total. No mesmo tipo de conjunção paradoxal de imediatismo irracionalista com instrumentalismo revolucionário. Nós vemos o mesmo com pessoas querendo a colaboração com boogaloos enquanto defendem que “antifascismo é apenas liberalismo por evita a violência absoluta; ao menos esses reacionários estão felizes em derramar sangue aqui e agora”. O culto da militância e da ruptura permanece eternamente atrativo para certos grupos.
Se o único problema, a única coisa que nos impede de fazer uma revolução, é a timidez e a falta de vontade de agir, de derramar sangue, então até mesmo o cretino mais reacionário é mais simpático e tem mais potencial do que os lamentos de algum camarada (sem dúvida liberal) que se pergunta se realmente precisamos pisotear essa fila de crianças até a morte para provar nossa militância. E ai dos covardes chorões que fazem perguntas como “tudo bem, mas qual é exatamente a relação causal entre esses meios e os fins que estamos buscando?”.
Whitaker enfatiza as influências anarquistas sobre Nanni e eu penso que ele soa confiante em simplesmente apontar para seu foco revolucionário e crença em comunas horizontais e autônomas, unidas com seus resmungos sobre “o indivíduo” mas enquanto Nanni certamente não era um organizacionista clássico ou um homem do partido, me é pouco nítido o quanto Whitaker acredita ou busca implicar que ele deveria ser posto junto dos anarquistas individualistas. Todo anarquista tem suas opiniões obrigatórias sobre idealismo individual ou individualidade; como sabem muito bem os anarquistas individualistas, isso geralmente significa muito pouco na prática.
No entanto, uma das formas na qual Nanni é central a história dos anarquistas individualistas que se tornaram fascistas é através de sua íntima amizade com Leandro Arpinati. De fato, Nanni eventualmente escreveria a biografia de Arpinati.
Arpinati é a figura central do livro de Whitaker, um fio comum que ele usa para ilustrar os outros convertidos ao fascismo de forma mais geral. Originalmente um jovem socialista militante anticlerical que trabalhou para Nanni, na iluminação pública de Santa Sofia, ele abandonou o socialismo pelo anarquismo em 1909.
A mistura que Arpinati fazia de Stirner e Nietzsche, ou ao menos das interpretações populares que circulavam, o tornaram algum tipo de lunático em seu primeiro grupo de afinidade, mas ele foi abraçado por eles pois 1) haviam muito poucos anarquistas em sua cidade, e 2) ele repetidamente demonstrou coragem e militância pessoal, como quando desarmou um fazendeiro que ameaçava assassinar sua esposa. Eu também não posso deixar de sentir (lendo entre as linhas) que Arpinati era bastante carismático na sua juventude de combatente de rua.
O primeiro encontro entre Mussolini e Arpinati foi hostil. O anarquista-que-virou-socialista Andrea Costa havia morrido e os socialistas de Civitella estavam dedicando uma feira ao traidor, o grupo de Arpinati apareceu para fazer colagens denunciando o falecido enquanto Mussolini havia ordenado a homenagem e os denunciou pela ação, citando Stirner contra eles.
Apesar (ou quem sabe, por conta) dessas fagulhas iniciais, eles se aproximaram. Arpinati estava impressionado pelo poder político de Mussolini e Mussolini buscava aliados locais, então eles chegaram a um acordo e ocasionalmente o grupo de Arpinati operava como guarda-costas de Mussolini. Enquanto o grupo de Arpinati começou bastante focado no anarquismo, sua influência foi significante e mais recém-chegados foram levados a sua posição individualista.
Mas, após a morte de seu pai, Arpinati se mudou para Bolonha em 1910 e trabalhou como eletricista em uma estrada de ferro. Lá ele era um seguidor de Rygier e ganhou a reputação de fura-greve por consistentemente votar contra greves, as rejeitando como uma deplorável ação coletiva mais do que um ataque individualista, isso enquanto rondava a cena anarquista em busca de comida e abrigo.
Quando a guerra estourou Arpinati se recusou a apoiar a greve dos trabalhadores da estrada de ferro local. É difícil não se perguntar se isso não estava enraizada em nada menos do que suas rejeições contrarianistas as greves anteriores. Todavia, relembrando isso, Nanni o elogiou por ter a visão de que a guerra seria terreno fecundo para a ruptura: “Em um clarão de intuição seu espírito antecipou aquela revisão de todos os valores humanos (social, ideológico, moral) que a guerra havia trazido consigo”. Também é verdade que Arpinati viu os chefes do sindicatos como desalinhados com relação aos outros quadros na questão da guerra. Mas seja lá qual tenha sido sua principal motivação, ele se radicalizou mais e mais em favor da guerra e mantendo o contrarianismo com relação a seus camaradas. Essa rendição a guerra encontrou expressão imediata nas contantes brigas de rua contra anarquistas anti-guerra.
“Ele passou a raspar seu cabelo quando sua cabeça não estava com nenhum curativo; assim seus oponentes não poderiam segurar sua cabeça enquanto outros socavam seu rosto”
Uma imagem particularmente curiosa entre estas brigas é a de um encontro no sindicato anarquista Societa Operaria onde Arpinati, Rygier, e Rocca brigaram com cerca de duzentos membros da audiência que atacaram o palco por mais de uma hora, arremessando cadeiras e com pancadaria generalizada.
Basta dizer, que o movimento anarquista como um todo não mais tolerava as bobagens deles. E Arpinati estava mais que feliz em responder com pugilismo. Em meio as brigas em casa, ele tentou se alistar nos militares mas foi rejeitado. Isso enfraqueceu profundamente sua posição no movimento fascista por décadas. Uma pichação comum na Bolonha há época sobre o fascismo era “Arpinatti lutou na guerra? Não!”
Anarquistas também tinham um certo desprezo por Arpinati e seu sentimento pró guerra, e o fato dele não ter servido, e, após ter entrado para o primeiro fascio de combattimento de Bolonha em 1919, ele teve uma recepção bastante dura em sua cidade natal, Civitella. Esse foi basicamente o fim de sua presença no movimento anarquista.
Logo ele e Rocca seriam guarda-costas de Mussolini. Esse foi um período de conflito dentro dos círculos fascistas por alianças na esquerda e direita, com grupos fascistas bolonheses pendendo mais à esquerda que Mussolini e apontando um secretário “dos quadros anarcossindicalistas”. (Whitaker não dá mais detalhes que isso, já que eu foco são as correntes individualistas, e meu Italiano não é bom o suficiente para ir investigar escândalos específicos.) De todo modo a cessão bolonhesa foi um desastre eleitoral e colapsou em números e foi basicamente tomada, substituída e controlada por Arpinati em 1920. A militância progrediu rapidamente conforme greves e reformas agrárias menores intensificaram o conflito de classe e Arpinati e os fascistas se posicionaram como defensores contra os bullies socialistas (similar a sua hostilidade aos chefes sindicais).
“No Primeiro de Maio fascistas desfilaram por Bolonha cantando a música de combate do movimento, Gionivezza, e provocando socialistas. Para surpresa e deleite de Arpinati, os socialistas não responderam ao ‘mito da invencibilidade [deles] nas praças da cidade’. Arpinati escreveu para Pasella, ‘Os socialistas locais demonstraram uma calma exasperante; a Câmara do Trabalho permaneceu hermeticamente selada o dia todo. Eu estou convencido de que ele jamais farão a revolução’”.
É importante notar quão crítica a juventude e a população estudantil era ao movimento fascista de seu tempo (muito distante dos fachos e boneheads relativamente velhos que compõem suas manifestações em nosso tempo). A maioria dos membros tinha entre 16, 26 anos, e a ausência dos estudantes no verão fez colapsar as forças das guangues fascistas. Mas quando os estudantes retornaram, Arpinati mais uma vez liderou fascistas armados pelas ruas, o que acabou em uma batalha com armas de fogo contra socialistas, tendo sucesso em assassinar um jovem trabalhador. Essa vitória garantiu que Arpinati fosse apontado chefe dos esquadrões armados e seus quadros saltaram de 20 para mais de 300.
