Por William Gillis. Artígo original: Highly Derivative: Accelerationism’s Inability to Make a Clean Break, 8 de agosto 2015. Traduzido para o português por Nico.
Atualmente há um crescente sentimento de crise na esquerda radical. Tendo se jogado em um primitivismo implícito ao longo do século vinte, agora que este barco está afundando, muitos na esquerda buscam desesperadamente uma saída.
The Manifesto for an Accelerationist Politics (daqui em diante também chamado de MAP), de Alex Williams e Nick Srnicek é uma de várias tentativas recentes, daqueles que resistem ao capital, de libertarem-se desse peso morto e traçar uma rota, que (nas palavras deles) estaria “em paz com as abstrações da modernidade, complexidade, globalidade, e tecnologia”. Embora falhe em chamar a atenção de radicais que estão na linha de frente, o MAP ainda assim emergiu como um documento relevante para certos círculos de acadêmicos “antiacadêmicos” com renome em círculos radicais. Em certos aspectos, os projetos dessa Esquerda Aceleracionista trouxeram uma há muito necessária lufada de sanidade. Uma voz finalmente denunciando a nudez do imperador, quando se trata da absurda preguiça e constantes negações que se popularizaram na esquerda. Como o The Accelerationist Reader, publicado um ano depois, descrevia,
“O neoliberalismo hegemônico declara que não existe alternativa, e o pensamento político consolidado na esquerda, cuidadoso em desistir das ‘grandes narrativas’ do Iluminismo, desconfiada de qualquer infraestrutura tecnológica maculada pelo capital, e alérgica a toda uma herança civilizacional que é reunida sob um mesmo nome e descartada como ‘pensamento instrumental’, patentemente falha em oferecer a alternativa que insiste, deve ser possível.”
Tendo há muito abandonado o desconexo dinossauro da organização política de massa, a esquerda radical têm cada vez mais aceito como única alternativa, um recuo consciente para a desconexão voluntária dos localismos reacionários. Mas ambas as direções são efetivamente caracterizadas por se afastarem do futuro e, se afastarem cada vez mais de toda busca pelo futuro e vigilância na busca desses caminhos. Como resultado, a esquerda como um todo tem se mostrado confusa, até mesmo traumatizada, pelas constantes mudanças do nosso mundo. Hoje ela frequentemente parece limitada a apenas embelezar as paredes de sua cela e fingir que ser “sem futuro” sempre foi seu plano desde o começo. A pouca resistência que ainda oferece, encolheu ao ponto de uma mera rejeição, uma rejeição ritualizada e uma suspeita vazia que geralmente vê a história diante de nós mais como uma tempestade a se sobreviver do que algo a ser construído. A espiral de morte resultante dessa visão, tem sido caracterizada principalmente por tentativas de recapturar sensações e armadilhas estéticas através de “obsessões reacionárias com pureza, humildade, e apego sentimental a rituais pessoalmente gratificantes de crítica e protesto e suas frágeis e fugazes formas de coletividade”. (ibid)
Mas conforme a internet veio a saturar nossas vidas cotidianas; os últimos refúgios da esquerda finalmente foram arrastados para um mundo que nitidamente seguiu sem eles. Testemunhe as tentativas histéricas de se atualizar sobre todas essas coisas de tecnologia; para garantir a todos que não existe nada capaz de destruir paradigmas no último século de descobertas científicas, ou que alguém estaria suficientemente informado apenas com algumas notas de rodapé. Frequentemente isso é comentado em termos de “cibernética”; a forma como uma certa parte enervante da esquerda tenta desdenhosamente amontoar toda ciência da computação, neurociência, teoria de jogos, etc (ou seja, virtualmente todo avanço em paradigmas científicos desde os anos 50) sobre os quais eles não foram alertados em seus cursos de graduação.
Note, por exemplo, Tiqqun estranho derretimento sobre vitalismo ou a concessão tardia do Comitê Invisível em “Aos nossos amigos” de que, talvez precisem entender todo esse lance de tecnologia, assim como a profundamente constrangedora (para todos envolvidos) tentativa de dar lições de moral para hackers no 31st Chaos Communications Congress.
Para as anarquistas é útil observar estes espasmos pois esse momento de reconfiguração vai preparar o campo para seja lá quais novas metamorfoses que estarão no futuro da esquerda. Ela é capaz de se libertar do atoleiro das polêmicas niilistas vs organizados? Ela é capaz de integrar os conhecimentos do último século e não apenas se adaptar a paisagem do presente mas se reestruturar abrir um caminho através de todas as complexidades e contextos mutantes diante de nós? Existe algo a ser salvo da esquerda não-anarquista?
Tristemente no caso do Aceleracionismo parece que teremos que continuar aguardando uma resposta. Esse modismo acadêmico passageiro talvez finalmente abra algumas janelas mas o “ar fresco” que ele traz está pesado com a poeira de cadáveres.
Mesmo em seus melhores momentos esse Aceleracionismo diz exatamente o que os anarco-transhumanistas e virtualmente todos com algum conhecimento de direção da situação têm há muito argumentado.“Nossos desenvolvimentos tecnológicos têm sido suprimidos pelo capitalismo tanto quanto têm sido promovido por ele… essas capacidades podem e devem ser libertas para irem além das limitações impostas pela sociedade capitalista”.
