No ano passado, no Salon, Michael Lind fez “a pergunta que os libertários simplesmente não podem responder” (“The question libertarians just can’t answer“, 4 de junho de 2013): “Por que não há países libertários? (…) Se o libertarianismo fosse uma boa ideia, ao menos um país não o teria tentado?”.
Ele recebeu algumas respostas — as melhores partiram de nós, da esquerda da libertária de livre mercado, que nos consideramos críticos do capitalismo corporativo. Roderick Long escreveu (“The Myth of 19th-Century Laissez-Faire: Who Benefits Today?”, 10 de junho de 2013):
A questão é absurda porque a resposta libertária é óbvia: o libertarianismo é ótimo para as pessoas comuns, mas não tanto para as elites que controlam os países e determinam as políticas a implementar e que preferem que seu status privilegiado seja sujeito à competição no livre mercado. E as pessoas comuns não se mobilizam em prol de políticas libertárias porque a maioria delas não está familiarizada com os argumentos mais consistentes em prol do libertarianismo, em grande parte porque o sistema educacional é controlado pelas elites supracitadas.
A pergunta de Lind é análoga àquelas que poderiam ser feitas há alguns séculos: se a tolerância religiosa, a igualdade para as mulheres ou a abolição da escravidão são tão boas, por que nenhum país as tentou? Todas essas perguntas são formuladas da seguinte maneira: se a liberação é tão boa para os oprimidos, por que os opressores não a implementaram?
Minha própria resposta (“The Only Thing Dumber Than Libertarianism’s Critics are its Right-Wing Defenders,” C4SS, 22 de junho de 2013) era a de que Lind:
[Seria] recebido com um silêncio igualmente profundo se desafiasse os defensores da justiça econômica e social a dizerem pelo menos um país sem exploração econômica por uma classe privilegiada. Todos os países do mundo possuem estados interventores. Todos os países do mundo têm exploração de classe. Todos os países na história com um estado, desde que os estados surgiram, também possuem classes e exploração econômica. A correlação é de cem por cento.
Lind não ficou satisfeito com nossas respostas (“Libertarians: Still a Cult,” Salon, 11 de junho de 2013):
Um levantamento não-rigoroso da blogosfera mostra que vários libertários responderam ao meu artigo afirmando que, uma vez que o libertarianismo é antiestatista, pedir um exemplo de um estado libertário no mundo real demonstra uma incompreensão do libertarianismo. Mas se o ideal libertário é uma sociedade sem estado, então o libertarianismo é apenas um nome diferente para a utopia anarquista e merece ser igualmente ignorado.
Lind, porém, não é menos utópico que nós, “anarquistas utópicos”. Como eu afirmei em resposta a seu artigo original, Lind coloca a questão como se o espectro histórico de sistemas históricos refletisse um julgamento coletivo em que “nós”, a “sociedade” ou a “nação” decidimos o que seria a melhor maneira de organizar as questões de interesse comum. “Nós” tentamos aquela outra coisa e ela não funcionou e então “nós” tentamos esta aqui e ela funcionou melhor. Mas isso é uma bobagem a-histórica.
No Evangelho, os sacerdotes, escribas e anciãos foram até Jesus e exigiram saber sob que autoridade ele pregava para o povo. Jesus, em resposta, disse: “Também eu vos farei uma pergunta; Dizei-me pois”.
Então, a Michael Lind eu peço: mostre-me um só estado, em toda a história da humanidade, que não era controlado por uma elite econômica e usado para explorar economicamente e extrair renda das classes trabalhadoras ou produtivas na sociedade governada? Mostre-me um só estado que não era um instrumento extrativo em benefício de latifundiários patrícios, escravocratas, lordes feudais, corporações e bancos capitalistas ou — como na URSS — da própria burocracia estatal. Mostre-me um só estado cujo propósito principal não tenha sido o de proteger direitos de propriedade artificiais e a escassez artificial que permitia que a elite dominante vivesse às custas dos demais.
Repetindo o que eu e outros libertários de esquerda dissemos em resposta ao artigo de Lind, um estado libertário é uma contradição em termos. O estado passou a existir nos últimos 5000 anos de nossa história de 200.000 anos como homo sapiens, em áreas com agricultura produtiva o suficiente para que as classes dominantes extraíssem suas rendas do excedente produtivo. É isso que os estados fazem. Além disso, ninguém é capaz de encontrar um só estado na história humana sem uma elite que o capitaneasse. Logo, o argumento de Lind é absurdo.
Contudo, é possível que Lind concorde com o apologista da escravidão John Calhoun, que via o domínio de classes do estado como uma coisa boa: “Jamais existiu uma sociedade rica e civilizada em que uma parte da comunidade não tenha vivido às custas do trabalho da outra”.
Em justiça a Lind, eu duvido disso. Eu não acho que essa seja nem uma questão que ele considere. Para Lind, críticas libertárias de esquerda ao estado e ao capitalismo corporativo nem existem.
A lógica ruim e as pesquisas fracas que abarrotam as respostas libertárias a meu artigo tendem a reforçar minha visão de que, se não fossem pagos tão bem para escrever propaganda antigoverno por plutocratas como os irmãos Koch e várias corporações autointeressadas, os libertários não desempenhariam papel maior no debate público que o dos seguidores de Lyndon LaRouche ou de L. Ron Hubbard.
Lind não esconde sua visão de que o capitalismo gerencialista de altos custos é natural e inevitável. Idealmente, ele deve ser acompanhado de modificações progressistas/social-democratas para o tornarem mais palatável. Mas qualquer crítica à centralização, hierarquia ou burocracia desse modelo é necessariamente de direita. Eu critiquei essas premissas ocultas à exaustão neste artigo.
O fato permanece que se há alguém culpado de empregar “lógica ruim” e “pesquisas fracas”, além de não responder diretamente a questionamentos, esse alguém é o próprio Lind.
Já passou da hora de Lind responder ao que foi colocado. Ou de calar a boca.
Traduzido por Erick Vasconcelos.