Entendendo Erroneamente o “Crescimento Infinito”

Por Kevin Carson. Artigo original: Misunderstanding “Infinite Growth”, 11 de agosto de 2025. Traduzido por Ruan L.

Na Foundation for Economic Education, Patrick Carroll (“Responding to Reich, Part 10: How to Have Infinite Growth on a Finite Planet”, 18 de Fevereiro) tenta explicar como os críticos do capitalismo estão errados em dizer que o crescimento infinito é impossível em um planeta finito:

A respeito da ideia de crescimento infinito em um planeta finito, Reich cai no erro comum de pensar que o crescimento econômico está necessariamente ligado ao crescimento físico. Como expliquei recentemente em um artigo, o crescimento econômico é, na verdade, sobre valor, não sobre coisas. Assim, as limitações físicas do planeta – bastantes reais e consequentes – não são uma boa razão para suspeitar do crescimento econômico contínuo como tal.

Anteriormente, ele elaborou o mesmo argumento mais exaustivamente contra David Attenborough:

Sir David Attenborough expressou um sentimento bastante comum quando disse em 2013: “nós temos um ambiente finito – o planeta. Qualquer um que pensa que pode haver crescimento infinito em um ambiente finito é ou um louco, ou um economista”.

O problema neste modo de pensar é que ele constrói erroneamente o conceito de crescimento em Economia.

“Por crescimento, economistas significam criação de valor trocado no mercado”, escreve Joakim Book. A partir do momento em que nós entendemos a perspectiva econômica, torna-se claro que o crescimento neste sentido pode ser praticamente infinito, até mesmo em um mundo de recursos físicos limitados.

“Apesar de vivermos em um mundo com um número limitado de átomos”, Marian Tupy e Gale Pooley escrevem em seu livro Superabundance (2022), “há um sem número de maneira de arranjar esses átomos. As possibilidades para criar novos valores são, pois, imensas”.

Como Tim Worstall escreve, “o PNB (Produto Nacional Bruto) não é um conjunto de minerais – ou quaisquer outras coisas físicas – processadas: é valor adicionado. O limite do PNB está, assim, no saber como adicionar valor. Portanto, enquanto os recursos físicos são obviamente escassos – não haveria Economia, se eles não assim o fossem – não são os recursos físicos que limitam o crescimento econômico: é o conhecimento.

Ele também cita o economista Josh Hendrickson a respeito de que o crescimento econômico “é sobre ‘encontrar usos mais eficientes de recursos’”.

Mas, se o debate típico entre degrowthers e ecomodernists degenera em uma conversa de ouvidos tampados, pois falham em concordar em uma definição coerente de “crescimento”, ou até mesmo declarar definições diferentes; Carroll simplesmente simplesmente leva a ambiguidade a um novo lugar, falhando em definir “valor” de maneira adequada. Ele falha em clarificar se está falando sobre valor de troca ou valor de uso, ou explicar porque um acréscimo no valor de uso ou na eficiência resultaria necessariamente em um aumento no valor de troca.

De fato, o imperativo do capitalismo da eterna expansiva acumulação e lucro opera através da “criação de valor”, não no sentido de criar novas utilidades ou valores de uso, mas em encontrar coisas que anteriormente não eram mercadorias para torná-las mercadorias. Sharon Kuruvilla (“Neon Veins, Iron Fist”, 21 de Fevereiro) escreve:

Pegando uma frase do teórico da Escola de Frankfurt, Jürgen Habermas, o cyberpunk explora a “colonização do mundo da vida pelos imperativos sistêmicos”. Uma colher de chá àqueles que não estão cientes do pensamento de Habermas, ele define o mundo da vida como o domínio cotidiano de valores intrapessoais, significados e normas culturais; é o mundo cotidiano que todos nós habitamos, governado pela agência humana e pela comunidade. Ele define isso contra aquilo que chama de imperativos sistêmicos – que, para ele, são mecanismos impessoais de larga escala tais como o mercado e burocracias que são governados inteiramente pela racionalidade instrumental (eficiência, controle e orientação a fins). Para Habermas, enquanto os imperativos sistêmicos têm seu papel em governar as sociedades, as sociedades contemporâneas tendem a colonizar o mundo da vida com imperativos sistêmicos – em português claro e simples, o mundo cotidiano é lentamente substituído por um mundo onde o único imperativo é aquele de uma análise de custo-benefício – isso me satisfaz?