Mas isso dificilmente merece qualquer elogio e as falhas próprias do Aceleracionismo são bem mais preocupantes: Primeiramente, ele falha em diagnosticar precisamente as forças dirigindo o progresso dentro de nossas sociedades hoje, como sendo intrinsecamente liberatórias e portanto apresenta uma tensão falsa ou confusa onde “o ruim” deve ser intensificado para que possa haver progresso; quando na verdade o que deve ser intensificado é o bem já pressente, uma vez que seja precisamente identificado, assim como suas etapas. Segundo, ele tenta discretamente passar junto de seu repúdio ao localismo, um repúdio a construções de base (como se fossem remotamente equivalentes), e ao fazê-lo revela a si mesmo como meramente a mais recente expressão de uma certa elite acadêmica liberal que despreza a descentralização e anseia para o retorno a um contexto onde eles podem uma vez mais reinar como de facto tecnocratas.
Aceleracionismo é um velho xingamento em certos círculos e obviamente qualquer uso do termo assume que algo deve ser “acelerado”, mas pelo que observei o “aceleracionismo de esquerda” defendido pelo MAP ainda não se mostrou particularmente explícito ou assertivo sobre o que seria; exceto por alguma ideia abstrata e linguagem impressionista. E ele firmemente evita lidar com qualquer especificidade real sobre como tudo isso supostamente deveria funcionar.
“Em contraste, o aceleracionismo, fazendo uma análise diferente das forças ambivalentes em ação no capital, vai insistir no dinamismo contínuo e transformação do humano moldado pela liberação das forças produtivas, defendendo que é possível se alinhar com sua força revolucionária mas contra domesticação, e que a única maneira factível ‘para fora’ é mergulhar ainda mais fundo.”
É fácil ler isto num sentido bastante positivo, mas a linguagem é preocupantemente ampla. Embora fosse bom saber que direção “para dentro” denota, mas muito mais depende do uso de aspas em torno do “para fora”.
O que exatamente está sendo definido como aquilo do qual estamos tentando escapar? E até que ponto estamos levando isso a sério? É de se suspeitar que a falta de clareza é intencional, um movimento retórico para atrair pessoas sem de fato se comprometer com uma perspectiva. Mas na prática o que isso conseguiu foi permitir que pessoas como Benjamin Noys caracterizar essa posição como “trabalhar mais, produzir mais, consumir mais”.
Mesmo assim, os Aceleracionistas de Esquerda continuam relutantes em lidar com os detalhes ou oferecer qualquer substância. E quando passam perto de descrever como se pareceria este processo, acabam confirmando o medo de todos: despossessão ainda mais profunda, levando a algum tipo de ponto de ruptura.
Em outras palavras, precisamente a já gasta posição que todos nós sabemos que totalmente funcionou ao longo da história, como quando congoleses estavam tento suas mãos decepadas por machetes e massacrados aos milhões por feitores. A estratégia de agravar o capitalismo e seus efeitos se torna ainda mais visível e obviamente rejeitável; para criar consciência através das misérias que cria, é uma merda tipo “Punx em Hummers” e dificilmente é algo novo ou herético, e sim uma banalidade. Uma entrada particularmente insossa a boa e velha tradição de esquerdistas incapazes de conceber qualquer motivação exceto o apocalipse.
Certamente que nem todo escritor Aceleracionista comete o erro de abordar tão de perto exatamente que processo exatamente deveria ser acelerado. E alguns dizem coisas bastante banais. O MAP dedica a maior parte de seu foco explícito em desenvolvimentos tecnológicos, que, certo, são ótimos! Embora eu precise apontar que atualmente a inovação tecnológica mais significativa e criativa já está emergindo fora dos grilhões cada vez mais estreitos do capitalismo. E eu não tenho certeza que aprofundar isso para, digamos, organizando e empoderando PhDs ronins e autodidatas através de hackerspaces e centros radicais ao redor do mundo realmente reflete em qualquer coisa que se assemelha a ideia de que “a única maneira factível para fora” é mergulhar ainda mais fundo.”
Mas quando o Acceleracionist reader foi lançado o foco havia se ampliado para “acelerar [o capitalismo] desenraizando, alienando, decodificando, tendências abstrativas”. Na melhor das hipóteses esse tipo de linguagem vaga às vezes acaba se resumindo a nada mais do que apelos por mais racionalidade e estratégia; o que tristemente devo admitir, se qualifica como uma posição revolucionária. Mas há uma boa razão para se suspeitar dessa linguagem nebulosa, assim como a escolha de termos com conotações tradicionalmente negativas. Aceleracionismo tem historicamente significado o aprofundamento dos horrores do capitalismo até um ponto de ruptura fosse alcançado e isso tem inescapavelmente centrado todos outros “Aceleracionismos” ao redor desta perspectiva. Quaisquer outros argumentos que as pessoas tentem fazer, essa associação com “tornar as coisas piores” tem sido a primeira lente através da qual o Aceleracionismo tem sido abordado e está no centro de praticamente todo discurso sobre ele.
Esse posicionamento dificilmente representa um rompimento total com a putrefação primitivista da esquerda. Uma adoção entusiasmada da racionalidade, reducionismo científico, estratégia e desenvolvimento tecnológico; em resumo, as mais brilhantes expressões de nossa criatividade, vigilância, e agência, dificilmente deveria ser posta como “tornar as coisas piores antes delas poderem melhorar”.
