O Marco Civil da Internet foi aprovado pela Câmara dos Deputados nesta terça-feira (15), sendo encaminhado para votação no Senado. Um dos principais pontos do projeto de lei 2.126/201 é assegurar a neutralidade da rede, impedindo que os provedores possam ofertar pacotes de conexão diferenciados – por exemplo, acesso por um preço mais baixo apenas para certos sites no celular e acesso ilimitado a qualquer site por um preço maior.
O discurso da neutralidade da rede é sedutor. Afinal, caso deixemos as empresas ofertarem pacotes de conexão diferenciados, as pessoas terão menos acesso à internet de forma ilimitada, por preços mais altos ou porque as empresas podem bloquear conteúdo de sites que consideram como concorrência. Por isso, seria necessário tratamento igualitário a todos os conteúdos na rede.
Contudo, essa defesa da obrigatoriedade da neutralidade da rede é uma distração do problema real.
Em um livre mercado, a neutralidade da rede tende a ser obtida pelo próprio processo de competição, mas sem desconsiderar a demanda pela não-neutralidade, onde, por exemplo, pessoas poderiam optar por acessar apenas e-mail, redes sociais e alguns sites específicos de seu celular pagando menos, ou grandes empresas que congestionam o tráfego de dados poderiam pagar mais de modo que os consumidores de menor tráfego não arquem com os custos dessa congestão.
Isso ocorre pela liberdade de escolha: se uma provedora não oferece pacotes de acesso neutro a um preço razoável, é possível migrar para outra, além de que isso cria incentivos para que concorrentes entrem no setor introduzindo inovações, que resultarão em um leque mais atraente de pacotes alternativos, inclusive para lidar com os problemas técnicos da congestão no tráfego de dados, entre outros.
O próprio projeto de lei reconhece que a neutralidade da rede não pode ser mantida a qualquer custo. E adivinhem de quem será o poder de determinar quando o benefício da neutralidade não valerá o seu preço?
§ 1º A discriminação ou degradação do tráfego será regulamentada nos termos das atribuições privativas do Presidente da República previstas no inciso IV do art. 84 da Constituição Federal, para a fiel execução desta Lei, ouvidos o Comitê Gestor da Internet e a Agência Nacional de Telecomunicações, e somente poderá decorrer de:
I – requisitos técnicos indispensáveis à prestação adequada dos serviços e aplicações; e
II – priorização a serviços de emergência.
Quem terá o poder de determinar quando a neutralidade da rede não deve ser seguida será o próprio estado, que, conforme a teoria da escolha pública nos ensina, não é nada neutro. A democracia representativa geralmente não funciona para o bem da maioria, mas sim em benefício de minorias bem organizadas, dentre elas constando as grandes corporações bem-conectadas politicamente, que podem investir em lobby para ajustar o a proporção entre neutralidade e não-neutralidade que acharem mais interessante.
Portanto, eis o que o Marco Civil da Internet não discutiu e que é o problema real: os impedimentos à livre entrada, permanência e saída nesse setor, além da falta de abertura à experimentação e à inovação, por conta da legislação e de outras deficiências institucionais.
Isso impede a determinação do equilíbrio ideal entre neutralidade e não-neutralidade para melhor satisfazer a demanda por serviços de internet em dado momento por meio da livre interação com os usuários, que são aqueles que sabem com maior exatidão o que é melhor para si mesmos. Essa negociação livre, inclusive, nem ao menos impõe custos sobre o resto da sociedade, ao contrário da nova legislação.
O Marco Civil da Internet só agravará problemas do mercado que já existe, ao apostar na neutralidade e dar poder ao governo de determinar o que significa de fato a “neutralidade”. Se as corporações controlam Brasília, dar mais poder ao governo é dar poder às corporações.