E quando o capitalismo ocasiona um acréscimo no valor de uso, que não deve resultar, no longo prazo, em um aumento no valor de troca, a não ser que ele necessite de inputs materiais como trabalho ou recursos naturais. A tendência natural, sem a precificação monopolista através de enclosures como a propriedade intelectual, é o avanço tecnológico que reduz a necessidade de recursos e, assim, reduzir o valor de troca dos outputs.

Como eu argumentei em outro lugar, a tendência natural do progresso tecnológico, da eficiência e da abundância é deflacionária, isto é, sua tendência é a de destruir o valor de uso.

Mesmo que os degrowthers não estejam cientes sobre o assunto como poderiam estar, a ideia que prevalece sobre o decrescimento [degrowth] não é uma redução no padrão de vida material; mas um fim ao crescimento no PNB e na pegada ecológica, isto é, no consumo de inputs materiais – que estão relacionados. O PNB é uma métrica do valor de troca total de todos os bens e serviços produzidos, a parte das rendas a partir de escassez artificial – como a propriedade intelectual,  o valor de troca de bens e serviços é primariamente uma medida do custo total dos inputs. Assim, a ideia do crescimento infinito resultante apenas da expansão do valor de uso, com nenhum acréscimo nos recursos materiais consumidos, é inconsistente com a realidade, a não ser que uma parte majoritária do PNB consista de renda a partir monopólio [no original: unearned monopoly rents]. E isso é particularmente verdadeiro para a ideia de crescimento econômico através do encontro de usos mais eficientes para recursos: usos mais eficientes de recursos devem reduzir o custo de produção, e, assim, o preço e o PNB.

Aplicando este princípio ao argumento de Carroll, o único meio pelo qual o “conhecimento” pode resultar em crescimento econômico é se ele é cercado [enclosed] como uma fonte de lucro através de uma escassez artificial como a propriedade intelectual. De outro modo, sua tendência natural é o decrescimento.

O modelo econômico de crescimento no valor de troca através da enclousure, até mesmo como as tecnologias de abundância diminuem o custo material de produzir um dado nível de valor de uso, foi descrito por Peter Frase como o “anti-Star Trek. No universo anti-Star Trek, a mesmas tecnologias de pós-escassez – replicadores matéria-energia, etc. – existem, assim como no Star Trek normal. A diferença está nas relações de propriedade socialmente construídas:

O Anti-Star Trek aceita estas mesmas premissas tecnológicas: replicadores; energia livre; e economia de pós-escassez. Mas, coloca um conjunto de relações sociais sobre as mesmas. O anti-Star Trek é uma tentativa de responder a seguinte questão:

Dada a abundância material feita possível pelo replicador, como seria possível manter um sistema baseado em dinheiro, lucro e poder de classe?”

Como o capitalismo industrial, a economia de anti-Star Trek se sustenta sobre um regime específico de relações de propriedade reforçadas pelo Estado. Entretanto, o tipo de propriedade que é central ao anti-Star Trek não é física, mas intelectual, como codificado legalmente no sistema de patentes e copyright. …

Esta é a qualidade da lei de propriedade intelectual que provê uma fundação econômica para o anti-Star Trek: a habilidade de ordenar aos outros como utilizar cópias de uma ideia que é “sua”. Para acessar um replicador, você terá de comprar de uma companhia que te licencia para o uso do mesmo (alguém não pode simplesmente te dar um replicador ou fazer um com seu próprio replicador, pois isso violaria sua licença). O que há além disso? Toda vez que você fizer qualquer coisa com o replicador, precisará pagar uma conta de licenciamento para qualquer um que tem o direito dessa coisa em particular. Assim, se o capitão Jean-Luc Picard do anti-Star Trek gostaria de “tea, Earl Grey, hot”, ele teria de pagar à companhia que fez o copyright do padrão-replicador para o chá Earl Grey.

No mundo real, o imperativo em direção ao crescimento capitalista levou a uma redução em valores de uso e em utilidades, além de um acréscimo em valores de troca. O que vemos, de verdade, é uma tendência crescente em direção ao que é chamado de enshittification (Cory Doctorow) ou rot economy (Ed Zitron) ou a supremacia do negócio sobre a indústria (Thorstein Veblen). Há mais lucro em desfiar ativos, canibalizando os empreendimentos produtivos por partes, e, no processo, reduzindo a utilidade ao consumidor, do que criar novas utilidades.