Arbinati ocupou um estranho espaço híbrido durante este período. O movimento anarquista o odiava com todas as forças, e os objetivos de sua organização pró guerra não poderia ser mais opostos as organizações anti gerra, mas ele ainda tinha alguma identificação com os anarquistas. Ele evidentemente conceituava suas diferenças primariamente em termos de quem teria mais chance de alcançar a gloriosa revolução ou ruptura, anarquistas ou fascistas.
“Em 26 de junho de 1920, tropas da ativa de duas das mais condecoradas divisões do exército se amotinaram, se recusando a embarcar nos navios… Os anarquistas chamaram por uma greve geral em apoio aos amotinados e em 24 horas Bolonha estava em revolta… Quando [os socialistas] e recusaram a apoiar os anarquistas, os rebeldes de Ancona receberam essa mensagem com uivos de indignação… Quando a revolta foi encerrada em 30 de junho, Arpinati considrou como mais uma prova de que os socialistas não fariam revolução”.
Em resumo, enquanto o movimento anarquista era contra a guerra, a revolta que tinha o mesmo objetivo era muito mais simpática a Arpinati do que a supressão socialista a revolta. Ao menos os anarquistas estavam a favor de ações revolucionárias. (Como é de seu costume, os socialistas aprovaram uma ação estatal brutal para acabar com os anarquistas, ferramentas que os fascistas prontamente voltariam contra eles)
Livrarias incendiadas, tiroteios e granadas arremessadas se seguiram entre fascistas e os socialistas estatistas, Arpinati havia se acostumado a trocar balas com os anarquistas, com a polícia apoiando os fascistas de Arpinati e os donos de terras, organizações católicas, e os ricos os financiando. “Em março, os quadros do fascio estavam entre cinco a oito mil”. Um dos sucessos do terrorismo de rua de Arpinati foi ter evitado as lideranças socialistas e ter priorizado assassinar pequenos funcionários socialistas. As lideranças socialistas não e importavam com pessoas em de tão baixo nível e os líderes políticos de outros partidos não viam isso como uma ameaça, assim os fascistas estavam livres para aterrorizar a base socialista, fazendo-os se esconderem. Além dos exemplos de assassinatos, um exemplo particularmente brutal que Whitaker nos dá é sobre o porão de Arpinati ser usado para torturar seus oponentes pessoais.
Durante esse período as amizades pessoais de Arpinati o garantiram ganhar seguidores direto dos quadros antifascistas. (Eu não vou falar nada sobre os constrangimentos contemporâneos de autoproclamados antifascistas mantendo amizades ou mesmo contatos românticos com fascistas, mas ao menos há uma pressão mais forte para desassociação e criação de limites hoje.) Similarmente, ele esteve envolvido em repetidamente intervir para salvar Nanni de seus próprios seguidores fascistas que simplesmente queriam matar um socialista, de qualquer tipo que fosse. Mas dentro de um par de anos o próprio Arpinati superado em seus jogos de poder por um sindicalista que também vinha galgando posições entre fascistas e ele rapidamente se declarou vencido e correu para a Líbia, antes de inevitavelmente voltar e uma vez mais galgando cargos de volta ao topo.
Em 1924 ele uma vez mais era o líder oficial dos fascistas bolonheses e voltou sua atenção para construir apoio sistemático ao regime fascista, tomando o controle de escolas infantis e acampamentos de verão e investindo dinheiro em projetos de esportes e campeonatos. Se você conferir a wikipedia de Arpinati a maior parte dela é sobre sua relação com vários esportes.
Em 1929 Mussolini indicou Arpinati a Subsecretário do Ministério do Interior, removendo Arpinati da sua poderosa base regional para tentar enfraquecê-lo. Mas seu poder apenas cresceu, se tornando o “Segundo Duce” do fascismo em 1932. É fácil entender como isso precedeu sua queda, acusado de “antifascismo”, aprisionado, e passando ao exílio interno em 1934, mas suas posições dentro dos círculos fascistas estavam cada vez menos alinhadas com as necessidades do estado.
Arpinati era obvia e centralmente atraído pela violência e pelo potencial revolucionário do fascismo, a ser valorizado em si mesmo, alegremente debochando de qualquer fim socialista. Mas ele também via o nacionalismo e a violência nas ruas como “antiautoritário” pois eles quebraram o status quo e permitiram as suprimidas elites naturais galgarem uma posição superior. Ele continuou sua previa briga com o sindicalismo de dentro do fascismo assim como havia a lutado de dentro do anarquismo. Seu foco em elites naturais (ele publicou Evola, naturalmente) o tornou hostil a tentativas de construir uma base ampla e trazer pessoas ao partido.
Arpinati manteve algum poder e popularidade e conforme a segunda guerra mundial e arrastava ele recusou as súplicas de Mussolini para ajudá-lo a reestruturar o governo, invés disso tentando fazer uma jogada para financiar movimentos de resistência e colocar a si mesmo no trono de Mussolini depois que os Aliados o depuseram. Existe essa anedota sobre quão iludido o tolo estava de que os anarquistas o escutariam e, lol, é claro que nós não escutamos. Ele tentou outras jogadas, na esperança de que a monarquia se ergueria novamente contra Mussolini e o colocasse no poder; ele também ajudou pessoalmente a evacuar generais britânicos presos atrás das linhas inimigas, na esperança de ganhar o favor dos Aliados. Felizmente, Arpinati e Nanni foram assassinados juntos em abril de 1945 antes que ele pudesse se adaptar aos tempos do pós-guerra.
Em contraste com Arpinati e Nanni, e mais parecido com Rocca, temos a saga de Maria Gygier, que nós já vimos ser traída e atacada pelos patriarcas dos círculos anarquistas.
Seu rompimento com os organizacionistas deram origem a uma série de ataques misóginos contra ela, com Borghi atacando sua feminilidade, forma de vestir, corpo, sanidade, etc. Mas mesmo quando ela foi presa por crimes cometidos por outros e manteve sua boca fechada, os organizacionistas não ofereceram simpatia alguma a ela. Líderes sindicalistas chegaram mesmo a rejeitar reformas nas prisões enquanto Rygier era uma recorrente prisioneira, declarando:
“prisões, exceto por casos extremos de perseguição política não são para trabalhadores sérios, mas para a escória da sociedade”
Levando Rygier a responder furiosa:
“sindicalismo quando não é uma ação de trabalhadores… é reduzido a um único exercício passivo: escrever, escrever, escrever… com diletantismo presunçoso, insensível ao fervor da batalha”.
É difícil de ler isso em seu arco narrativo paralelo de convicta anti militarista a nacionalista belicista. Os sindicalistas e patriarcas da cena sem dúvidas mereciam o desprezo dela. Onde ela foi presa e provou seu comprometimento, muitos dos seus abusadores e detratores permaneceram sentados relativamente confortáveis em suas casas. É certo que comprometimento não é o mesmo que militância, isso sem falar em na fetichização da violência, mas os limites entre estas duas ideias certamente é perene. Quando um detrator nunca arriscou a própria pele, nunca usou os próprios punhos, é difícil não se fixar nessa divisão entre vocês. É claro, certas pessoas como Fabbri e Boghi assumiram riscos pessoais, mas é fácil entender Rygier observando as coisas de por outro ponto de vista.
Obviamente o drama de Rygier na cena é algo que desperta simpatia, ainda assim nenhuma quantia de perseguição pelo seu “próprio lado” pode desculpar ou justificar a afiliação com amigos vis e/ou vingança. O que é moralmente correto não se torna substituível somente por que você passou por abuso e o inimigo oferece comunidade e meios de retaliação. Na verdade é bastante fácil dar sua vida em um único momento de bravura e dor, mas o verdadeiro teste de comprometimento é se você está disposto a suportar dor e isolamento ao longo de décadas, para ser constantemente traído por “camaradas”. Uma militância rasa é geralmente uma caminho fácil comparado com dizer algo impopular, resistir aos abusadores populares e mitologizados, e se manter firme quando perseguido.