Um dos pontos-chave aqui é que o Aceleracionismo mantém a tendência da generalização desdenhosa que é famosa na “civilização” em seu próprio uso do “capitalismo”.
Mas “capitalismo”; no senso de tendências macroscópicas da acumulação, trabalho assalariado normalizado e tendências de expectador, é radicalmente oposta a inovação e crescimento significativo. Não é uma questão de o capitalismo ter contradições internas, mas sim o fato de capitalismo e mercado serem criaturas radicalmente diferentes. A tendência acumulativa e centralizadora do capitalismo é apenas uma força entre muitas em ação em nossa sociedade, e de maneira alguma é inerentemente emergente de microdinâmicas de troca. Ainda assim, Aceleracionismo herda a tendência Marxista (que nós podemos chamar de proto-primitivista uma vez que uma tão nitidamente descende da outra) de definir vagamente a totalidade da existência da sociedade como um só monstro de firmes partes integrais e um arco teleológico mais do que um campo de batalha caótico.
Essa tendência despreocupadamente reducionista que prefere perder ideias para análises radicais é talvez a mais tóxica característica de um grupo isolado de acadêmicos de humanidades para as quais o marxismo fugiu quando já não podia aguentar uma briga com mais ninguém. Um cemitério acadêmico onde todas as crianças legais agora passeiam. Há muito eles têm sido simpáticos às tendências primitivistas da aristocracia. Como em todos ecossistemas de poder abusivos, esse enclave acadêmico é profundamente hostil a qualquer tentativa de chegar a uma objetividade ou claridade que possa vir a não deixar espaço para gaslight e não comunicação estratégica que questione dinâmicas de poder. Eles querem tudo, menos um terreno firme e universalmente acessível para os marginalizados, menos ainda a dissolução de várias escassezes de informação que constituem a escada para hierarquias sociais. Primitivismo é, em sua raiz, uma ideologia que incorpora o misticismo tão firmemente emergente na academia marxista do último século.
Qualquer afastamento total do primitivismo deve então incluir um rompimento com esses monstros de obscurantismo e anti reducionismo, e ainda assim o Aceleracionismo presta reverência submissa para muitos de seus pressupostos, implicitamente pintando a racionalidade como algo parcialmente negativo mas que ainda assim devemos nos render ou suportar. A linguagem de aceleracionistas modernos é implicitamente persistente em suas apologias, usando linguagens perturbadoras para coisas que deveriam ser empaticamente positivas:
“A única resposta política radical possível para o capitalismo não são protestos, disrupção, ou crítica… mas acelerar desenraizando, alienando, decodificando, tendências abstratas”
Mais irritante e previsível, os aceleracionistas dizem “nós devemos aderir a ciência e a racionalidade” sem nos preocuparmos em de fato fazendo um argumento de por quê. Apesar de vir de um contexto no qual os dois são amplamente demonizados! Como uma consequência é pressuposto que se deve adotar a ciência e a racionalidade por nenhum motivo em especial; como uma questão situacional ou um capricho aleatório ou é revelado que a pessoa estava esperando o tempo todo por algum tipo de permissão. E se o último é verdade então a pergunta se torna se a pessoa já estava persuadida ou porque precisava de uma desculpa? Certamente existem bons argumentos para uma adoção entusiástica da ciência e da racionalidade, então esse tipo de timidez é perturbador. Não é como encontrar o sobrevivente de um culto trêmula e hesitantemente sugerindo que “talvez, de repente quem sabe não seja uma boa comer bebês às vezes”. Com certeza você vai concordar com eles que comer bebês é ruim, mas o principal resultado dessa denúncia deveria ser nunca deixá-lo sozinho em um berçário.
É claro que podemos ser mais caridosos. E há momentos em que só queremos entregar um pouco de economia anarquista aos pobres acadêmicos desnutridos educados na tradição marxista. Afinal é fácil recuperar a linguagem do anti-édipo distinguindo desterritorialização em termos de forças de mercado e reterritorialização em termos de forças capitalistas. É certo que Deleuze e Guattari efetivamente as entenderam como parte de um todo integral, mas isso simultaneamente é, e não é verdade. Não apenas o capitalismo e os mercados refletem dramaticamente diferentes conceitos e dinâmicas estruturais, mas no mundo real e prático eles são geralmente dinâmicas separáveis ou em um sério conflito. Certamente existem formas nas quais as forças liberatórias de mercado são estruturalmente reunidas; como um tipo de combustível líquido no motor do poder capitalista/estatal. Mas existem outros aspectos nos quais a situação é bem menos sólida ou resolvida, nas quais uma força não é cooptada e escravizada pela outra, mas na qual elas são processos ortogonais ou em guerra um com o outro.
Expandindo para além do que os anarquistas de mercado chamam de “mercado”, para coisas mais abrangentes como a ciência e a racionalidade, estes fluxos desterritorializantes podem ser vistos como a emergência de uma mente coletiva; de mentes lutando para perfurar através das paredes da prisão que as mantém localizadas para uma conexão ou fusão mais fluida. Na qual o contexto de tradições, culturas, e outros entulhos meméticos são rejeitados como imposições fossilizadas, sobre a sociedade e sobre a mente individual.
Certamente sou um fã das metáforas fluidas que esse discurso oferece. Mas isso é porque refletem muito melhor as complexidades em ação. E essa realmente é a palavra operável faltando nesse discurso. Os mais importantes guias e limites faltando nesses processos são informações teóricas.
