A Falta de Permanência do Objeto de Christian Britschgi

Por Kevin Carson. Título original: Christian Britschgi’s Lack of Object Permanence, de 2 de maio de 2024. Traduzido para o português por Pedro H.S. Primo.

No periódico Reason, Christian Britschgi (em “Sob quaisquer circunstâncias, não nacionalizem a Greyhound) celebra a americana e “extensiva rede de serviços de ônibus intermunicipais privados, que visa o lucro (e que são lucrativos) e que serve primeiramente às pessoas de pouca renda” como “um grande exemplo de como o livre mercado pode prover um serviço essencial sem subsídios públicos”.

Há bastante pressuposições (questionáveis, ou propriamente ahistóricas) implícitas nessa curta afirmação, e elas pedem por uma dissecação. Primeiramente, todavia, vamos, antes de entrar na própria carne, entender um pequeno ponto que está alheio ao nosso raciocínio.

Em resposta à sugestão de Ben Burgis de que um serviço de ônibus nacionalizado poderia ser financeiramente auto-suficiente como os correios, Britschgi retruca: “que o serviço postal é ‘financeiramente auto-suficiente’ seria uma novidade a USPS, que reportou uma perda líquida de 6,5 bilhões no último ano fiscal. De fato, o serviço postal está atualmente fechando algumas portas e aumentando os preços como parte de um plano reformador de uma década que visa tirá-la do vermelho”.

A principal razão pela qual o serviço postal entrou nesta bagunça fiscal é a de que, como declarado pelo Postal Enhancement and Accountability Act de 2006, revogado há menos que dois anos atrás — o serviço postal foi encarregado de pre-financiar as aposentadorias pelos próximos 75 anos. É bastante desprezível o fato de que Eric Boehm, também na Reason, teve a cara de pau de escrever que o serviço postal estava “sangrando dinheiro por anos — mais que 78 bilhões em tinta vermelha desde 2007 — graças a um modelo de negócio que o Government Accountability Office definiu como ‘insustentável’”. Não apenas ele ignorou a razão pela qual o problema começou, especificamente, em 2007; mas ele verdadeiramente se opôs à revogação da ordem que a colocara em sua posição. Assim, ele enquadrou a revogação como uma “bailout”. É difícil ser mais intelectualmente desonesto que isso.

Com o que foi dito acima fora do caminho, votaremos ao ponto principal de Britschgi. Ele prossegue:

“Toda a finalidade de nacionalizar a Greyhound seria expandir o serviço para rotas não-lucrativas e melhorar suas localizações enquanto mantém os preços acessíveis às pessoas as quais a única opção é pegar um ônibus. Mas, é difícil que isso aconteça, se tal serviço de ônibus nacionalizado ficar comprometido com o ‘ser financeiramente auto-suficiente’”.

Tudo isso seria tecnicamente possível provendo um serviço de ônibus intermunicipal com infinitos subsídios e com nenhuma espectativa de que o dinheiro retornará. A analogia óbvia é com Amtrak, a corporação estatal que provém serviço ferréo intermunicipal.

Amtrak está atualmente no processo de expansão de seus serviços e de melhoria das estações de trem, mesmo que o número de passageiros continue a ser menor que o número pré-pandemia. A expansão do serviço férreo é possível apenas por bilhões de dólares em subsídios providos pela lei de infraestrutura de 2021”.

Tudo isso é verdade. O problema é que, quando chegam no ponto dos subsídios, os libertários de direita não têm nenhum senso de permanência do objeto.

Onde começar? Aos iniciantes, estas linhas de ônibus “de livre mercado”, que se desenvolveram sem quaisquer subsídios governamentais, suplantaram a ferrovia em tal escala por causa de uma coisinha chamada Sistema Rodoviário Interestadual. Talvez Britschgi tenha ouvido falar disso. Sua criação e funcionamento contínuo não envolveu nenhuma quantia pequena de subsídios governamentais.

Até mesmo quando ele tenta endereçar a questão dos subsídios, trata a questão de maneira exatamente inversa: “garantir que os motoristas paguem todos os custos de suas viagens interestaduais poderia provocar um efeito similar, fazendo algum supostos ‘motoristas’ irem de ônibus”.

É verdade que a cultura automobilística é subsidiada no nível intra-urbano. Todavia, chegando-se no nível dos “passeios em rodovias interestaduais”, são os própios motoristas que subsidiam veículos pesados como semi-trucks e ônibus. Tais veículos causam quase 100% dos danos a malha rodoviária, mas quase metade da receita das rodovias vêm a partir dos impostos sobre a gasolina pagos pelos donos de carro.

Britschgi também contrasta a Amtrak, desfavoralmente, com as “linhas aéreas que visam o lucro”. Todavia, o governo estava, mais do que qualquer coisa, pesadamente envolvido na criação do sistema de aviação civil estadunidense que no Sistema Rodoviário Interestadual. Para mais informações sobre o papel do governo federal na criação de ambas, veja isto aqui.

Para os libertários de direita, se um subsídio ocorreu há mais de três semanas, ele nunca aconteceu. É totalmente irrelevante para a posição estrutural de uma forma de transporte relativamente as outras! Bem, enquanto você não ver a mão levantando a tartaruga para cima da cerca, e não pensar nela, pode pensar que ela subiu ali por causa do “livre mercado”.

De maneira mais ampla, isto é o indicativo da percepção — ou a falta da mesma — que os libertários de direita têm do papel geral dos subsídios e proteções no capitalismo como um todo. Uma das funções mais importantes do estado capitalista é socializar os custos de operação do capital.

O libertarianismo de direita, como uma ideologia legitimizadora, serve primariamente para enquadrarmos como “naturais” e “espontâneas” as características centrais de um sistema capitalista que nunca existiria sem uma transformação massiva e violenta a partir do Estado.

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