Hoje em dia é comum ouvirmos pessoas choramingarem que não tiveram escolha mas se tornarem um tankie, ou proudboy, ou eco fascista, ou ir trabalhar para uma organização liberal ao lado de policiais, porque algumas pessoas foram grosseiras com elas e os monstros foram simpáticos. Eu não consigo pensar em nada mais covarde do que ter seus valores dependentes de se eles atraem ou não amizades.
Rygier infelizmente buscou aliados não apenas entre filhos da puta vis nos limites dos círculos anarquistas como Rocca, mas em março de 1917 ela também se uniu aos maçons e políticos em exercício para formar o Comitê de Segurança Pública para forçar a Itália a se comprometer mais profundamente com a guerra. Isso incluía o plano de “executar o rei e manter a família real refém” para garantir uma ditadura. Eles planejaram e advogaram por repressão em massa e aprisionamento de alemães e ativistas anti-guerra (incluindo virtualmente todo movimento anarquista)
Em meados de 1920 a fidelidade de Rygier ao fascismo balançou, conforme Mussolini declarou guerra a maçonaria. Ela se lançou na posição contrária e foi atacada e teve sua casa saqueada por fascistas. Ao longo de tudo isso ela continuou a declarar publicamente que tinha provas de que Mussolini havia sido um informante da polícia secreta francesa e que essa evidência era o que impedia Mussolini de aprisioná-la ou assassiná-la. Entretanto, eventualmente ela percebeu que contar vantagem sobre chantagem diminui sua efetividade e fugiu para a França.
Whitaker não cobre muito mais sobre Rygier após sua partida e há ainda menos disponível online. Mas é importante notar o oportunismo e a falta de princípios de seu suposto “antifascismo” e críticas a Mussolini. Basicamente seu argumento era de que Mussolini era um chantagista e oportunista (o sujo e o mal lavado), além de uma marionete da França para sabotar interesses nacionais da Itália. Como Rocca, Nanni e Arpinati ela se viu isolada pelos verdadeiros antifascistas, mas diferente de Nanni e Arpinati ela não acabou baleada por seus pecados. Ela morreu monarquista.
Apesar de Whitaker se centrar em quatro figuras históricas, ninguém deveria concluir que esses são os únicos casos de entrismo fascista entre quadros anarquistas.
Eu já mencionei o editor de jornal anarco individualista que se voltou ao fascismo, Edoardo Malusardi, mas também há Mario Giorda, um anarco individualista e seguidor de Rocca que se tornou o líder do fascio de Turin e assassinou onze trabalhadores em dezembro de 1922. Gioda passou a ser visto como um elitista urbano e eventualmente foi marginalizado dentre os quadros fascistas. Whitaker menciona Mammolo Zamboni, outro anarquista que virou fascista sendo visto como herético por outros fascistas, por ser protegido por Arpinati.
E há Leo Longanesi, um anti conformista que explicitamente buscou misturar anarquismo com conservadorismo e que representou uma ala populista agrária dentro do fascismo. Longanesi tem a melhor citação do livro de Whitaker:
“[o fascismo era composto por] bandidos, pessoas violentas, pessoas casadas, fanfarrões… pessoas vagamente fanáticas que por nenhum motivo em específico agitam contra tudo que não entendiam, e mais que tudo de uma necessidade de exaltarem a si mesmos e se opor a alguma coisa: incapazes de formularem claramente suas ideias, eles condenaram a dos outros: em rivalidades pessoais contínuas, ontem anarquistas, amanhã informantes da polícia, hoje individualistas, amanhã comunistas… leitores de panfletos, palestrantes, pessoas apáticas e inventores de sistemas para ganhar na roleta, vivendo em um fanatismo confuso e perpétuo.”
Eu listo esses outros indivíduos para argumentar contra as tentativas de descartar e minimizar todo contato entre anarquistas individualistas e fascismo.
Enquanto liberais, sindicalistas, socialistas estatistas e comunistas todos têm uma vasta gama de membros que abandonaram o barco pelo fascismo (qualquer um pensando em usar esses detalhes para denunciar o anarquismo individualista deveria pensar muito antes de jogar qualquer pedra) a vasta maioria de anarquistas individualistas na Itália obviamente não se tornaram fascistas, havia um inegável sobreposição nestes primeiros dias.
Embora nem de longe houvessem tantas ligações quanto no movimento socialista (veja os inúmeros elogios que Lênin e Trotsky fizeram a ele) ou as multidões de liberais e conservadores que foram atraídas por suas promessas, Mussolini estava profundamente relacionado com os anarquistas. Seu pai fez parte da Internacional de Bakunin. Ele era pessoalmente próximo do infame anarquista individualista muçulmano Leda Rafanelli em Milão. Ele conhecia Carlos Tresca, elogiou Gaetano Bresci e Malatesta, colaborou com Luigi Bertoni e traduziu dois livros de Kropotkin. Ele elogiava Stirner e Nietzsche e os citou para seus aniversários. Mussolini chegava a apelar para o anarquismo (individualista) abertamente como justificativa ara o fascismo: “Para nós, os condenados do individualismo, não sobrou nada do presente sombrio e do soturno amanhã se não o consolo da religião… do anarquismo!” Mussolini chegou a apoiar Sacco e Vanzetti e reclamou para seus amigos pessoais que fascistas estadunidenses não não fizeram o mesmo.
Fugir dessa história não nos levará a lugar algum e não vai servir de anticorpos úteis contra a ressurgência do entrismo fascista nas piores bordas do nosso movimento.
Entretanto, eu certamente não recomendaria o livro de Whitaker como uma solução.
A análise ideológica em The Individualist Anarchist Origins of Fascism é duvidosa em vários níveis e dei o meu melhor para eliminá-lo ao transmitir os relatos históricos anteriores. É difícil ser assertivo sobre de onde Whitaker está vindo em termos de sua própria ideologia. Em muitos pontos ele parece estar condenando o anarquismo individualista de uma perspectiva socialista, em outros momentos de uma perspectiva liberal, mas em diferentes pontos do livro ele parece mesmo simpático aos personagens fascistas. Ele nitidamente considera o individualismo suspeito de alguma forma (ou ao menos, alienígena), considera a execução extrajudicial de Nanni e Arpinati como algo evidentemente ruim (um crime!), e lamenta que Arpinati tenha sido rotulado como um fascista ao invés de ser reconhecido por seus realizações como um bom governante. Mas mesmo essa chocante e asquerosa simpatia ganha nuances que se parecem com uma crítica às formas como as narrativas históricas fingiram que o fascismo foi completamente eliminado e não fazia parte de tradições contíguas na Itália moderna.
Whitaker alega que escreveu esse livro para responder a relatos históricos que achatam ou homogenizam a diversidade ideológica do fascismo que também o separam de todo histórico anterior e posterior. Isso certamente é algo positivo, mas o resultado final é um livro que certamente vai confundir liberais e socialistas, ou pior, gerar simpatia para fascistas. É um livro útil para anarquistas, mas para qualquer um que ainda não seja fluente em anarquismo há um risco sério de seus relatos tortos causarem dano em longo prazo.
Como mencionei, ao (fracamente) tentar compreender o anarquismo, suas referências parecem ser acadêmicos liberais sem qualificação alguma e o infame e problemático resumo sobre o anarquismo de Woodcock. Muitas críticas já foram escritas sobre o ensaio de 1962, de Woodcock, Anarchism, its influences and resulting influence. Woodcock era um pacifista com um foco esnobe em literatura, e por mais que estivesse envolvido com círculos anarquistas depois da guerra, ele também é bastante representativo dos sobreviventes que floresceram no período do pós-guerra. Ele estava fugindo do legado de ações diretas violentas e preocupado com legitimidade social, desesperado para desconsiderar figuras como Bakunin como agitadores malignos e centralizar figuras como Kropotkin em termos da sua perspectiva pessoal. Seu livro foi pesadamente criticado por reproduzir essa análise e também por caracterizar o anarquismo através do espelho retrovisor da história como um projeto falido e um episódio histórico. Para anarquistas como meu pai que surgiram nos anos 50 e 60 é um resumo bastante válido do zeitgeist. Mas o Anarchism de Woodcock não é o lugar para encontrarmos uma leitura justa sobre individualistas insurrecionários.
