A Banalidade da Condenação

The following article is translated into Portuguese from the English original, written by Trevor Hultner.

Parece que a reação padronizada da mídia ao surgirem denunciantes em nossos dias é distorcer-lhes a imagem de tal maneira que nunca ninguém possa vê-los como pessoas simpáticas. Assim aconteceu com Daniel Ellsberg. Aconteceu com o segundo cabo B. Manning. E, agora, é a vez do ex-administrador de sistemas da Booz Allen Hamilton, Edward Snowden, no palco do assassínio do caráter.

Snowden tornou-se conhecido no domingo (Gleen Greenwald, do Guardian) como a pessoa que vazou informações acerca de múltiplos programas da Agência de Segurança Nacional – NSA para a imprensa. Desde então, muitos comentadores atribuíram a si próprios a incumbência de não apenas questionar a lealdade de Snowden como ainda de perguntar em voz alta: “Quem o pagou?” Essa tarefa foi assumida mais completamente por dois dos maiores escrevinhadores sem originalidade do jornalismo: o colunista do New York Times David Brooks e o escritor do New YorkerJeffrey Toobin.

Toobin, em seu artigo no “Comentário Diário” “Edward Snowden Não É Herói,” infere das entrevistas que Snowden concedeu que ele é “exibido narcisista que merece estar na prisão.” Por quê?

“Qualquer cidadão marginalmente atento, quanto mais um empregado ou empreiteiro da N.S.A., sabe que a missão cabal daquela agência é interceptar comunicações eletrônicas. Talvez ele tenha achado que a N.S.A. funcionava só fora dos Estados Unidos; se esse o caso, ele não estava prestando muita atenção. […] Qualquer empregado ou empreiteiro do governo é repetidamente advertido de que a revelação não autorizada de informação oficialmente secreta é crime.Snowden, porém, aparentemente, estava respondendo a algum imperativo superior.”

Toobin argumenta a partir da mentalidade segundo a qual a legalidade do governo automaticamente se traduz em moralidade universal. Pelo fato de Snowden saber que vazar seu conhecimento acerca do que a NSA andava aprontando era ilegal e, nada obstante, tê-lo feito, ele deveria ser preso. Essa é ela própria uma premissa de adoção repugnante. Toobin, porém, vai ainda além:

“O governo estadunidense, e sua democracia, são instituições imperfeitas. Nosso sistema, porém, oferece opções legais para empregados e empreiteiros do governo que estejam insatisfeitos. Eles podem valer-se de leis federais de denúncia; podem levar suas reclamações ao Congresso; podem tentar protestar dentro das instituições onde trabalham. Snowden, porém, não fez nada disso. Pelo contrário: num ato que fala mais para o ego do que para a consciência dele, jogou os segredos que conhecia para o alto — e confiou, de algum modo, em que daí resultaria coisa boa. Todos nós agora temos de esperar que ele esteja certo.”

Esses são, quase palavra por palavra, os mesmos apelos cegos para a autoridade que corporações como a Walmart usam para sufocar quaisquer pensamentos nas mentes dos trabalhadores de fazerem algo tão ultrajante quanto entrar em greve ou sindicalizar-se. É de se perguntar, se a carreira de Toobin tivesse seguido rumo direrente e ele se tivesse tornado gerente de uma Walmart no centro de  — por exemplo — o maior processo de ação de classe de discriminação sexual da história, se ele usaria os mesmos argumentos contra as mulheres que estão chamando a atenção para o problema.

As verbosidades vazias de Toobin, porém, empalidecem em comparação com o monólito de estatismo que é a coluna mais recente de  David Brooks.

A lendária capacidade de Brooks de deificar, em vez de desafiar, a autoridade merece apenas leve menção. No ano passado ele escreveu coluna pedindo (não, não é piada) fossem erigidas em praças de pequenas cidades, em todo o país, estátuas da elite. Desta vez, Brooks leva sua arte a novas alturas (ou a novo nadir, dependendo da perspectiva).

Brooks começa sua magnum opus insultando a inteligência de Snowden; má jogada, considerando-se o cargo que ele tinha (para não mencionar a experiência que havia obtido) quando deixou a Booz Allen Hamilton. Brooks satiriza: “[Ele] não conseguiu ter sucesso na instituição da escola secundária. Depois, não conseguiu navegar através da faculdade comunitária.”

Isso é apenas o início das tentativas de Brooks de pintar Snowden como imoral por causa de sua suposta falta de valores familiares. Ele continua:

“De acordo com The Washington Post, ele não se faz presente nas redondezas da casa da mãe há anos. Quando um vizinho no Havaí tentou apresentar-se, Snowden interrompeu-o e deixou claro não desejar relacionamento com vizinhos. Foi trabalhar para a Booz Allen Hamilton e a C.I.A., mas rompeu com ambas, também.”

Snowden tinha também uma namorada. Contudo, fora isso, seu comportamento não parece fora do padrão de qualquer pessoa da comunidade de inteligência. Espionagem é profissão de gente fria.

Finalmente, Brooks mostra a evidência incontroversa: Snowden doou $500 dólares à campanha presidencial de 2012 do Deputado Republicano dos Estados Unidos Ron Paul. De acordo com nosso colunista detetive favorito, essa manifestação exterior de perigosos ideais libertários é o que realmente torna Snowden uma ameaça.

E, de certo modo, ele está certo — Não fora pelas tendências libertárias de Snowden, os vastos programas de escuta e coleta de dados do governo não teriam sido revelados ao público. Ainda estaríamos na ignorância.

Isso, porém, não é “perigoso.” Pelo menos, não do mesmo modo que é perigoso o servilismo de David Brooks.

Artigo original afixado por Trevor Hultner 12 de junho de 2013.

Traduzido do inglês por Murilo Otávio Rodrigues Paes Leme.

Anarchy and Democracy
Fighting Fascism
Markets Not Capitalism
The Anatomy of Escape
Organization Theory