The following article is translated into Portuguese from the English original, written by R.A. Childs, Jr.
O artigo a seguir foi originalmente publicado na edição de maio de 1971 de The Abolitionist, escrito por R.A. Childs, Jr.
Uma das muitas questões que separam os “libertários de esquerda” dos “libertários de direita” diz respeito a o quanto o Governo dos Estados Unidos é maléfico. A culpa cabe, parcialmente, a ambos os lados. Entre os libertários de esquerda, até hoje praticamente ninguém tomou tempo para detalhar com precisão o que quer dizer, do que está falando, e de que evidência dispõe. Entre os libertários de direita, praticamente ninguém conhece nada de história além dos poucos tomos recomendados por Foundation for Economic Education,YAF, John Birch Society, e assim por diante. E nenhum libertário de esquerda, por sua vez, tomou tempo para pormenorizar sua argumentação.
Em artigo curto é impossível fazer toda a pormenorização e elaborar toda a argumentação para resolução do debate. O que quero porém fazer aqui é destacar exatamente acerca do que versa o debate, e sugerir a ambos os lados como resolvê-lo.
Os libertários de direita são, basicamente, patriotas por temperamento. Defendem que, apesar de todas as suas falhas, os Estados Unidos são “o país mais livre do mundo,” e que nosso governo é ainda o melhor; reagem com aversão e gritos de furor quando os libertários de esquerda sugerem que o Governo dos Estados Unidos é o mais perverso governo da face da terra. Isso o libertário de esquerda infelizmente faz amiúde, sem evidência ou explicação, e sem tentar apresentar calmamente seus argumentos.
Primeiramente, permitam-me fazer uma diferenciação: o governo, ou o Estado, como o chamarei, não é a mesma coisa que o país Estados Unidos, nem a mesma coisa que todas as pessoas que vivem sob ele, que o que elas fazem, seus lares, propriedades, empregos, valores ou o que seja. Os libertários de direita estão geralmente falando das “virtudes” desses últimos, enquanto qs libertários de esquerda estão realmente falando a respeito do Estado.
Portanto, fixemo-nos por um minuto no Estado, e em suas atividades internas ao país. É verdade ou não que os Estados Unidos são o país mais livre do mundo? Ora bem, a essa pergunta os libertários de direita respondem com vigoroso “sim!” Muito bem, de acordo com que padrão? E com quantos outros países é feita a comparação? Isso os libertários de direita nunca aprofundam, e esse é um dos motivos pelos quais objeto a eles; eles são amiúde superficiais e repetem as histórias e mitos acerca dos Estados Unidos sem terem “verificado suas premissas,” como dizem os randianos. Dividamos a violência interna ao país em dois aspectos: abrangência e intensidade. Abrangência é palavra paraquantas pessoas são afetadas, internamente ao país, pelas ações do Governo dos Estados Unidos.Intensidade é a medida em que o estado exerce violência ou ameaça fazê-lo ao controlar ações e confiscar propriedade. Ora bem, com respeito àabrangência o Governo dos Estados Unidos, internamente ao país, seguramente fica aquém tanto da URSS quanto da China, e portanto não é o pior governo sob esse aspecto. No tocante à intensidade, porém, a história é outra. O principal motivo do problema é em realidade não existir muito como mensurar a medida de violência e intimidação do Governo dos Estados Unidos. Certamente essa violência é mais sutil do que a de URSS, Alemanha Oriental, Tchecoslováquia, Espanha, e assim por diante. Embora a URSS seja mais ostensiva acerca de tentar controlar as opiniões das pessoas no domínio artístico, por exemplo, pode-se com segurança dizer que os Estados Unidos fazem a mesma coisa por meio de subsídios, licenças, e coisas que tais. Concedamos, porém, a esta altura, a afirmação dos libertários de direita de que os Estados Unidos são pelo menos marginalmente melhores do que alguns outros países, comunistas ou fascistas, no campo da política interna ao país.
E quanto à política externa? Visto ser nisso que realmente o libertário de esquerda se pega, isso é o que deve ser focado quanto consideramos a questão de o quanto o Governo dos Estados Unidos é maléfico. Quando, por exemplo, Colin Caxton ataca os libertários de esquerda em publicações tais como LIFE AND LIBERTY, por fazerem afirmações alegadamente absurdas de o Governo dos Estados Unidos ser o mais tirânico do mundo, notem que ele só foca a política interna ao país, o nível de impostos e as normas do Estado a respeito da propriedade etc. A política externa, porém, é certamente preocupação tão grande quanto a política doméstica – a menos que não estejamos dispostos a conceder que a ética e a filosofia social libertária se apliquem universalmente, e que os estrangeiros, tanto quanto os estadunidenses, têm o direito de não ser agredidos e, se agredidos, têm o direito inalienável de se defender.
A questão toda dos libertários de esquerda é que, tanto em abrangência quanto em intensidade, as ações do Governo dos Estados Unidos em países estrangeiros excedem, em violência, as de qualquer outro governo. Como é tal afirmação substanciada? Predominantemente por maciça leitura de história. Conclusões que resultam incluem: O fato de que, desde a Guerra Hispano-Americana, o Governo dos Estados Unidos vem perseguindo uma política de expansionismo no estrangeiro, que é a lógica e facilmente compreensível extensão da política anterior de “destino manifesto” sob a qual o Governo dos Estados Unidos estendeu suas fronteiras de apenas umas poucas centenas de milhas a oeste da costa leste dos Estados Unidos para até o Oceano Pacífico. Os motivos dessa política são muitos, mas incluem como traço predominante o fato de homens de negócios estadunidenses influentes terem aceito a ideia de que, sem tal expansão, os Estados Unidos estariam condenados a sofrer depressões e crises industriais sempre crescentes. Depois da Guerra Civil, em meio ao governo durante e depois da Guerra, os homens de negócios buscaram maneira de usar o governo para estabilizar a economia e garantir-lhes mercados sempre em expansão para sua crescente produção. Internamente ao país, voltaram-se para regulamentação da economia pelo governo em benefício deles, sob as leis antitruste e outras, tais como a da criação do Sistema da Reserva Federal.