Woodcock também estava escrevendo para uma audiência de liberais pós-guerra, cujo ponto de referência era bastante diferente do anarquismo. Os acadêmicos liberais que Whitaker cita partilhavam todos deste modelo e para eles o anarquismo não era apenas um artefato utópico historicamente ultrapassado, mas também algo profundamente estranho, que eles estavam preocupados em tentar encaixar em suas próprias noções de individualismo e coletivismo. Uma vez que nem Whitaker realmente se incomodou de ler além dos resumos superficiais, eles criam vários espantalhos hipotéticos para tentar resolver como o anarquismo lida com os principais problemas em seus paradigmas.
Há também uma crença de que o anarquismo é principalmente definido pela crença de que o ser humano é bom por natureza. Essa (como tenho tentado enfatizar repetidamente para os anarquistas contemporâneos) é uma interpretação que se espalhou por décadas após o Apoio Mútuo de Kropotkin (um dos poucos textos anarquistas que sobreviveu em influência e circulação nos EUA após as operações Palmer). Não se tratava apenas de uma conclusão distorcida dos críticos liberais, mas também era sinceramente o que grande parte do movimento de base passou a acreditar ao longo dessas décadas. Assista documentários de velhos anarquistas que sobreviveram aos anos 40 e 50 e você vai repetidamente ouvir referências a isso. Os seres humanos são essencialmente bons em sua natureza essencial, mas perdemos isso de vista e fomos distorcidos pelas instituições sociais. Essa geração do movimento foi pesadamente influenciada por Wilhelm Reich (com a bobagem de orgone e tudo mais) pois ele era uma figura proeminente difundindo essa mesma perspectiva simplista. Mesmo se Kropotkin tivesse uma visão com mais nuance, o que está impresso em Apoio Mútuo e Ethics não ajuda muito a contrariar essas crenças e narrativas populares entre as bases; movimentos não lidam com nuance. Esse apelo generalizado à natureza como algo bom foi diretamente responsável pela criação do anarquismo verde e do primitivismo. Mesmo que ainda existam correntes minoritárias no anarquismo que se oponham ou não formulem suas perspectivas nesses termos, “natureza = bom” é de fato um reflexo da corrente principal dessa época. Certamente havia alguma presença nos círculos anarquistas que fazia apelos ocasionais à natureza humana (e à natureza de forma mais ampla) como sendo boa e como base dos valores do anarquismo, mas dificilmente era hegemônica como se tornou durante o recuo e o eclipse do anarquismo em meados do século. De fato muito do anarquismo nesta época era um fervente prometeanismo, acreditando fanaticamente no progresso através da ciência, da razão e da tecnologia, com novas tecnologias radicais do revólver e dinamite como niveladores sem precedentes que permitiriam a transição para uma sociedade nunca antes vista. Essa não era a narrativa de Russeau ou Lewis Henry Morgan que é familiar ao movimento liberal. O movimento era um ponto de intersecção entre correntes bastante variantes que tinham conclusões similares sobre a rejeição da dominação, e que misturavam, inovavam, e hibridizavam e referenciavam influências absolutamente diferentes. Figuras como William Godwin eram utilitaristas que acreditavam em uma longa luta em direção a perfeição humana até que todos fossem tão individualmente iluminados que a coerção se tornaria uma memória distante. Essa perspectiva não era de que humanos eram naturalmente bons, mas corruptíveis pelas instituições sociais, mas que humanos poderiam, com algum trabalho, reconhecer e operar mudanças em si mesmos em direção ao que é bom (como a liberdade), incluindo em nossos corpos (Godwin e as correntes cosmistas ambas apoiavam auto modificações radicais para curar a morte involuntária). Existiram muitas outras correntes é claro, enfatizo os prometeístas como contraexemplos radicais a essa noção liberal do anarquismo do meio do século como um apelo à natureza.
Como Whitaker e suas fontes liberais fazem uma leitura através destas lentes que entendem de maneira profundamente errada e deturpada todo o anarquismo e caótica diversidade do anarquismo individualista, acabam caracterizando Stirner em termo de adoração à natureza:
“Stirner, também, sancionou a autoridade a natureza, pressupondo em seu União de Egoístas que cada um dos Eu Únicos eram em essência, bons. Como outros anarquistas do século dezenove, portanto, mesmo Stirner caiu na noção que alguma autoridade natural seria ‘invocada espontaneamente por cada pessoa’, apesar da ‘imensa tensão entre cada indivíduo e a sociedade na qual ele foi envolvido’”(Whitaker citando internamente o The Anarchist Tradition of Political Thought, de Fowler)
Enquanto, o próprio Stirner disse:
“Dono e criador do meu direito, eu não reconheço nenhuma outra fonte deste direito se não – eu, nem Deus ou Estado ou a natureza, nem mesmo o próprio homem com seus ‘direitos eternos do homem’, nem direito divino ou humano”.
A leitura de Whitaker sobre Stirner cria um parque de diversões narrativas onde Stirner é um moralista d’A Natureza e foca na Lógia & Razão, como um “discípulo” de Hegel, e como um mero proto-Nietzsche ele é mais tarde superado por Nietzsche que abraça o verdadeiro relativismo moral. Existem tantas coisas erradas nesse relato que chega a ser impressionante.
Existem muitas maneiras de se ler um autor e a exegese de Stirner é quase que completamente entediante e sem frutos como a exegese de Marx, muitos cérebros fritaram perseguindo ambos. Não tenho interesse em resgatar ou defender O Verdadeiro Stirner, mas algumas leituras são apenas comicamente divergentes de qualquer coisa próxima da realidade.
Acredito que a pergunta mais interessante é: será que figuras como Rocca interpretaram erroneamente Stirner em parte da mesma forma que Whitaker fez?
E parece bastante nítido pelas próprias palavras de Rocca, que ele entendia Stirner como advogando por uma rejeição do pensamento e a um retorno ao instinto natural. De fato essa parece ser uma das estranhas instâncias onde conseguímos de fato ver alguma evidência de que esses fascistas leram Stirner invés de só pegarem “a vibe” através de interações sociais onde ele sé citado, na melhor das hipóteses, como meme caricato. E não apenas em The Ego And Its Own! É em Stirner’s Critics onde ele reclama longamente sobre rejeitar o pensamento pelo pensamento em si, valorizando-o apenas em termos de sua própria capacidade de dissolver os escrúpulos do indivíduo. Aqui há um certo salto para sair dessa posição e chegar a veneração ao instinto natural, e há textos do Stirner sobre o indivíduo ser arrastado por suas fomes, mas insurgir-se contra o pensamento em si não é o tipo de argumento de nível 101 que a maioria das pessoas oportunisticamente pega de Stirner de relance. É bem verdade que isso está em desacordo com a visão de Whitaker de Stirner como um mano da Lógica & Razão, mas nós podemos encontrar um tipo de arco coerente onde o pensamento está no reino dos espectros intervindo sobre e distraindo da base física de seus impulsos e instintos.
Enquanto, de novo, palavras não dão conta de expressar quão monótonos e supérfluos considero esses argumentos sobre no que constituiria O Verdadeiro Stirner, essa não é uma leitura tão rara. Eu a encontrei entre anarquistas verdes e mesmo entre neoreacionários. Ela tem algum tipo de empuxo gravitacional pois evita a perpétua movimentação do objetico de simplesmente declarar que cada sentença concebível que alguém pode oferecer dentro da linguagem como sendo apenas outro espectro ou pensamento reificado. O Natural portanto oferece um chão, um objetivo claro, uma explicação sobre o que Stirner estaria falando que tantas pessoas consideram confortavelmente nítido. É claro que mesmo esses stirnerianos não colocariam letra maiúscula no conceito abstrato d’O Natural” mas eles enfatizariam, no entanto que, o ponto é algo como escutar seu corpo ou mais diretamente o fluxo de seus desejos mais do que se perder num emaranhado de cognição e conceitos sociais.
