The following article is translated into Portuguese from the English original, written by David S. D’Amato.
O fato de “vivermos num mundo posterior ao 11/9” tornou-se refrão conveniente para repressão legal ao longo da década passada — a qual aparentemente pode ser invocada para justificar aumento ilimitado do estado policial estadunidense.
Esta semana, noticiando os protestos ainda em andamento contra Wall Street, Joseph Goldstein, do New York Times, observou que as “ações da polícia sugerem o outro lado de uma força treinada para combater terrorismo.” Isso porque o Departamento de Polícia de New York – NYPD vem lidando com os manifestantes com toda a brutalidade característica que nos acostumamos a esperar das patrulhas militarizadas de nossas cidades.
Rápida pesquisa no YouTube é bastante para revelar os tipos de táticas excessivas e violentas que a polícia empregou, detendo muitos manifestantes sem causa sob a desculpa esfarrapada de “conduta desordeira.” A reportagem nos relembra que os departamentos de polícia de hoje em dia são mais amiúde maior ameaça a uma sociedade pacífica do que os criminosos dos quais pretensamente nos protegem.
John Locke disse que “os homens ingressam na sociedade,” instituindo um estado, a fim de poderem preservar sua propriedade e proteger suas pessoas e — ao dizê-lo — deu-nos uma ideia romanceada de governo. As leis dos estado eram, defendia ele, para ser como “guardas e cercas” ao redor das “propriedades de toda a sociedade, para limitarem o poder e moderarem o domínio de toda parte e membro da sociedade.”
Protegendo os fracos contra os fortes, situando todos os indivíduos em condição de igualdade perante a lei, o estado de Locke é o paradigmático “vigia noturno,” protetor benigno tendo como auxiliar a cega senhora justiça. Essa é a descrição do estado como servo da comunidade e da civilização, como guarnição contra o cruel estado de barbárie que nos espreita ameaçadoramente a partir de um passado não tão distante.
Contudo, apesar de todas as tradições e baluartes intelectuais construídos em torno dela, essa visão do estado é de longe mais utópica do que mesmo as mais otimistas representações do anarquista típico (se em verdade se possa dizer que tal pessoa exista).
Os apologistas do estado assumem, sem reservas, que uma instituição com o monopólio da violência legal, sempre administrada, na prática, por uma minúscula elite, usará esse monopólio apenas para a defesa da liberdade e da justiça. Essas são as mesmas pessoas que acreditam na ideia de que a polícia existe simplesmente “para servir e proteger.”
Com pouco ou nenhum incentivo para brandir o poder do estado para qualquer uso exceto seu próprio enriquecimento, a classe dominante é nada obstante vista como só tendo as melhores intenções. Enquanto, em todos os outros assuntos, todos os nossos instintos nos alertam de que a ninguém deveria ser confiado tal poder, acostumamo-nos a ver certas esferas da vida humana como território típico do estado.
Entre esses importantes papéis está aquele de proteger-nos uns dos outros, presumivelmente algo que só pode ser conseguido por meio de um monopólio territorial. Por que, contudo, permitir que tal presunção siga sem ser questionada?
Numa época em que o estado total tem impacto sobre praticamente todas as facetas da vida social e econômica, poucos se dão ao trabalho de lembrar que a noção moderna de estado soberano é relativamente nova no cenário. As instituições das cidades livres da Baixa Idade Média, por exemplo, cujas fronteiras eram amiúde mal definidas e com abrangência limitada, basicamente competiam pela lealdade de populações voltadas para a esfera local.
Ao longo daquela época tudo, de exércitos a tribunais a coletores de impostos, era obrigado a essencialmente competir, tendo sua legitimidade e primazia testadas — e solapadas — por outros fazendo a mesma coisa. E embora possa ter-se tratado de nada próximo da sociedade sem estado que nós anarquistas de mercado visionamos, aquele período fornece testemunho instigante de completa desnecessidade de monopólios com índole de carrasco para proporcionar esses serviços.
A anarquia não é falta de lei, e sim ausência de estado; ela pede fim não da organização da lei e da defesa, mas aperfeiçoamento dessa organização e a retirada dela das mãos das quadrilhas criminosas que hoje vagam por nossas ruas.
Artigo original afixado por David S. D’Amato em 27 de setembro de 2011.
Traduzido do inglês por Murilo Otávio Rodrigues Paes Leme.