Em política externa, os grandes homens de negócios voltaram-se para o uso da instituição militar dos Estados Unidos e seus canais diplomáticos para garantir mercados sempre em expansão para seus bens. Isso resultou na guerra Hispano-Americana, em confrontos com Japão e China, e coisas da espécie. Levou, finalmente, à entrada dos Estados Unidos na Primeira e na Segunda Guerra Mundial, e é importante motivo para o início da Guerra Fria.
A asseveração dos libertários de esquerda é que o Governo dos Estados Unidos é quase unicamente responsável por iniciar e manter a Guerra Fria, e por oprimir movimentos revolucionários em todo o mundo. Para substanciar essa tese, recomendo o seguinte: The Free World Collossus, por David Horowitz (2a. edição, brochura), The Cold War and Its Origins, por D.F. Fleming (2 vol.). The Roots of American Foreign Policypor Gabriel Kolko (brochura), The Politics of War por Gabriel Kolko, The Hidden History of the Korean War por I.F. Stone, e The Futile Crusade por Sidney Lens. Essas obras todas cobrem diferentes aspectos da história e da natureza da política externa dos Estados Unidos desde a virada do século, concentrando-se na Guerra Fria desde 1945.
Esses livros asseveram que os movimentos revolucionários que têm varrido o mundo desde a virada do século não são de inspiração comunista, e sim continuação dos movimentos revolucionários libertários anteriores dos séculos 17, 18 e 19. Esses movimentos tinham por objetivo a extinção do feudalismo e da antiga ordem de casta e privilégio. É essa asseveração que os libertários de direita terão de enfrentar e refutar, isto é, se eles desejarem defender que este é o melhor governo do mundo.
Referidos autores implicam que o motivo pelo qual os comunistas se tornaram ideólogos predominantes no apoio a essas revoluções (completamente consistentes com o libertarismo, obviamente) é o fato de os liberais clássicos mais antigos, adotando pragmatismo, evolucionismo e utilitarismo complacentes, terem aberto mão de sua posição como líderes das grandes revoluções capitalistas para adular os establishments estadunidense e britânico. Depois que esses líderes se foram (poucas exceções foram William Lloyd Garrison, o anarquista libertário dos direitos naturais e líder do movimento abolicionista, e Edward Atkinson, da Liga Anti-imperialista, homem de negócios partidário do laissez-faire na virada do século), aqueles que ainda viam a necessidade de revoluções em América Latina, Europa, África e Ásia, não sendo particularmente bons teóricos, pegaram o que puderam encontrar. O que encontraram foi o marxismo – pelo menos em parte. Suas ações têm sido ainda uma continuação das revoluções e movimentos libertários anteriores.
E quanto ao imperialismo dos Estados Unidos? Muitos dos libertários de direita cometem o equívoco de pensar que o imperialismo é e sempre terá de ser da variedade colonial, mas não é assim. O imperialismo, hoje, consiste em uma inter-relação entre o Governo dos Estados Unidos, algumas corporações principais dos Estados Unidos de tendência liberal-estatista, e governos estrangeiros ou classes dominantes (como no Vietnã do Sul), que resulta nas classes dominantes no poder, em troca de concessões intervencionistas-políticas-econômicas. Para fazer isso, fator importante do Governo dos Estados Unidos e seus panfletários liberais têm sido os arquitetos da Guerra Fria, e grandes corporações também têm tido papel muito importante. E é dessa gente que recebemos os mitos da guerra fria, como Murray Rothbard os chamou: Que esses movimentos revolucionários que precisam sempre ser “jogados para baixo“, são de alguma forma “de inspiração comunista“.
Afirmam ademais os libertários de esquerda que a guerra tem sido a fonte original de grande parte do estatismo estadunidense interno ao país desde o início do estado estadunidense, e que é por meio do veículo do envolvimento nos assuntos internos de países estrangeiros que os Estados Unidos têm promovido e mantido o estatismo em nível alto em todo o mundo, afetando assim muito mais pessoas do que qualqueroutro estado.
Isto posto, afirmam eles, como também eu afirmo, é hora de os libertários de direita reexaminarem o curso e a natureza da história estadunidense e do estatismo estadunidense. E, havendo-o feito, é responsabilidade dos libertários de novo empunharem a flâmula do verdadeiro radicalismo, dos movimentos contra o alistamento militar, contra o militarismo, contra o imperialismo e contra o feudalismo dos últimos séculos que só tardiamente vieram a ficar sob o domínio da esquerda socialista.
Foi meu propósito aqui esclarecer a questão, e mostrar acerca do que cada lado deveria estar falando, e por quê. O que precisamos tanto da esquerda quanto da direita neste momento é conhecimento de alto nível intensivo e de base ampla focando os reais responsáveis pela ascensão do estatismo estadunidense, e o funcionamento interno do sistema estadunidense. E não há melhor lugar para começar do que com a Guerra Fria. Sem conhecimento de alto nível a respeito, nem esquerda nem direita conseguirá fazer prevalecer sua argumentação, ou persuadir a outra parte.
Artigo original afixado por R.A. Childs, Jr de maio de 1971.
Traduzido do inglês por Murilo Otávio Rodrigues Paes Leme.