Se a redução da construção e mutação do desejo a uma conexão direta com os instintos básicos de uma pessoa pode ser realmente estendida a uma aceitação geral da “autoridade da natureza” é menos interessante do que se as pessoas sentem repetidamente uma atração por esses saltos.
Certas correntes do fascismo tem repetidamente abraçado Stirner, não como em uma tentativa de reivindicar algo popular para si mesmos, como alguns anarquistas desdenhosamente assumiram, mas porque eles nítida e explicitamente encontram ressonância pessoal com Stirner. É comum encontrar Stirner ao lado de Evola em listas de leituras fascistas no 8chan e afins, não por eles estarem tentando conscientemente roubar Stirner (a vasta maioria dessa audiência nunca nem ouviu falar dele) mas porque essas recomendações têm sua própria conexão com uma simpatia sincera por ele. Estes fascistas enxergam a si mesos como individualistas por excelência e é vital que entendamos fascistas não exatamente como o exato oposto do individualismo mas frequentemente como uma perversão ou uma forma específica de individualismo. Isso exige ir além das definições vazias (e erradas) sobre fascismo dos boomers, em meros termos de totalitarismo, coletivismo, ou homogeneidade. E isso exige que saiamos de uma postura defensiva que não ousa conceder nenhum terreno retórico.
Em particular nós devemos compreender que o nacionalismo tem dois lados, não apenas a construção de uma solidariedade vazia com seus compatriotas, mas a remoção da empatia e identificação com o estrangeiro. E dentre os dois é o último que é o erro mais grave e o veneno mais mortal. O erro do nacionalismo, nativismo, etc, é mais centralmente sobre reduzir o círculo de empatia do indivíduo. Quando fascistas berram que um estadunidense ou uma vida branca deveria valer mais pra você do que uma vida coreana, eles não estão exigindo que você eleve sua compaixão para alguma média estadunidense, eles estão exigindo que você diminua sua compaixão por todo coreano. E quando eles justificam isso apelando para algum suposto impulso de valorizar os próprios parentes sobre estranhos, a réplica adequada não é debater se você tem de fato parentesco com todos estadunidenses. Os fascistas querem reduzir esses círculos de empatia também! Movimentos fascistas contemporâneos adotaram a micro-escala e o hiper-local. Pergunte a um fascista hoje se ele acha que deveria haver controle de fronteiras entre estados dos EUA ou países, e a resposta será uma afirmação sorridente. Dos neoreacionários aos nacional-anarquistas, incontáveis outras correntes, a evolução do movimento fascista tem sido para colapsar o já pequeno número de indivíduos pelos quais você se importa. Caracterizar o fascismo em termos de uma pulsão por alguma sociedade homogênea e totalizante é ignorar que os movimentos fascistas sempre posicionaram a si mesmos como defendendo um diverso arquipélago de ilhas isoladas contra os (supostos) efeitos da hegemonização da conectividade global. O Terceiro Reich explicitamente se posicionou como um campeão da cultura local contra a corrupção da civilização global.
Não é pequena a parte do projeto fascista que busca encolher sua identificação com outros, para remover todo senso de uma fagulha comum de genialidade criativa, emergindo e situada em diferentes contextos, diferentes vidas, e em seu lugar, suprimir enfim mesmo a identificação consigo mesmo.
O vazio criativo provavelmente tinha a intenção de ser um não-conceito um tipo de falha topológica ou singularidade na nossa linguagem que a conceitualização formal não é capaz de capturar. O tipo de além do horizonte onde Wittgenstein teorizou que tudo que é importante estaria. Eu sou, na minha velhice, um ideólogo ranzinza, um notório criminoso condenado inúmeras vezes de cientificismo, não mais especialmente simpático ao uso de não-conceitos de qualquer tipo. Na minha mente, há muito eles revelaram a si mesmos como truque abstratos, um tapete para se varrer coisas para baixo, um jogo de cartas marcadas de trambiqueiros nos becos da filosofia. Mas mesmo os que adotam ou aceitam o apelo de tais não-conceitos ainda devem admitir que eles possuem uma tendência de serem imediatamente substituídos por conceitos. O que se encaixa na fenda? Uma mera experiência fenomenológica de quase remoção cartesiana e imanência? Um vitalismo anti-reducionista? Uma regressão a simples instintos pré-conceituas? Um ciclo auto refletivo de integração consciente? A gama de elementos que as pessoas implícita ou explicitamente colaram ao ‘nada criativo’ é vasto e bastante variado.
Alguns oferecem um trampolim para o apagamento empático da identificação, nesse sentido o desmonte arbitrário de estruturas conceituais e circunstâncias históricas permitem um movimento bastante humanista de identificar uma coisa ou um conjunto de coisas (apenas correntes inertes) para a identificação com todas as fontes do “nada criativo”. Isso replica a premissa central do anarquismo: sua liberdade é a minha liberdade, pois o que importa é a liberdade, não as particularidades arbitrárias de algum contexto específico na qual ela é expressa. Nós não somos nossas inúmeras identidades físicas ou sociais ou algum aglomerado de parasitas meméticos em nossos cérebros, mas o movimento por de baixo disso, e esse movimento é em si o mesmo movimento no meu cérebro e no seu. Inerentemente com as mesmas características ou propriedades. Isso, em várias linguagens, é uma conclusão comum de alguns conceitos diferentes que acabam conectados ao “nada criativo”.
Mas em muitas outras abordagens o desmantelamento não chega na liberdade comum mas a uma ainda mais particularizada última contração da mente. Esse é o local para onde Rocca foi ao abraçar o instinto preconceitual natural como a antítese para o “pensamento pelo pensamento”. Também é assim que fascistas usam Stirner até hoje. Nas mãos deles Stirner é uma ferramenta para desmantelar, para rejeitar qualquer reconhecimento de comunalidade. Porque você deveria se importar com desconhecidos bombardeados em outro país? Se eles são sua propriedade para ser utilizada, na melhor das hipóteses eles não são de fácil acesso, e na pior, algo como uma ferramenta abandonada às intempéries nas fronteiras da sua fazenda. De fato, o que possivelmente poderia te mover a se importar com o sofrimento deles se não algum parasita alienígena, alguma Lavagem Cerebral Humanista? Se importar com a distante pessoa abstrata, labutando sob o terror dos drones, é certamente ser afetado pelo Deus que é o “Homem” abstrato.
Muito tempo atrás, na época anterior ao fascismo ser descoberto pelos liberais (então, antes de 2017), eu casualmente encontrei um pequeno e recém-criado blog de libertarianos de direita debochando do C4SS. A base de suas críticas era que mutualistas nitidamente não haviam lido Stirner pois ainda estariam fazendo bobagens humanistas constrangedoras como se importar com estrangeiros. Eu ri e revirei meus olhos ainda mais quando descobri que eles registraram um domínio. biz (uma afetação popular somente entre libertarianos da direita). Não é possível que esse “therightstuff. biz” viria a atrair uma audiência, só mais uma wordpress de merda escrito por dois caras aleatórios.… Mais tarde, é claro, ele começariam um podcast naquele site, chamado “The Dayli Shoah”.