Quando o MAP declara.
“Nós talvez não estejamos nos movendo rápido, mas somente dentro de uma série de parâmetros estritamente capitalistas que em si nunca oscilam. Nós experienciamos apenas a velocidade crescente do horizonte local, uma simples investida descerebrada e não uma aceleração que seja navegacional, um processo experimental de descoberta dentro de um espaço universal de possibilidade.”
É nítido que eles estão buscando por alguma distinção crítica. Eles estão explicitamente abandonando a definição concreta de aceleracionismo em termos da segunda derivação do movimento que mais perto se aproxima do tema do projeto de Nick Land, e deixando o termo sangrar de uma maneira bastante vaga e evocativa.
Mas isso os faz perder de vista a principal questão, a complexidade. Nós certamente deveríamos ser proativamente conscientes e vigilantes em nossas explorações e agência na luta, mas essas não são distinções especialmente brilhantes. Por certo que nós podemos agir conscientemente de maneiras específicas para melhor avançar e dirigir a singularidade social na qual estamos todos participando de dentro, mas ela está invariavelmente acontecendo.
E essa complexidade do feedback cultural, memético e intelectual no centro da nossa experiência na era da internet é sua contribuição mais importante. Uma realidade que o Aceleracionismo ignora quase que completamente.
O MAP declara que “o que a velocidade capitalista desterritorializa com uma mão, ela territorializa com a outra. Progresso passa a ser contido dentro do modelo da mais-valia, um exército de trabalhadores de reserva, e capital livremente flutuante”. Mas o capitalismo definitivamente não está tendo sucesso em sua reterritorialização. Parcialmente no sentido da infraestrutura sócio-técnica que tem sido re-propositada e expandida por anarquistas mais rápido que a NSA consegue acompanhar, mas primariamente no sentido que nossa percepção do mundo tem sido catalisada em um looping de feedback de percepção e nuance que tem pressionado as estruturas inerentemente rígidas e mecanismos de poder. É aqui que anarquistas e transhumanistas têm identificado o mais fértil ponto de pressão.
No mesmo sentido de que há inescapáveis realidades materiais que limitam e determinam parcialmente dinâmicas sociais, também existem realidades computacionais inescapáveis. E isso não é um mero detalhe de por que o mercado tem visto uma explosão de interesse por radicais desde os anos 70 como um componente crítico na luta contra o poder.
Marxistas têm tido grande dificuldade com essa realidade inescapável desde Hayek e o reflexo padrão têm sido de considerar todas as “cibernéticas” como uma pseudociência ideologicamente maculadas. Mas se os primitivistas mais racionais têm razão em destacar as limitações fundamentais impostas sobre as sociedades pelas dinâmicas da energia, libertários também têm razão de olhar para as limitações fundamentais impostas às sociedades pela ciência da computação. Ambas são uma questão de física. E do mesmo modo que você não pode redistribuir os custos do carbono e fingir que os apagou, você não pode simplesmente redistribuir matérias de informação e cálculos e fingir que eles não são mais um problema.
Um projeto buscando um rompimento total com o primitivismo irracional da esquerda deveria muito bem confrontar a forma que ela sistematicamente desconsidera a complexidade computacional, muito menos sua falha em de fato se destacar e abraçar uma análise baseada nisso. A esquerda, ao contrário (com o aprofundamento da corrupção por parte do primitivismo, sempre a espreita dentro dela) tem abraçado a simplicidade. Suas tendências de gerenciamento fazendo sínteses perfeitas com a aversão primitivista a vigilância intelectual (“nós tentamos o pensamento/tecnologia antes e olha onde fomos parar”). De novo e de novo, sistemas são criticados em termos de serem “muito complexos” de serem entendidos/controlados, geralmente enquanto simultaneamente sendo diminuídos como algo mecânico mais do que orgânico. Mas a única distinção significativa entre o mecânico e o orgânico é uma complexidade fluida. Faz sentido investir contra a biosfera por ser “complexa de mais e muito difícil de ser totalmente entendida e controlada”? Com certeza não. E ainda assim quanto mais orgânico, quanto mais complexo e fluido o mercado é, nossas tecnologias ou nossa cultura se tornou, mais os marxistas entram em parafuso. Nós deveríamos aprofundar a vibrante, rica, e exuberante complexidade da inter-relação nos tempos da internet, não apenas porque conforme fazemos isso estruturas de poder como o estado e os gigantes do vale do silício vacilam e se encontram cada vez menos capazes de exercer controle, mas por causa de tal complexidade é inextricavelmente ligada a expressões e experiências de libertação.
Para desatar os fluxos de desejo liberatório em nosso discurso, economia, etc não devemos nos voltar para o que há de horrível e dobrar a aposta, mas resistir a isso.
Como um sobrevivente de um culto, Aceleracionistas constantemente insistem que “não existe saída”. Mas a verdade é que é bem provável que haja uma saída da situação atual em termos localistas, luditas ou anti racionalistas, e que uma saída em direção ao primitivismo é o que o poder quer.
O foco neoliberal em crises e os crescentes apelos do capitalismo como uma forma de achatar e reduzir a complexidade da sociedade são elementos que vão no mesmo sentido. Quando os modos normais de gerenciamento se tornam insustentáveis, o poder geralmente volta a simplesmente bombardear sua própria população na esperança que a destruição apocalíptica traga a situação de para uma escala uma vez mais, mais controlável.
