The following article is translated into Portuguese from the English original, written by Kevin Carson.
Amizade do Twitter facetamente suscitou hoje a pergunta de se a Constituição é os “Termos de Serviço” dos Estados Unidos, continuando com “[Imprecação]. Sei que eu deveria ter lido as letras miúdas antes de rolar para o final e escrever ‘Concordo.’”
Pouco depois li descrição de uma preleção na qual Doc Searles referiu-se às regras que regem a maioria das experiências online — contratos de licença de usuário final – EULA, inserção de cookies e outros relacionamentos unilaterais — como “contratos de adesão.” Em terminologia jurídica, contrato de adesão é qualquer contrato elaborado inteiramente por uma das partes num relacionamento desigual de poder, que a outra parte é “livre” para aceitar ou então não aderir — mas na prática não tem como realmente não aderir. Grande parte dos “contratos padrão” ou palavreados repetitivos usados por uma indústria inteira são contratos de adesão.
Nossas relações com as poderosas instituições que controlam nossas vidas são em grande parte regidas por contratos de adesão. Em vez de contratos negociados individualmente, nos quais temos voz quanto à definição dos termos, defrontamo-nos — nas palavras de Searles — com “contratos que nunca fizemos,” que “um lado elaborou e o outro lado teve de aceitar.”
Essa observação se aplica, obviamente, ao “Contrato Social” tão amiúde citado como contrário ao libertarismo. Ao continuarmos a residir no território do estado, regido por leis criadas de acordo com um “contrato” já existente entre as pessoas que ali vivem — assim prossegue a argumentação — consentimos na autoridade do estado. Esse é um exercício em petição de princípio, assumindo o que pretende ser provado (antes de tudo, o direito do estado de dar tal ultimato). Se eu entrasse na sua sala de visitas e dissesse “se você continuar a morar aqui, estará consentindo em obedecer minha regras,” você logo perceberia essa premissa problemática não enunciada.
Isso porém também se aplica às relações com as grandes instituições “privadas” que regem nossas vidas cotidianas. Como Roderick Long destaca (“Como a Desigualdade Molda Nossas Vidas,” Império Austro-Ateniense, 17 de setembro de 2010) no tocante ao contrato de aluguel:
“Você o escreveu? Claro que não. Você e seu senhorio o escreveram juntos? Repetindo, claro que não. Ele foi escrito por seu senhorio (ou pelo advogado de seu senhorio), e está eivado de muito mais estipulações de suas obrigações para com ele do que das obrigações dele para com você. Poderá inclusive conter linguagem agourentamente ampla, tal como ‘o locatário concorda em observar todas tais instruções e regulamentações adicionais que o senhorio possa de tempos em tempos acrescentar’ (o que, se tomado literalmente, não estará muito longe de um contrato de escravatura). Se você atrasar o aluguel, pode o senhorio estipular multa punitiva? Claro que sim. Em contraste, se ele atrasar o conserto da privada, pode você reter uma parcela do aluguel? Tente só fazer isso.”
O mesmo é verdade das relações de trabalho: “[S]e você tentar criar novas obrigações para [seu empregador] como ele cria para você, prevejo que você ficará, digamos assim, decepcionado.” E seus fornecedores de serviços podem muito mais facilmente multar você por pagamento atrasado do que você conseguir reembolso por interrupção do serviço. Esse princípio permeia toda parte de nossas vidas regida por grandes instituições. “Elas representam casos em que a algumas pessoas é sistematicamente atribuído poder para ditar os termos segundo os quais as outras pessoas vivem, trabalham e transacionam.”
A direita do movimento de livre mercado não vê nada de problemático nisso. Aceita tais contratos sem questioná-los, tratando-os como exemplos genuínos de contratos livres e sem coerção entre iguais, tão caros ao libertarismo. Todos os aspectos de nossas vidas serem dominados por gigantescas poderosas instituições hierárquicas é simplesmente o rumo que as coisas tomaram dentro do “livre mercado;” tais instituições são mais eficientes, não vê você?
Aqueles de nós da esquerda que defendemos mercados libertados pedimos vênia para discordar. O poder dessas gigantescas instituições autoritárias, sejam elas nominalmente “privadas” ou não, não “simplesmente acontece.” Resulta de um jogo viciado, uma aliança espúria corporatista entre as grandes empresas e o estado a qual remonta a 150 anos ou mais. Nossas sociedade e economia vieram a ser dominadas por uma diretoria interconexa de oligarquias governamentais e corporativas por meio do uso deliberado do poder.
Como o blogueiro libertário “thoreau” diz das associações de proprietários de imóveis em Unqualified Offerings (“WHOA,” 19 de junho de 2012), “Certamente não precisamos do libertarismo se estivermos apenas em busca de um modo de justificar o fato de alguém dizer a você que tipo de flores plantar em seu quintal.”
A tese toda do libertarismo, pelo menos do libertarismo que apela a seres humanos reais que desejam mais liberdade em suas vidas, consiste no aumento da autonomia dos indivíduos em relação a regras arbitrárias de instituições de todos os tipos. Como diz o pintor anarquista Shane Thayer, “Não desejo uma sociedade que se ‘liberte’ mediante substituir a bandeira nacional ostentada no uniforme da polícia por um logotipo de empresa.”
Nós anarquistas de mercado de esquerda desejamos nivelar essas relações desiguais de poder, dissolvendo concentrações de poder tanto públicas quanto nominalmente “privadas,” de tal maneira que a liberdade de contrato se torne realidade em vez de escárnio e cortina de fumaça. Vemos o estado, em aliança com classes privilegiadas e interesses plutocráticos, como a raiz dessas assimetrias. Antes de tudo, foram os subsídios do estado, os direitos artificiais de propriedade e os cartéis regulamentadores que partejaram a economia corporativa. A qual, desde então, agigantou-se num ecossistema interconexo inteiro no qual até partes nominalmente “privadas” e “voluntárias” são fundamentalmente coercitivas.
Ao golpearmos a raiz desse poder — a coerção — nós anarquistas desejamos destruir o complexo estatal-corporativo.
Artigo original afixado por Kevin Carson em 20 de junho de 2012.
Traduzido do inglês por Murilo Otávio Rodrigues Paes Leme.