Agora é óbvio que o uso que faziam de Stirner era bastante mercenário. Até por que, ao mesmo tempo eles tinham publicações celebrando merdas de tradcath. Não deveria haver dúvidas de que ao fundir Stirner ao Catolicismo você vai perder um tanto de Stirner. Mas nós podemos reconhecer isso enquanto também reconhecemos que o que viria a ser o mais popular podcast neonazi não estava citando uma figura ainda bastante obscura como Stirner para ganhar pontos, mas porque eles sinceramente encontram valor nele. E esse valor estava precisamente em desmantelar a compaixão por outros. Mike Peinovich e Alex McNabb foram atraídos para o libertarianismo de direita pois ele oferecia justificativas para desconsiderar o sofrimento daqueles que não possuem seus privilégios e uma narrativa que permitia que vissem a si mesmos como elite. Mas eles não gostavam da moralidade rígida do libertarianismo e ocasional preocupação com os oprimidos, nem do implícito cosmopolitanismo globalista dos mercados. Em Stirner eles encontraram um escape, uma forma de renunciar esses grilhões e abraçar a indiferença que eles de fato sentiam. E enquanto Stirner não compartilha do inextricável essencialismo elitista de Nietzsche que se desespera em um mundo afogado em humildes, o leitor ainda é convidado para um círculo de elites de umas poucas almas brilhantes que enxergam a si mesmas como espectros livres. Projetando a “ideia fixa” de se importar com outros do apex de uma hierarquia de iluminação tem óbvias ressonâncias com a visão fascista, embora os garotos logo descobrissem que poderiam se tornar ainda mais fortes com conspirações antissemitas e pseudociência racial.
Agora, obviamente este exemplo de uso neonazista de Stirner exige que eles joguem fora mais do que uns poucos elementos e certamente exige que ignorem esta linha, que cai absolutamente como uma bomba atômica, “Eu amo os homens também; não meramente indivíduos, mas cada um deles.” Mas sejamos francos: Stirner escreveu muito no formato de críticas sarcásticas, e muito pouco na forma de argumentos positivos. Ele enfatiza a derrubada de conceito fixos ou complexos meméticos, e dá apenas a mais rasa desculpa ou mesmo apelo para não ser um grandessíssimo otário. Ele é forte no “Eu não serei dominado” mas relativamente fugaz e quase não faz nenhum caso substancial para a outra metade do anarquismo: “Eu não dominarei.” Por que deveríamos amar? A evasão de Stirner das éticas positivas, leva-o a funcionalmente se esquivar da pergunta. “Eu os amo pois o amor me faz feliz, eu amo pois amar é natural para mim” Mas e se amar não é natural para você? E se você nasceu sem nenhum senso de solidariedade, empatia, ou compaixão, e encontra felicidade em torturar animais? E espere só um minuto: como algo é “natural” para um vazio criativo? Porque argumentos do que é “natural” importa para um vazio criativo? Rocca está certo quando disse que o ego se resume a uma resposta vinda da comunicação entre o pensamento refletivo e o instinto natural?
Em toda escolha de um valor ou identificação sobre outra há mecanismos de causalidade e racionalização que estão inerentemente sempre ativos. Todos tem uma moralidade e ética inata ao próprio processo de pesar qualquer escolha. Aqueles que nunca se juntaram a nós explicitamente conectando mecanismos conceituais nos buracos do vazio criativo estão livres para flutuar altivamente à cima de qualquer consideração desse emaranhado; uma falta de percepção pode, é claro, servir como um senso de liberdade. Se você não está ciente dos verdadeiros mecanismos causais por onde uma escolha te puxa mais que outra você pode tratar as fagulha fugazes dos sentimentos ao longo da sua vida como um tipo de fonte de aleatoriedade ou mesmo selvageria. Mas nada é de fato deixado para conter o “Stirnete” que simplesmente sente apenas fagulha de sadismo e tesão por poder. E menos ainda é capaz de ser contido quando o fascista argumenta que se importar com estranhos não é natural, pois a distância deles do estímulo imediato e respostas instintivas, sem nem falar sobre o contínuo emaranhamento social, torna impossível que sejam atormentados por seu tormentos ou aliviados por seus alívios sem a adoção da apavorante conceitualização.
Eu não quero sugerir que a resposta não pode ser dada, e alguns autodeclarados “Stirneritas” de fato deram muitas respostas. Meu ponto aqui é que essas não são questões triviais e fascista ou outros reacionários não estão apenas lendo “não faça coletivismo” e fazendo coletivismo do mesmo jeito. Eles estão divergindo da própria trajetória de Stirner, mas eles ainda o leem de forma sincera e são influenciados por ele. Mesmo que eles acabem tirando conclusões completamente absurdas e fodidas da cabeça como Rocca e Arpinati.
Por décadas Sidney Parker foi um dos indivíduos mais destacados do anarquismo individualista e stirneristas egoístas do mundo, certamente da esfera anglófona, editor da Minus One e EGO, escrevendo a introdução de uma edição popular de The Ego and Its Own, e de forma geral sendo uma pedra no sapato da cena anarquista britânica. Em 1993, Parker finalmente abandonou o anarquismo, escrevendo:
“O Anarquismo é a crença de uma mudança social mirando o fim de toda dominação e exploração do homem pelo homem. Seus proponentes buscam a criação de um mito judeo-cristão de paraíso na terra. O princípio central do anarquismo é: Dominar Pessoas é Errado. Isso se baseia na crença de que todos, ou quase todos, indivíduos são, ou podem ser, igualmente capazes de tomar parte em processos de tomada de decisão.
Eu não mais compactuou com essas premissas.
Como criterioso egoísta não vejo motivos porque não deveria dominar outros; se é meu interesse fazê-lo e dentro da minha competência. Igualmente, estou preparado para apoiar outros que dominam se isso me beneficiar. “Se a condição do Estado não for difícil para o filósofo de gabinete, ele deve se ocupar com isso porque é seu ‘dever mais sagrado’? Enquanto o Estado agir de acordo com seu desejo, que necessidade ele tem de abandonar seus estudos?” (Stirner) As vezes, de fato, eu posso me comportar como um “anarquista” mas, da mesma forma, eu também posso me comportar de amnésia “anarquista”. A crença no anarquismo me aprisionou em uma rede de imperativos conceituais. O egoísmo deixa em aberto qualquer caminho pelo qual eu possa obter poder.”
E é claro, Parker apoiava a hierarquia racial e enfaticamente abraçou Ragnar Redbeard, o inócuo escritor “anarquista” constantemente recomendado junto de Stirner por fascistas, cujo livro Might is Right tem inúmeras republicações literalmente cobertas em suásticas. Incontáveis outros exemplos mais íntimos e pessoais de tais giros existem, embora isso esteja além da capacidade desta resenha de livro de extensivamente listá-las todas. Isso não é dizer que todos ou mesmo a maioria dos anarquistas egoístas se tornaram fascistas ou absolutos cretinos. Mas se ser anarquista e respeitado egoísta por décadas como Parker não serve como inoculação contra tal virada radical, nós não podemos descartar Rocca e Arpinati como estranhas anomalias históricas e o contínuo endosso de fascistas e reacionários de Stirner como um completo oportunismo iletrado.
Apesar de ter visto valor em Stirner na minha juventude, preciso admitir que nunca fui capaz de entender as pessoas que defensivamente se agarram a ele, que se identificam com ele como algum tipo de bandeira. Suponho que se você é fraco de mais para se manter em pé na frente de coletivistas debochados talvez ajude ter algo a mais para usar como escudo. Alguma autoridade externa para sustentar sua voz e direcionar o fogo das respostas para longe da sua personalidade. Algum ídolo compartilhado para reunir uma tribo de dissidentes. E, é claro, se o grupo externo – atacar este símbolo, o grupo interno deve se manter na defensiva para não ser eliminado um a um pelas hordas de burocratas comunistas moralistas. Mas, sei lá, certamente as pessoas entendem que um individualismo realmente ferrenho não sente a necessidade de lembrar a todos do individualismo declarado ou imediatamente formar e se agarrar a alguma nova tribo?
Eu fico, pra dizer o mínimo, desapontado e envergonhado pela incessante e rasa rejeição de que “Stirner se opunha ao coletivismo e nacionalismo é coletivismo, eles são exatos opostos, fascistas stineristas são uma contradição completa da qual não se pode aprender nada.” É claro, Stirner teria rido dos nazistas. É claro, ele pessoalmente existem passagens que se opõem a algumas de suas posições específicas. Mas a ideia de que há uma total contradição simplesmente não é verdade. Ninguém entra em combustão espontânea ao enfatizar partes de seus textos e ignorar outras, muito menos ao rearranjar e reconstruir as coisas, ou apenas usá-lo como um vago trampolim para argumentos que a considere pessoalmente interessante.