O que estamos vendo de fato, com o desaparecimento gradual do primitivismo, é a virada raivosa do capital e do Estado contra a inovação tecnológica e as tecnologias da informação. Vide as sinistras imagens de políticos e chefes de polícia clamando pela proibição total de criptografia e da internet. E a hostilidade deles para com qualquer coisa que se pareça com mercados livres das correntes do capital é, certamente, uma antiga tradição. O poder abomina complexidade.
Ainda assim, aceleracionistas de todas as espécies compartilham uma triste tendência de considerar o mercado e racionalidade como um tipo de morte. É preciso se livrar dessa bagagem. E a rejeição ou ignorância deliberada com relação a problemas de cálculo que derivam do mercado (a teimosa tendência de continuar retratando o mercado como uma coisa “mecânica” morta ou como criadora de morte invés de ser fundamentalmente orgânica em violenta luta contra a morte mecânica do capital) leva a abraçarem soluções centralizadas, simplistas e inorgânicas como a “renda básica universal”. Hoje em dia, todo mundo compartilha alguma simpatia pela renda básica universal (certamente ninguém deveria ter que trabalhar para viver), e pode ser que esquemas de renda básica sejam reformas úteis, mas remediar as escassezes artificiais (ou seja, violentamente simples) e concentração de capital da nossa paisagem infernal do nosso presente através da imposição de um recurso ainda mais truncado é uma abordagem perigosa para dizer o mínimo. E a sua defesa acrítica inexoravelmente leva a uma caminho autoritário.
O MAP tristemente redobra a aposta nesta opção, abraçando tanto uma práxis quanto uma imagem artificialmente simples do capitalismo como um atrator no espaço fásico das relações humanas, basicamente com alcance universal:
“Nós acreditamos que qualquer pós-capitalismo exigirá um planejamento pós-capitalista. A fé posta na ideia de que, após uma revolução o povo vai espontaneamente constituir um novo sistema socioeconômico que não será um simples retorno ao capitalismo é inocente na melhor das hipóteses, e ignorante na pior delas.”
Como radicais buscando por visões de um mundo melhor, devemos de fato buscar mapear o possível, para explorar os caminhos adiante e dinâmicas alternativas, para melhor entendermos o relevo e nossas opções, em qualquer contexto possível, não apenas no presente. Mas “planejamento” carrega em si um legado bastante específico de chiliques furiosos contra a complexidade, de comunicados esnobes de supremos comitês da falta de imaginação. Caminhos verdadeiramente radicais devem ser trilhados de baixo para cima, não do grupo de leitura da Jacobin pra baixo. Planejamento pressupõe controle sobre o que é possível. Isso implica começar de um bloco de granito e esculpir uma figura previamente visualizada, invés de deixar o caminho para um objetivo mais fundamental, responder fluidamente e se adaptar ao que é possível. Planejamento não reflete uma navegação criativa mas mais da velha necessidade marxista de impor uma ordem teórica arbitrária do que de fato fazer investigações científicas.
De verdade. Eu juro por deus que não estou inventando isso, o próprio MAP cita de forma positiva o Cybersin. Somos tentados a relevar e imaginar o aprofundamento da esquerda no primitivismo dos últimos cinquenta anos como um tipo de visita a Nárnia, de onde os sobreviventes agora emergem ainda vestindo calças bocas de sino e se perguntando que horas vão servir o jantar. Mas na realidade não há desculpa para esse tipo de ciência da negação: “O fato que ambos foram absolutamente malsucedidos pode ser traçado até as limitações políticas e tecnológicas sob as quais esses primeiros ciberneticistas operavam”. Eu não consigo conceber o extenuante esforço mental que deve ser necessário para levar essa desculpa a sério. Ou talvez “sucesso” esteja sendo medido não em termos de desejos de subjetividades ricas e diversas de seres humanos, mas em termos de algum parâmetro truncado e medido contra algum capitalismo de estado zumbi contemporâneo ao Chile dos anos 1970. Prontamente assumo que uma Cybersin moderna deve ser capaz de construir um socialismo capaz de evitar as fomes em massa da União Soviética, pois as variáveis da produção de comida são relativamente pequenas comparadas com tecnologias avançadas e a constante relativa da fome humana e suas necessidades nutricionais.
Como eu gostaria de poder dizer que o giro autoritário do MAP está limitado a escrever fanfics duvidosas sobre Allende e sua ponte de comando do Star Trek, mas o MAP muito nitidamente quer descartar qualquer coisa que se pareça com horizontalismo ou descentralização juntamente do localismo.
“Segredos, verticalidade, e exclusão, todos esses também tem seu lugar em uma ação política efetiva… Nós precisamos propor uma autoridade vertical legítima controlada coletivamente, além de formas de sociabilidade horizontais distribuídas, para evitar que nos tornemos escravos de um centralismo totalitário tirânico ou de uma ordem emergente caprichosa fora de nosso controle.”
…O que eu tenho absoluta certeza vai funcionar pois como nós já estabelecemos esse universo ficcional é mágico.
