Os disparos, na Colina do Capitólio, contra Miriam Carey, mulher desarmada que desobedeceu a comando de policiais para que parasse o carro, foi situação bem conhecida para qualquer veterano da Guerra do Iraque, com importante diferença — em vez de moverem-se numa escalada progressiva de força para neutralizar a situação, os policiais da Colina do Capitólio recorreram imediatamente a suas armas de fogo e atiraram para matar. Desde meu retorno do serviço como atendente de primeiros socorros de combate do Exército em Bagdá há seis anos, tenho visto a polícia estadunidense tornar-se mais agressivamente violenta do que meus companheiros soldados e eu jamais fomos treinados para ser.
Grande parte da Guerra do Iraque girou em torno de proteger bairros, e muito desse trabalho foi feito por soldados operando barreiras, como as barreiras que Carey atravessou durante o incidente que levou à morte dela. Tivesse esse incidente ocorrido em Bagdá e não em Washington D.C., os soldados encarregados da barreira teriam primeiro sacado suas armas como o fizeram os policiais mas, antes de atirarem na motorista, teriam atirado no chão à frente dela e no motor, tentando parar o carro, e outrossim empregariam munição não letal para vazar o vidro dianteiro, e lasers para cegá-la temporariamente. Os policiais da Colina do Capitólio não fizeram nenhuma dessas coisas. Depois de sacar suas armas, a primeira reação deles à recusa de Carey em cooperar foi abrir fogo numa área movimentada de uma grande cidade. O vídeo mostra que eles não atiraram no chão nem para deterem o carro dela, e sim claramente miraram para matar Carey por ela ter desobedecido aos comandos deles para que saísse do carro. Nenhum método não letal foi tentado, e munição não letal, considerada equipamento essencial em qualquer barreira em Bagdá, poderá não ter estado disponível nessas barreiras da capital dos Estados Unidos.
No Iraque, em 2007, o ano que passei em Bagdá, novecentos estadunidenses foram mortos, e 23.000 iraquianos, de acordo com o IraqBodyCount.com. Em comparação, naquele mesmo ano 75 policiais estadunidenses morreram violentamente, a despeito de os policiais estadunidenses superarem em número os soldados estadunidenses no Iraque por fator de quatro. Embora obviamente a invasão estadunidense do Iraque tenha causado muito mais morte e destruição do que qualquer polícia estadunidense jamais causou, exame das políticas adotadas pelas chefias da instituição militar e da polícia, respectivamente, leva a perturbadoras conclusões. Embora horrendos abusos tenham sido, obviamente, perpetrados contra o povo iraquiano, inclusive não em último lugar a invasão ela própria, a polícia, nos Estados Unidos, é sistematicamente estimulada a atuar muito mais agressivamente em relação aos cidadãos estadunidenses do que nossos oficiais nos direcionavam para atuarmos em relação aos iraquianos.
Histórias de policiais fazendo coisas que soldados são proibidos de fazer tornaram-se infelizmente comuns. No Iraque, éramos instruídos a poupar animais tanto quanto possível; autoridades policiais não raro abatem animais domésticos de famílias. Era-nos dito para sermos tão respeitosos quanto possível para com os ocupantes das casas que vasculhávamos e apenas empregássemos “entrada dinâmica” quando houvesse probabilidade de enfrentarmos resistência violenta; como Radley Balko tem documentado, entrada dinâmica e abuso contra os habitantes de casas vasculhadas tornaram-se rotineiros para a polícia estadunidense, mesmo durante investigações de crimes não violentos e sem vítimas. Os soldados que operavam nossas barreiras eram treinados para usar um elenco de opções não letais antes de recorrerem a força letal; como vimos ontem na Colina do Capitólio, autoridades policiais estadunidenses reagem primeiro com força letal.
Militarização da polícia é tópico que vem, recentemente, sendo debatido, especialmente em círculos libertários, mas a polícia estadunidense está além de qualquer coisa cogitada pela instituição militar estadunidense. Embora abusos certamente tenham ocorrido no Iraque e em outros lugares, nossos procedimentos como soldados em zona de guerra eram planejados para evitar violência e proteger a vida dos iraquianos, e nós entendíamos que isso significava aceitar alguns riscos nós próprios enquanto soldados. A polícia estadunidense de hoje parece não estar disposta a aceitar qualquer risco que seja e parece disposta a matar qualquer pessoa e qualquer coisa que possa representar ameaça; de acordo com a chefe da polícia do D.C., Cathy Lanier, essas autoridades policiais “fizeram exatamente o que se supunha deveriam fazer.”
Embora a declaração de Lanier possa ser verdadeira em termos de política da polícia, não podemos aceitar essas políticas. Força letal não pode ser a primeira e a última opção para lidar com qualquer ameaça em potencial, e as autoridades policiais têm de ser treinadas para empenharem-se em proteger a vida dos cidadãos, especialmente dos cidadãos suspeitos. Policiar é trabalho perigoso mas, como alguém que tem desempenhado outro trabalho perigoso, tenho de dizer que nossa polícia estadunidense precisa entender e aceitar os riscos que assume quando aceita o distintivo e compreender que está lá para proteger os outros antes de proteger a si própria.
Artigo original afixado por Jonathan Carp em 9 de outubro de 2013.
Traduzido do inglês por Murilo Otávio Rodrigues Paes Leme.