A pessoa real Johann Kaspar Schmidt que ganhou o apelido de “grande testa” Max Stirner, foi, como qualquer outra pessoa, de tão vasta complexidade que desafia qualquer compressão de conjunto de textos, muito menos os poucos que temos dele. Ele pode ter tido um projeto filosófico unificado, onde cada peça depende criticamente de outra peça, ele pode até mesmo ter tido intuições, ideias e respostas radicalmente diferentes das que são sugeridas nos textos escassos e altamente conceituais que temos acesso, mas não é assim que textos funcionam. Textos, por bem ou por mal, acabam existindo como um arranjo de argumentos organizados um ao lado do outro.
Eu não estou sugerindo, por exemplo, que o apoio de Rocca a uma guerra mundial de todos contra todos como caminho para uma união de egoístas é algum tipo de desenvolvimento inteligente de Stirner, nem como qualquer coisa que Johann Kaspar Schmidt teria reconhecido. Rocca e Arpinati eram cretinos sanguinários, Rygier um vingativo oportunista. Eles nitidamente foram influenciados, na melhor das hipóteses, de maneira muito vaga pelos textos de Stirner e não é nada nítido que eles tivessem qualquer amor por qualquer coisa que se possa chamar teoria anarquista (e é bom lembrar que Stirner nunca se identificou com o termo ou com o movimento).
Mas mesmo que Whitaker erre completamente em entender os elementos ideológicos em jogo, seu livro ainda assim documenta uma cena anarquista incomodamente similar às de hoje. Nós não damos tiros de pistola uns nos outros em feiras do livro, mas a canalhice de alguns lunáticos egoístas tóxicos e poder abusivo de alguns patriarcas da cena comunista terão consequências imediatas para qualquer um que seja um anarquista por mais de um dia e visto o pior cantos da nossa cena.
Essa é a parte mais sinistra sobre The Anarchist-Individualist Origins Of Italian Fascism: ele se lê como os relatos de um amigo lavando roupa suja sobre algum drama da cena atual ou sobre algum edgelord. Apesar da maioria do movimento anarquista italiano permanece fora de foco, eventualmente jogar uma cadeira ou pedra aos protagonistas e introduzindo um interlúdio da hospitalização, você não pode ignorar a canalhice, você já a conhece muito intimamente.
Esta é a honesta verdade, por todo nosso heroísmo e exemplos angelicais, a cena anarquista sempre teve problemas com uns poucos imbecis marginais que cultuam a militância, para os quais a atração ao “anarquismo” é um caminho para se safarem com o que quer que façam. Uma atitude tipo “might is right” geralmente ligada a fetichização as elites guerreiras/criminosas em nome do militarismo. A centralidade da “ação” é substituída pela centralidade dos valores. Quem se importa se aquele cara abusou a parceira, ele participou de um piquete uma vez então não podemos fazer nada.
O recrutamento desses tipos é um inevitável subproduto de como o anarquismo se posiciona e nas lutas nas quais está engajado. Falhar ao responder a esses merdinhas (assim como permitir que muito do mainstream do anarquismo seja capturado por estruturas de poder centralizadoras) leva a uma falsa dicotomia entre tediosos organizacionistas gatekeepers e cretinos “individualistas” sanguinários, onde ambos os lados reforçam um ao outro. Se você não é a favor de quebrar vidros em piscinas de hotéis para cortar crianças (pois “guerra social”) você deve estar com os liberais pacifistas trambiqueiros e políticos de identidade.
Eu iniciei esta resenha com o estupro médico que Borghi e Fabbri cometeram contra Rygier, mais por ser um fato chocante desconhecido que deveria ser ao menos uma nota de roda pé em cada maldita peça de texto sobre eles, mas também pois sei muito bem que essa resenha vai escandalizar e descrita para as pessoas como algum tipo de ultrajante ataque contra Stirner, o egoísmo, ou o anarquismo individualista. E ao mesmo tempo muitos comunistas oportunistas vão salivar a oportunidade de ligar isso a algum tipo de prova de que Max Stirner secretamente viveu mais um século, cresceu um bigode, e renomeou a si mesmo como Adolf Hitler.
Penso que a virada de Rygier ao fascismo é fascinante pois podemos considerar que ela sem dúvidas foi motivada pela extrema filhadaputagem de seus adversários dentro do movimento anarquista. É impossível aprender sobre quão longe Borghi e Fabbri foram na busca por popularidade e influência contra ela, assim como a lealdade para com seu amigo, e não os desprezá-los imensamente. E nós, com certeza podemos colocar parte da culpa pelo pivô ao fascismo neles, enquanto não desconsideramos nem um pingo de responsabilidade e agência dela mesma. Culpa pode se sobrepor e se multiplicar! Não é algo de soma zero!
Muito comumente o pior tipo de abuso ou falta de conduta é defendido por salvas de “o outro lado é pior!” Do mesmo modo como o entrismo fascista é cultivado pela falha de reconhecer e exercitar isso, ele também é cultivado pelas falhas de lidar com outros problemas. Falsos binários são criados pela inação contra ou tolerância a diferentes sabores de merdas intoleráveis. Ecologistas reacionários se fortalecem em parte por apontar quão ruins os socialistas burocratas são. Nazbols se fortalecem enfatizando quão ruim os liberais capitalistas são. Fileiras fechadas, identidades políticas se tornam bandeiras mutáveis de contra coalizações convenientes mais do que algo consistente.
Os anarquistas individualistas italianos estavam absolutamente certos em questionar as correntes organizacionistas que dominavam a cena, que comumente pacificavam e tentavam controlar ou centralizar o anarquismo (e assim dar espaço a corrupção). Mas não havia uma base forte de opções entre Fabbri e Borghi (eu mataria pra descobrir a cumplicidade ou ignorância de Malatesta sobre os eventos), então Rygier se alinhou com Rocca. Esse tipo de coisa poderia ter sido parcialmente impedido se os individualistas que não se voltaram ao fascismo tivessem tido a coragem de se opor simultaneamente contra ambas deturpações desde cedo.
Seria um óbvio erro ler o livro de Whitaker em isolamento; assim como há as Origens Anarco-Individualistas do Fascismo, também há o Origens Bolcheviques do Fascismo, Origens Socialistas do Fascismo, Origens Liberais do Fascismo, etc. Whitaker foca no suposto individualismo de Nanni, mas não devemos nunca esquecer que a vasta maioria dos que originalmente iniciaram o fascismo eram socialistas estatistas. E em especial, o insidioso erro da “unidade de esquerda”, a bizarro mas sempre popular ilusão de que “estamos todos do mesmo lado”, não é mero detalhe sobre como um lutador de rua egoísta como Arpinati acabou como o melhor amigo do literalmente prefeito Nanni e proeminentes políticos como Mussolini.
Os perigos de adotar posições reativas ou ignorar aliados problemáticos para derrotar um inimigo específico são eternos. Tanto na unidade da esquerda quanto na unidade de individualistas, era isso o que estava acontecendo durante toda a sórdida ascensão do fascismo, praticamente do mesmo jeito que eles continuaram a ser um problema nas últimas décadas. Quando você está sob cerco e algum cretino te oferece amizade, exige muito mais coragem para rejeitar aquela amizade do que simplesmente ter mais alguém para bater no seu inimigo em comum.
Anarquistas italianos demoraram de mais para tirar a plataforma e ostracizar os egoístas protofascistas. Sim, brigas de rua e ataques a palestras de egoístas protofascistas eram comuns (embora Novatori tenha começado inciando tiroteios nas palestras). Mas uma das coisas mais chocantes do livro de Whitaker é que locais e conferências continuaram a dá-los plataforma basicamente até estarem abertamente em guerra como todo o movimento anarquista, já atuando explicitamente como fascistas.