Não é inteiramente nítido oque está acontecendo aqui. Os autores estão acriticamente engolindo a declaração ridícula de que a única mídia para o antiautoritarismo e resistência à expansão do poder estatal seria um ludismo localista? E de alguma forma eles estão confundindo a expansão do poder estatal com o feedback da aceleração do desenvolvimento tecnológico? Qualquer que seja o caso, essa análise não é mais uma rejeição da ideologia primitivista do que deixar crescer um bigode de vilão e ir trabalhar para uma empresa de frakking.
Por fim ficamos nos perguntando se o impulso autoritário é a força motriz ou se os autores, como acadêmicos, estão tão iludidos por seu status de classe que quando pressionados por caminhos adiante eles são incapazes de imaginar outros meios que não estabelece uma “infraestrutura intelectual” ou vanguarda de elite (completa com pedidos de think tanks financiados por governos, acredite se quiser) para dirigir isso. Qualquer um que diz estar se livrando da infecção primitivista do século 20 enquanto nunca engaja com o anarquismo, é um falsário, e agora a era da internet leva todos a se entenderem como intelectuais. Uma vez mais os aceleracionistas demonstram a mesma tendência primitivista e estatista de suprimir a complexidade, invés de abraçá-la.
Se de fato, como declara o MAP, “o sectarismo é o último suspiro da esquerda”, então eu digo que nós deveríamos ter tanto sectarismo quanto fosse possível. Se algo deve ser acelerado, que seja o sectarismo. Um sectarismo fractal até que o cadáver da esquerda finalmente seja dissolvido e o anarquismo liberto. Desenvolvendo um ácido forte o suficiente para dissolver suas estruturas de poder apodrecidas sempre foram um pré-requisito para corroer o capitalismo e o estado. Somente nossa timidez invertebrada tem nos impedido.
Mas é certo que não deveríamos nos surpreender pelos Aceleracionistas de esquerda abraçando o elitismo administrativo, é palpável a fome deles, por uma tecnocracia das humanidades acadêmicas. E com virtualmente todo discurso derivado de Marx, o objetivo nunca foi de fato alcançar um mundo melhor.
O termo aceleracionismo tem uma longa história e ainda assim aparece somente em escritos acadêmicos e nunca em aplicações do mundo real. E é (nós devemos falar do elefante na sala) fundamentalmente uma posição acadêmica. Ininteligível, fora do discurso da filosofia continental que é inextricavelmente uma expressão de classe. Puro elitismo da classe burguesa acompanhado de uma falta de sinceridade ou reducionismo/radicalismo. Uma arena onde o obscurantismo entusiástico tem encorajado o surgimento de novas hierarquias, novas ecologias de relação de poder, jogos de posturas competitivas através de nuvens masturbatórias de linguagem absolutamente desprendidas de qualquer significado real.
Esse discurso ou comunidade não é apenas relativamente desconectado das ciências, ele emergiu em grande parte de uma necessidade desesperada de se definir em contraste às ciências. E está parcialmente inclinado a ter como resultado a perpetuação de lentes antiquadas, mais do que recomeçar ou drasticamente restruturar uma análise. Num sentido muito real, as teorias e os modelos nunca morrem no discurso continental; as humanidades a que se refere defendem um sistema de notas e mais notas. E assim, diferente das ciências, apresenta um sistema inerentemente elitista. Ele cria e fetichiza economias artificiais de capital intelectual, forçando as pessoas a se arrastarem por um cânone em constante crescimento sem jamais simplificar os argumentos novamente e fazendo uma reestruturação adequada. Excelente para o hipster acadêmico que quer tratar análises sociais como quem monta uma coleção de discos (o burguês de vinte e poucos anos surfando tendências boêmias e procurando por opiniões pra defender em jantares onde os talheres ficam em jarros de vidro). Mas enquanto essas tradições têm influenciado fortemente o método performático do ativismo como uma fase pessoal e/ou como moeda de troca para a formação de uma comunidade que caracteriza muito da esquerda moderna, eles tem absolutamente zero impacto nas ruas.
A realidade é que (a realidade que os Aceleracionistas o resto da esquerda em convulsão estão obviamente respondendo) as pessoas que hoje corajosamente desbravam o futuro não são intelectuais continentais e pós-graduados em ricas universidades de arte. São anarquistas hackers e quem faz ação direta. Ou cientistas e engenheiros.
Eu suponho que é okay, que algumas pessoas dentro da tradição continental completaram o longo arco de volta a racionalidade e a uma “modernidade” rigorosa, mas enquanto vocês estavam fora nós estávamos botando as coisas pra funcionar. E eu não tenho tanta certeza de que vocês têm muito para contribuir no momento. Além de manter as portas abertas para outras pessoas presas no mesmo discurso buscando escapar dessa barca furada.
Há uma profunda diferença entre radicalismo e esse tipo de travessia infinita de redes, e análises de círculos sobre círculos que frequentemente é necessário para se ter uma ideia de um fragmento do terreno dos discursos que se sobrepõem às dinâmicas complexas mais fundamentais. A última pode rapidamente crescer de maneira cancerosa, refletindo o tipo de coisa que David Graeber expôs com obsessão profissional, a chamada “profundidade interpretativa” mais do que relevância factual.
