The following article is translated into Portuguese from the English original, written by Kevin Carson.
Quando ouço alguém dizer que os soldados “defendem nossa liberdade” minha reação imediata é de engulho. Acho que provavelmente a última vez em que soldados estadunidenses realmente lutaram pela liberdade de estadunidenses foi na Guerra Revolucionária — ou talvez na Guerra de 1812, se quisermos ser generosos. Toda guerra desde então foi para nada mais do que manter um sistema de poder e tornar os ricos ainda mais ricos.
Consigo contudo pensar numa única exceção. Se há soldado em algum lugar do mundo que já lutou e sofreu por minha liberdade, é o soldado de primeira classe Bradley Manning.
Manning é amiúde retratado, entre os primatas direitistas de sites de discussões online, como uma espécie de menino mimado ou de ingrato, agindo impelido por capricho adolescente. Não é exatamente isso o que aconteceu, de acordo com Johann Hari (“Os heróis não devidamente valorizados de 2010,” The Independent, 24 de dezembro).
Manning, como muitos soldados jovens, alistou-se na crença ingênua de estar defendendo a liberdade de seus concidadãos estadunidenses. Quando foi para o Iraque, viu-se trabalhando com ordem de “arrebanhar e entregar civis iraquianos aos novos aliados iraquianos dos Estados Unidos, os quais, podia ele ver, então os torturavam com furadeiras elétricas e outros implementos.” As pessoas que ele prendeu e entregou para tortura eram culpadas de “crimes” tais como escrever “críticas acadêmicas” às forças de ocupação dos Estados Unidos e ao governo títere respectivo. Ao Manning expressar suas reservas morais a seu supervisor, “foi-lhe dito que calasse a boca e voltasse ao arrebanhamento de iraquianos.”
As pessoas que Manning viu serem torturadas, a propósito, eram amiúde exatamente as mesmas que haviam sido torturadas por Saddam: sindicalistas, membros do Congresso Iraquiano da Liberdade, e outras pessoas amantes da liberdade que não tinham mais uso para a Halliburton e para a Blackwater do que haviam tido para o Partido Baath.
Por expor os crimes contra a humanidade de seu governo, Manning já passou sete meses em confinamento solitário – forma de tortura deliberadamente calculada para alquebrar a mente humana.
Vemos muitos “pensadores sérios” nas páginas de artigos opinativos e noticiários de televisão, pessoas como David Gergen, Chris Matthews e Michael Kinsley, estendendo-se acerca de todas as coisas que os vazamentos de Manning impediram “nosso governo” fazer.
Ele prejudicou a capacidade do governo dos Estados Unidos de conduzir a diplomacia na persecução de algum fictício “interesse nacional” que pretensamente tenho em comum com Microsoft, Wal-Mart e Disney. Ele pôs em risco número indizível de vidas inocentes, de acordo com exatamente as mesmas pessoas que ordenaram a morte de indizíveis milhares de pessoas inocentes. Conforme o Secretário de Imprensa da Casa Branca Robert Gibbs, a exposição, por Manning, do conluio secreto dos Estados Unidos com governos autoritários do Oriente Médio, para promover políticas que os povos respectivos considerariam abomináveis, solapa a capacidade dos Estados Unidos de promover “democracia, governo transparente e sociedades livres e transparentes.”
Eu, porém, direi a vocês quais são as capacidades de fazer do governo que Manning realmente prejudicou.
Ele prejudicou a capacidade de o governo dos Estados Unidos mentir levando-nos a guerras onde milhares de estadunidenses e dezenas de milhares de estrangeiros são assassinados.
Ele prejudicou a capacidade do governo de usar essas guerras — à guisa de promover a “democracia” — para colocar no poder governos títeres tais como a Autoridade Provisória da Coalizão, chanceladores de acordos neoliberais de “livre comércio” (incluindo rígidas cláusulas de “propriedade intelectual” escritas pelas indústrias de conteúdo patenteado) e signatários de acordos especiais com compadres capitalistas estadunidenses.
Ele prejudicou a capacidade de o governo prender pessoas boas e decentes que — diferentemente da maioria dos soldados — estão realmente lutando pela liberdade, e de entregá-las a governos brutais para tortura com ferramentas elétricas.
Deixemos claro o seguinte. Bradley Manning pode ser criminoso pelos padrões do estado estadunidense. Contudo, por todos os padrões humanos de moralidade, o governo e seus funcionários, que Manning expôs à luz do dia, são criminosos. E Manning é um herói da liberdade por fazê-lo.
Assim, se você é um desses adoradores do estado autoritário, um desses sicofantas servis do poder que torcem pela punição de Manning e preconizam tratamento ainda mais duro para ele, tudo o que posso dizer é que você teria estado provavelmente na crucifixão instando Pôncio Pilatos a descer o açoite um pouco mais forte. Você teria dito aos nazistas onde Anne Frank estava escondida. Você não faz jus à liberdade pela qual tantos heróis e mártires ao longo da história — heróis como Bradley Manning — lutaram para dar a você.
Artigo original afixado por Kevin Carson em 30 de dezembro de 2010.
Traduzido do inglês por Murilo Otávio Rodrigues Paes Leme.