Além disso, Arpinati foi capaz de recrutar quadros anarquistas há muito dentro de seu reino de terror ao movimento anarquista pois ele manteve amizades pessoais com indivíduos específicos. Anarquistas não aplicaram pressão de forma bem-sucedida (se é que aplicaram alguma) para barrar essas amizades e assim ele foi capaz de cortejar “antifascistas” a virar casacas. Do mesmo modo, nitidamente houve muita confusão até a pessoas compreenderem que existem ameaças insurgentes ou revolucionárias que devem ser firmemente opostas de forma simultânea a nossa oposição a classe dominante, nunca subestimando uma ameaça para focar em outra, menos ainda se aliando com uma contra a outra. E é claro, não podemos no permitir ignorar como o fascínio da bravura e da militância podem obscurecer pontos negativos.
A absoluta necessidade de fortalecer a Desplataformização, pressionar a desassociação, a Luta de Três Vias, etc. São lições que foram aprendidas duramente de novo e de novo em diferentes subculturas e cenas conforme o entrismo fascista avança, mas é realmente impressionante de ler os detalhes do primeiro confronto do anarquismo com essas dinâmicas na aurora liberal do movimento fascista.
Tristemente, enquanto o antifascismo (como projeto especializado, discurso e cena) tem sido basicamente definido pelo reconhecimento dessas lições, a perspectiva não está dada em todos os círculos que anarquistas operam.
Tem sido frequentemente dito que, “todo anarquista é por excelência um antifascista e focar no antifascismo é uma perigosa distração”. E, conforme a tração populista da era Trump míngua, muito tem sido dito uma vez mais sobre o antifascismo como implicitamente liberal. Algo que foca em inimigos menores em benefício do status quo. Discursos idêntico tem sido mobilizados sobre “feminismo”. Em algum senso real o anarquismo é vagamente feminista por definição, mas enquanto esses dois conceitos devem de fato convergir, na prática, isso claramente não aconteceu. Feminismo e antifascismo podem ser apropriados por liberai para servir ao status quo, mas isso não é motivo para rejeitá-los. Tem sido meu argumento há muito tempo que o movimento anarquista precisa de uma linha de pensamento especificamente antifascista, de foco em análise e prática; não se pode simplesmente assumir que o antifascismo deriva trivialmente do anarquismo (ou egoísmo, ou o que seja).
Se hoje (em um mundo de eco fascistas, onde muitos sinceramente desejam o colapso da civilização, iniciar uma guerra racial e retornar para pequenas tribos, ou nacional-bolcheviques sinceramente empenhado em dar guerra a classe capitalista atual, isso sem falar numa miríade de outras correntes) é evidentemente absurdo se agarrar a velhas análises marxistas de que o fascismo é meramente um estágio do capitalismo, ou que fascistas são peões dos capitalistas. Nós rimos na cara dos boomers que ainda se apegam a declarações de que o fascismo é literalmente definido pela “homogenização social e cultural” em contraste com virtualmente todo fascista discursando sobre preservar a diversidade cultural ameaçada pelo globalismo. Mas esses absurdos já foram bastante populares não por acaso, vindos de verdadeiros estudos sobre fascistas, traçando a potência de seus apelos ideológicos, ou registros de conhecimento ganho em múltiplo conflitos contra eles foram descartados como pouco importantes, ou mesmo uma ameaça.
Não faz muitos anos que a “antifa” era amplamente odiada em espaços anarquistas e os tipos mais básicos de campanhas, para, por exemplo, desplataformizar Death in June, provocou desprezo se não fervente hostilidade. É literalmente impossível para aquele cara ser fascista, ele é gay. Meu favorito destes takes, até hoje é, ‘hã matar pessoas por esporte obviamente não é nada fascista, isso mostra que eles tem uma libido liberta.’
Sim, isso é um tipo de posição coletivista reacionária, mas também deriva de se aproximar dos fascistas desdenhosamente como um fenômeno social ou institucional mais do que um movimento ideológico. Ou mesmo, meramente como uma palavra que substitui “algo ruim”. Nesse contexto um livro como The Anarchist-Individualist Origins of Italian Fascism pode ser tratado como um intolerável ataque.
Como pode a coisa boa estar de alguma forma ligada a coisa ruim exceto através de associações espúrias e tênues, um espaguete de contradições sem sentido!
E ainda assim, eu acredito que há algo no entendimento instintivo de que o fascismo é o nosso polo oposto. Mesmo que isso não ignifique que todos opostos a nós em quaisquer debates sejam portanto fascistas.
Há muito insisto numa descrição de dois níveis do fascismo: não apenas como políticas macroscópicas de ultranacionalismo palingênico, mas também como uma filosofia do poder que vem de cima, que se situa exatamente no oposto do anarquismo. Essa filosofia do poder é hostil a razão e sobre a diminuição dos círculos de empatia e identificação das pessoas. Argumentos intelectuais por compaixão e verdade devem ser descartados como inúteis ou insustentáveis via niilismo moral e epistêmico, mas isso não é o suficiente para descartá-los como espectros, a contínua tração da razão e da empatia exige uma resistência ativa para que não corrompa o fascista. Então a violência se torna um ciclo purificador que desmantela a compaixão e a razão. A mentira autoevidente da nação, raça, etc. (virtualmente todos fascistas admitem que tais abstrações coletivas são mentiras, de Anglin a Spencer), são mentiras úteis não apenas por oferecer um caminho para mobilizar poder social, mas também por ajudar a proteger a própria mente contra a sempre presente ameaça de espiral da razão e da compaixão.
Nesse sentido o fascismo é um projeto definido não apenas como um polo no eterno conflito de poder versus liberdade, mas pela sua evoluída resistência ao entrismo anarquista, isso é, a perigosa viralidade de nossas perspectivas. Não apenas através do cultivo de um ciclo de violência que incinera as vinhas de um pensamento elevado e empatia, mas também através da criação de pressões sociais para sinais-vício. Mesmo quando o fascista não consegue engajar em atos diários de violência física, ele ainda consegue fazer demonstrações públicas combativas da sua falta de preocupação por outros. Ele pode cantar “nuke em till they glow”[NT1] ou discursar sobre pisotear o crânio de bebê imigrantes ou defender o canibalismo ou fazer memes tratando os ataque de gás de Assad como a meleca da Nickelodeon. Conforme os processos infecciosos da razão e empatia vão na direção de certas normas sociais, o fascista encontra sua “liberdade” na sua ruptura com estas, criando uma comunidade oposta com valores oposto de dureza e instinto raso.
Há, eu acredito, um senso substantivo do qual o fascismo de fato emergiu do anarquismo (individualista), e como nossa antítese. Sim, as influências socialistas, liberais, e conservadoras sobre o fascismo foram vastas, e contadas pelo absurdo volume de seus números. Em comparação, o número de “anarquistas individualistas” que se juntaram a eles é uma parcela quase invisível a olho nu. Mas nossa presença contribuiu com uma claridade cristalizadora e remodelou aqueles há muito existentes elemento reacionários.
Nesse sentido, embora anarquismo e fascismo sejam ideologias modernas, nós somos ao mesmo tempo purificações de tendências eternas através da história, a dimensão moderna sendo nossa autoconsciência.
É frequentemente constatado que anarquistas e fascistas geralmente concordam em nossos modelos de mundo, mas escolhemos valores completamente diferentes pelos quais lutar. Onde liberais, socialistas, comunistas, libertarianos, conservadores, etc abraçam ilusões de algum tipo de compromisso, algum caminho do meio entre liberdade e poder, anarquistas e fascistas ambos tendem a entender a paisagem real.
O que importa são os valores com os quais nos alinhamos.
Por esse motivo, “Eu não serei dominado” por si só, não é um passo em direção ao “Eu não serei dominado e eu não dominarei” do anarquismo, mas as vezes um movimento para uma direção completamente oposta.
[Nota de Tradução]
[NT1] “nuke em till they glow” lê-se como “joguem bombas atômicas sobre eles até que brilhem”.