Teóricos Aceleracionistas geralmente são de genealogia marxista e por isso acompanham a tendência marxista de falar em termos de macroestruturas nebulosas ou epifenômenos em larga escala, se recusando a lidar com a ética intrínseca. Isso é parte de uma tendência irritante mais ampla de tentar chegar a conclusões normativas de instituições em resposta a certas impressões generalistas mais que qualquer tipo de orientação ética fundacional. Como tanto do discurso esquerdista/primitivista eles parecem incapazes de formular qualquer tipo de apelos éticos que não giram em torno de intuições óbvias. Veja por exemplo o modo de argumentação dominante na esquerda atual em que algo é comprovado como negativo por sua capacidade de ser associado de alguma maneira nebulosa com grandes vilões como imperialismo ou sexismo. Quão tênue ou irrelevante é essa conexão, dificilmente importa. Nós temos um conjunto de impressões vagas do “capitalismo”. Esse conjunto é ruim. E, por isso, tudo o que pudermos associar a qualquer aspecto desse conjunto é igualmente ruim.
A maioria de nós consegue reconhecer quão absurdo esse modelo de argumentação é quando nos deparamos com ele, mas ainda continua tendo um apelo insidioso para aqueles doutrinados com a hostilidade para com o reducionismo. Perguntar “o que exatamente são os problemas específicos no centro dessa imensa gama de coisas que estamos chamando de capitalismo?” é um ato de sacrilégio. Onde tradições mais radicais buscam separar as palavras em conceitos distintos e identificáveis, os continentais corretamente entenderam que esse tipo de claridade acabaria com o jogo aristocrático de boa parte das humanidades.
E mesmo assim, uma e outra vez essa orientação continental leva (apesar de se dizer antiessencialista) leva a tentativas reacionárias de determinar e integrar algum tipo de “natureza humana” ou “experiência humana” irredutível, que pode realmente ser desconstruída ou reconfigurada, e portanto não tem latitude real.
Não é um detalhe estranho que o filósofo continental Nick Land é tanto uma figura fundadora da Direita Aceleracionista moderna e do Neorreacionarismo. É precisamente suas raízes continentais que permitem a fundação de tal fascismo. Formar um modelo de mundo através de uma análise tão abstrata e macroscópica e abraçando as primeiras explicações e narrativas que surgem invés de olhar mais profundamente por formas de reformular e mudar as coisas é exatamente o polo oposto ao radicalismo. Mesmo nos momentos em que é adotada a linguagem concreta, o impulso reacionário têm sido consistentemente fazer afirmações rápidas sobre oque é, e ignora todas as outras explicações possíveis. É nítido que neorreacionários como um todo vêm de muitas direções, alguns são ex-transhumanistas que se afastaram de tanta tecnologia quando perceberam as conclusões inescapavelmente liberatórias de dar às pessoas mais meios, mas o projeto de Nick Land é muito certamente mais um que permanece nas piores tendências da filosofia continental. E nós não deveríamos nos surpreender. O termo aceleracionismo carrega uma história niilista, um contexto que Land e outros escritores aceleracionistas estão conscientemente reivindicando.
Niilismo, assim como Deus, libera um stress por em suma, agir como uma parada cognitiva, uma desculpa perfeita para cessar o pensamento; para ser desesperadamente invocado mais do que se pensar a respeito. E por isso herda ou forma loopings de feedback arbitrários para proteger esse estado de morte cerebral. Entre os neorreacionários isso encontra expressão através de sua fome pelas formas mais rápidas de encontrar modelos. Invocando a ciência cognitiva para “explicar expulsando” mais do que fazer investigações radicais. Tudo pode rapidamente ser desconsiderado como mera sinalização, ou ritual, ou QI, ou raça, ou oque for. Buscando por dinâmicas apenas até onde podem rapidamente criar taxonomias ou histórias simplistas para jogar sobre as coisas e impedir quaisquer explicações que podem levar a hipóteses que competem ou possibilidades radicalmente novas.
Em contraste a esse reacionismo é possível que tenhamos uma postura que abraça em vários níveis a “desterritorialização” e os “fluxos libertos” (não como uma posição niilista que desiste e aceita qualquer caminho por onde seja carregado) mas em seu lugar, uma posição de Vigilância Total. Tal vigilância é em última instância a única coisa sólida na paisagem conceitual ou computacional; mais como uma posição do que como um argumento. Certamente não é um abismo. Para a vigilância significar um nada infinito é preciso adotar uma posição de niilismo na qual todos argumentos e perspectivas são igualmente mapeáveis um sobre os outros, uma vez que você descarte todos os apegos arbitrários. Que não há metaestrutura ou pontos universalmente únicos em fluxos de meta-desejo. Tal situação perfeitamente plana seria sem dúvidas absolutamente ordenada e portanto dificilmente uma topologia aleatória, mas os niilistas se agarram a essa ilusão de planificação ou falta de sentido como uma desculpa para recusar qualquer esforço de exploração vigilante. Para apenas permanecer em quaisquer instintos ou impulsos que eles estejam pendendo sem muitos questionamentos. Às vezes isso leva a vários indivíduos exaustos coletivamente tentando se agarrar a amizades e armadilhas estéticas de suas antigas vidas anarquistas. Em outros momentos isso leva a nerds neonazistas falando sobre como brancos e homens “alpha” vão reinar após o colapso da civilização. Em todos os casos a rendição é de um localismo conceitual; vagando em círculos espontaneístas ou permanecendo em uma posição meramente porque você reside lá e despreza qualquer viagem mundial ou exploração diligente como perda de tempo. Ambos são capturados no vácuo de uma rejeição cada vez mais irracional do universal, do cosmopolitano, do genuinamente curioso.