Kuruvilla descreve a realidade cyberpunk que resultou  da subordinação do praça pública digital e do corpo político aos imperativos do capital:

A partir das redes sociais tóxicas produzidas pelos públicos digitais sendo infestadas por bullshit e rage (em que a inteligência digital não ajuda nem um pouco), CEO’s do biotech prometendo o design de infantes, um presidente apoiado pelas elites technocapitalistas tais quais Elon Musk e os venture capitalists, um vice presidente inspirado por um pensador neoreacionário (Curtis Yarvin) a favor de um “patchwork digital”, Elon fazendo um chororô sobre o design “woke” de personagens fêmeas de videogame, ou a violência sendo mais e mais aceita como um meio de atingir um fim, o mundo da vida que agora todos nós habitamos parece mais perto de uma ficção cyberpunk do que aquelas especuladas por qualquer futurista otimista como Johan Norberg, Stephen Pinker ou Iain Banks.

Mas, nada disso é um efeito colateral da própria tecnologia. O erro dos teóricos como Lewis Mumford (The Pyramid of Power) e Jacques Ellul (Technology) era ver o totalitarismo como inerente à tecnologia cibernética, ao invés de inerente à estrutura de poder na qual foi adotada. O próprio Nobert Wiener, pai da cibernética, fez tal distinção, de acordo com Kuruvilla. Ele

criticava o impulso dos capitalistas e fascistas de reduzir o povo a papéis e responsáveis específicos e claramente delineados. Sua crítica desse impulso, não apenas moral, mas instrumental – reduzir o escopo amplo do que as pessoas podem fazer limita seu potencial mais grandioso. Uma pessoa não é nascida com um papel específico a partir de sua herança genética; ao invés disso,  ela é capaz de um constante engajamento com um mundo e de várias coisas grandiosas ao longo de sua vida. É essa possibilidade que nossos aspirantes a autocratas e a oligarcas desejam esmagar.

Para tomar um exemplo, a enshittification da mídia social resulta do cercamento legal dos efeitos da rede como uma fonte de renda, artificialmente aumentando os custos de transição e, assim, permitindo donos de corporação criar plataformas “Death Star” cercadas por muros. Por outro lado, a maneira de prevenir tal enshittification e tal cercamento totalitário é o que Cory Doctorow chama de “adversarial interoperability”: eliminar as barreiras legais e artificiais, permitindo, assim, que as pessoas construam suas próprias instâncias acima ou fora das plataformas do Facebook, Twitter, Uber, Amazon, etc., sem sua permissão.

O mesmo é verdadeiro da maioria dos aspectos tóxicos da globalização corporativa, que não são o resultado da produção ou do transporte de tecnologias, mas da estrutura social. A “vantagem comparativa” que guia o outsourcing e o offshore é uma vantagem artificial, resultante de intervenções do estado que fazer a viagem de longa distância artificialmente baratas (massivos subsídios de transporte, uma política externa focada em controla recursos de combustíveis fósseis, etc.) e facilitar o monopólio legal sobre design de produtos disponibilizados [contracted out] para empresas nominalmente independentes (acordos draconianos de propriedade intelectual global, que permitem que uma corporação de “manufatura” terceirize toda a produção para contratantes nominalmente independentes, enquanto mantêm o único direito legal de autorizar a produção de dados designs e dispor do produto). A “eficiência” primária buscada pelo capital ocidental no Terceiro Mundo é barata, trabalho facilmente explorável – trabalho que é, de fato, tão hábil ou mais hábil que muito do trabalho nos países ocidentais. E terceirizar a produção [export production] para onde há trabalho barato é artificialmente viável por causa das intervenções acima mencionadas. Sendo ausentes os subsídios de transportes e as leis de propriedade intelectual [IP laws], fábricas na ásia poderia simplesmente desrespeitar as patentes ocidentais e produzir bens idênticos para vender aos seus próprios mercados domésticos a uma fração do preço vigente, ao invés de vendê-los por uma merreca e terem seu preço aumentado em centenas de vezes por cento nas prateleiras do Walmart. E, sob tais circunstâncias, com todos os custos totalmente internalizados e as barreiras artificiais à produção removidas, seria mais eficiente realocar a produção de uma maior parte dos bens consumidos no Ocidente.

Obviamente, não estou dizendo que o protecionismo é bom ou que o comércio internacional é ruim. O que é ruim são as eficiências ilusórias provenientes das externalidades e da escassez artificial.

O que se precisa, em última instância, é desfiar do capital sua habilidade de perseguir um modelo de crescimento extensivo baseado no crescimento eternamente crescente de recursos e de cercar as eficiências que ele cria como uma fonte de renda, e passá-las aos consumidores [and passing them along to the consumers]. Assim como os Diggers derrubaram as paredes físicas há quase 400 anos atrás, e começaram a cultivar bens comuns reivindicados, nós temos de derrubar as paredes legar e reivindicar para nós mesmos os benefícios criados por nosso próprio intelecto coletivo.

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