Onde Cão é Gato, Gato é Cão e Competição é Alienação

Por Kevin Carson. Artigo original: At Reason, Where Black is White — and Market Competition is a “Grab” de 5 de agosto 2024. Traduzido em português por Ruan L.

[Nota do tradutor ao leitor: (i) as palavras “drug” e “pharmaceuticals” são usadas de maneira intercambiável, vide o texto original. Tal distinção foi deixada de lado tendo em vista a simplicidade. Ao invés disso, fizemos o uso dos pronomes pessoais do português, que possuem marcador de gênero, facilitando a anáfora. (ii) “grab” foi traduzido por  “tomada”, mas é traduzido como “alienação” no título para fins estéticos]

No periódico Reason, Elizabeth Nolan Brown (cf. “Feds Make a Pharma Patent Grab”) dá um novo significado à palavra “tomada” [no original: grab]. A maioria das pessoas consideraria a concessão estatal do direito de monopólio sobre a produção de alguma coisa como sendo em si uma tomada. Todavia, Brown não o faz.

Recentemente, a administração evocou o Bayh-Dole Act de 1980 ao reivindicar o direito de tomar as patentes dos fármacos com as quais os produtores praticam a superfaturação. “Se as companhias farmacêuticas não venderem os fármacos financiados com impostos por um preço razoável, estaremos preparados para permitir que outras companhias providenciem os mesmos por menos”, explicou um conselheiro econômico. Sobre isso, escreve Brown:

“Presidente Joe Biden reivindica a autoridade de agir sob o Bayh-Dole Act de 1980. Este permite que pequenos negócios e organizações sem fins lucrativos retenham a propriedade das invenções possibilitadas ou pelos contratos federais, ou pelas garantias, ou pelos acordos cooperativos – até o ponto em que eles patentearem e licenciarem tais invenções. Seu ímpeto foi toda a inovação que surgiu sob a propriedade governamental …

Sob o sistema Bayh-Dole, é mais fácil para as invenções (fármacos inclusos) partirem do estágio de pesquisa e desaguarem no estágio mercantil. Tendo em vista que o objetivo da lei é viabilizar o benefício público a partir da inovação, ela contém uma estipulação dizendo que o governo pode tomar a propriedade de uma invenção, se uma instituição não a comercializa.”

Sob qualquer definição normal a distribuição de patentes no Bayh-Dole foi em si mesma uma tomada corporativa permitida pelo governo. Uma patente é literalmente um monopólio garantido pelo estado que dá o direito ao proprietário de produzir um bem particular e vendê-lo a qualquer preço que ache razoável, tudo isso com a entrada de produtores competitivos legalmente proibida. A tomada de patentes ou a estipulação “march-in” é simplesmente uma provisão inadequada para lidar com os piores abusos de um poder garatindo pelo estado que é inerente mau e não deveria sequer existir.

Que falar além disso? Ah! Mesmo assumindo a legitimidade das patentes, Bayh-Dole foi planejada porcamente como uma resposta ao problema da falta governamental de recursos para trabalhar nas patentes de fármacos desenvolvidas a partir de pesquisas financiadas com impostos. Ao invés de garantir o direito de monopólio a uma corporação que irá produzir, poderia simplesmente colocar a patente em domínio público e permitir que qualquer companhia produzissem-as.

Até mesmo muitos libertários de direita que são defensores sem vergonha do poder corporativo condenam as patentes e outras formas de propriedade intelectual como ilegítima. Murray Rothbard que, antes de sua jornada ao adentrar o buraco paleo-conservador para se tornar um líder de torcida a favor da vilência policial e um viajante parceiro do racista reacionário Hans Hermann Hoppe, tomou ao menos algumas posições anti-corporativas baseadas em princípios, e rejeitou as patentes logo de cara. Além disso, Stephan Kinsella, que em outras situações é um dos defensores mais estridentes dos grandes negócios e seus lucros a ainda escrever, é igualmente estridente contra as patentes.

Todavia, Brown tem um histórico de defender corporações poderosas, corporações estas em que seu modelo de negócio é baseado em patentes, leis do “desprezo criminoso contra o modelo de negócios” e outras barreiras legais à competição.

Sua representação das ações propostas por Biden é hilariamente alarmista. Ela nos avisa que ele “levaria a redistribuição a novos extremos” e “efetivamente dá ao governo o controle sobre o preço dos fármacos.”

Deixe-me pensar… Não! O abuso primário de poder foi em primeiro lugar a garantia das patentes. Foram as patentes que redistribuiram a renda [no original: income] dos consumidores às companhias farmacêuticas, e para estas deu o controle defendido pelo estado sobre o preço das drogas. Graças às patentes, que garantem o controle absoluto das pharmas sobre o preço dos fármacos através da ilegalização da competição, é comum que um fármaco patenteado seja precificado vinte vezes acima do custo do preço de produção. Isto significa que 95% do preço é pago pelos impostos do consumidor a uma corporação que é detentora do poder estatal. Qualquer provisão tendo em vista a tomada de patentes, ou pela falha de produzir a patente como fora originalmente planejado na lei, ou mais amplamente por uma precificação abusivamente egrégia, longe de ser uma tomada de poder, deveria ser vista como uma redução do ilegítimo poder estatal.

A função central do Estado é subsidiar os custos operacionais dos grandes negócios, facilitar a acumulação, restringir a competição aos níveis compatíveis com uma estrutura estável de oligopólio, estimular a demanda adequada tendo em vista prevenir a depressão econômica, absorver capital excedente com nenhum resultado lucrativo e servir às necessidades de reprodução sem as qualis o modelo atual de capitalismo corporativista não sobreviveria. Em outras palavras, a função primária do Estado é reforçar os previlégios pelos quais uma classe econômica dominante extrai um excedente do resto da sociedade. Quaisquer ações regulatórias vindas do estado, que restringem os abusos de tal previlégio, podem parecer um aumento do poder estatal à primeira vista; mas, olhando de perto, é uma redução líquida no nível de estatismo.

De fato, as respostas de Biden ao abuso de um previlégio, que são em si mesmas abusivas, são risivelmente inadequadas. A única ação adequada seria não apenas tomar [no original: seize] as patentes de alguns fármacos; mas abolir as patentes de uma vez e sumir com aquelas que já existem. O resultado seria algo que os libertários de direita supostamente defendem: a competição.

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