Cito a pior das mutações da Direita Aceleracionista pois não estou convencido que o Aceleracionismo de Esquerda pode ser separado de seu lado sombrio. Não estou convencido de que ele consegue de fato traçar um rompimento com o primitivismo que praticamente define a esquerda hoje sem romper com muito da bagagem da tradição continental e marxista. E ainda assim não é nítido o que sobraria do Aceleracionismo sem essa bagagem.
Por exemplo, a noção de “alienação” que geralmente é tão central em textos aceleracionistas é, francamente, quase sempre, uma mera impressão evocativa. Tudo é alienação: Um universo sem alienação de qualquer tipo seria um universo vazio e homogêneo, sem diferenças. Mesmo se voltássemos para uma suposta versão mais concreta e tradicional do marxismo, ficamos tentados a berrar que nem o artesão pré-capitalista, nem o trabalhador da fábrica capitalista deveria necessariamente escolher entre se identificar psicologicamente com os produtos de seu trabalho em primeiro lugar. E ainda assim, é claro que a “natureza humana” é invocada.
Eu suspeito fortemente que é impossível definir “alienação” de forma concreta com qualquer tipo de substância enquanto ainda guarda semelhanças com como o termo é usado hoje. Me sinto muito mais alinhado com a abordagem relativamente indiferente do Manifesto Xenofeminista: “okay nós estamos alienados, mas em algum momento nós NÃO estivemos?”. Nós nunca tivemos muita agência em nossas condições, materiais ou sociais. Homo sapiens, como todas as criaturas, sempre foram forçados a fazer coisas. E o conto melodramático de um estado ideal que foi perdido é reacionário.
E ainda assim, se você apontasse uma arma para minha cabeça e exigisse que eu conjurasse uma definição para a palavra “alienação” eu provavelmente preservaria suas conotações negativas. Entretanto eu poderia argumentar que as correntes do desenvolvimento tecnológico e engajamento em movimento em nossa sociedade hoje estão minimizando, não acelerando a alienação. E “condições naturais”, ou o primitivo homo sapiens caçador coletor (não importa o quão integrado ao seu meio ambiente) ainda representa um incrível grau de alienação. Até porque, nossas redes neurais estão profundamente aprisionadas dentro de nossos crânios. A forma humana padrão permite apenas o mais ínfimo dos canais de interagirem com o universo mais amplo. Nesse cenário a riqueza e complexidade do nosso entendimento e capacidade de reconfigurar a nós mesmos ou nos comunicarmos uns com os outros não é nada mais que um aprofundamento da alienação. Ciência e tecnologia, em última instância, reduzem a alienação. Sem técnicas e ferramentas não haveria como ampliar a profundidade, imediatas e enraizamento para nosso engajamento com o universo. Tecnologia/linguagem, por exemplo, expandem a largura e escopo de nossa capacidade de nos comunicarmos uns com os outros, uma longa e lenta escalada cujo cume pode ser entendido como telepatia eletrônica ou a fusão de mentes.
Mesmo discutir tais aspirações ou dinâmicas seria, é claro, parecer loucamente fora de lugar no discurso Aceleracionista, que quer manter distância suficiente do transhumanismo para evitar ser visto como sincero e não tão maneiro. E basicamente é esse o problema. Não há nada de novo aqui, só uma tentativa meio chorosa de justificar um retorno a relevância que no fim do dia está mais preocupada com parecer legalzona para seus pares do que de fato retornar a relevância.
Aceleracionismo, em resumo, o velho e antiquado marxismo e todo lixo continental. Uma mistura isolada de elitismo e correntes anti intelectuais de localismos e imediatismos inerentes a aquelas visões com as quais eles agora reivindicam terem rompido.
Quando Williams & Srnicek publicaram o MAP, minha primeira leitura foi cheia de “sim, mas é óbvio” em certos pontos, temperada com uma raiva por sua falta de coragem de ir além. É uma posição natimorta, quase certamente destinada a morrer em um canto da acadêmia como uma moda quase interessante. E nenhuma enchente de trabalhos a seu respeito podem lhe dar vida.
Há um senso generalizado por muitos hoje de que o futuro “está vindo até nos”, como um trem para uma donzela amarrada nos trilhos. Na melhor das hipóteses o Aceleracionismo de Esquerda nos oferece a esperança de que nó podemos reverter a identificação da inércia neste retrato e revigorar nas pessoas o senso de que nós é que estamos acelerando para o futuro. Na pior das hipóteses, entretanto, o aceleracionismo apresenta um tipo de rendição niilista ou uma visão de uma esquerda autoritária e elitista que pode ainda sobreviver através do parasitismo. Ao ligarem-se à racionalidade, à tecnologia, etc., para manter alimentado um espaço sedentário e estupidificante de “vida humana”; o tema de tantos discursos continentais, agora postos como camada sobre camada de lixo endurecido que seus praticantes relutantemente começam a esfregar, e ao fazê-lo admitem seus fracassos
As vertentes da esquerda dispostas a abandonar o seu casamento com o primitivismo continuarão, sem dúvida, a procurar um caminho a seguir. Uma correção de rumo capaz de os arrastar para a era pós-Turing. Fico à espera desse dia. Entretanto, fazendo mal uso Nietzsche, a verdade é que não vimos nada ainda.