As indústrias de internet nos Estados Unidos podem ter acabado de inadvertidamente ter recebido bilhete azul pelo complexo industrial militar. Agora compete à Europa oferecer alternativa para o estado abelhudo.
Quase todos os principais gigantes da indústria de internet estão sediados nos Estados Unidos. Os motivos são históricos e econômicos. A tradição de forte empreendedorismo praticado nos Estados Unidos desde o início do país, mesclada com poder de compra e histórico de adquirir qualquer empresa suficientemente lucrativa ou tecnologia atraente do exterior colocou os Estados Unidos em posição de supremacia para ser o líder mundial no fornecimento de serviços de internet.
Pode ser que isso tenha acabado de terminar. Embora o predomínio dos Estados Unidos sobre o mercado global de serviços de internet, de aproximadamente $11 triliões de dólares por ano, permaneça sem rival, o dano causado pelas revelações feitas acerca do vasto esquema de escuta global da NSA poderá tolher seu crescimento e talvez até levar a recessão localizada nos meses e anos vindouros.
O motivo disso é a Europa. Embora alguns europeus estejam sentindo-se cada vez mais confortáveis com a noção de viverem num estado abelhudo, a maioria das pessoas do continente europeu ainda cresceu ouvindo histórias de ditaduras totalitárias, guerras, genocídios e o Holocausto, e tem natural inclinação para detestar a noção de polícia secreta. À medida que mais é sabido acerca dos jogos secretos de espionagem dos Estados Unidos – auxiliados em parte, parece, por suas contrapartes inglesas – indignação ferve intensamente em países como França e Alemanha, onde a despeito de sociedades altamente abertas e intrometidas sob alguns aspectos, as noções de privacidade, tais como praticadas nos Estados Unidos, têm amiude sido consideradas graciosamente antiquadas. Embora o moderno discurso acerca de privacidade seja dominado pelos fundamentos filosóficos da 4a. Emenda, entendimento ligeiramente diverso, de certo modo mais sutil, da privacidade domina o discurso europeu, com definição desconfortavelmente difícil de apreender.
Nos meses e anos vindouros, a traição dos povos do mundo pelo governo dos Estados Unidos esporeará nova indústria na Europa, não necessariamente assestada para pura inovação tecnológica mas, antes, simplesmente criando alternativas seguras e respeitadoras da privacidade a serviços de software oferecidos por empresas sediadas nos Estados Unidos, não mais dignas de confiança. Veremos as novas empresas tchecas e húngaras criando novas máquinas de pesquisa e empresas croatas e polonesas desenvolvendo serviços de email seguros. Indubitavelmente veremos software de bate-papo resistente a escuta vindo da Áustria e bases de dados de mapa global sendo desenvolvidas na Estônia. Ou algo da espécie.
Não quer dizer que a Europa esteja pronta para empreender tal tarefa colossal. Há muita definição de valores que precisa acontecer, tanto cultural quanto politicamente, na Europa: embora a privacidade seja valor compartilhado na maior parte dos cantos do continente, por causa do duradouro temor de retorno ao totalitarismo – incentivado em não pequena parte pela ascensão de pessoas como o primeiro-ministro húngaro Viktor Orbán ao poder – há ainda um fantasma de apreensão nas interações entre as tribos que formam a Europa que parece augurar balcanização. Além disso há classe política esquizofrênica que fala de livre comércio em um minuto e de restrições no seguinte, em meio à qual estão aqueles que entram em robusta ereção à mera menção de censura da pornografia ou qualquer outra coisa que considerem ofensivo ou excessivamente estimulante.
Dito isso, bem poderá ocorrer a década da Europa em tecnologia, e tudo por os Estados Unidos terem fracassado em ouvir advertência importante e atemporal: “Precisamos impedir aquisição de influência não justificável, deliberada ou não, da parte do complexo industrial-militar.” As palavras de despedida de Eisenhower a uma nação em processo de ser envolvida numa guerra fria foram ainda mais frias, visto que um homem que havia visto uma besta crescer durante seus anos no cargo estava urgentemente apontando para a escrita na parede. Os anos, porém, passaram-se e a besta cresceu – as premonições transformando-se em repulsiva miséria com cada Presidente passante que fracassava em deter o estado abelhudo.
E, agora, o complexo industrial-militar pode ter destruído o complexo industrial-internet dos Estados Unidos.
Logo quando os últimos dois terços da humanidade preparam-se para transição para o ciberespaço, as ações da NSA revelaram-se muito mais Oeste Bravio do que qualquer governo se sente confortável em admitir. O império da lei desmorona-se realmente rápido quando não há claro monopólio do uso legítimo da violência. Poucos atos há tão violentos quanto furtar os segredos de todo mundo. Quase duzentos países estão clamando por legitimidade, mas o que permaneceu mais silente – exceto quando verberando, digamos, o Irã, por não respeitar a “liberdade da internet” – foi aquele cuja legitimidade já havia sido erradicada por suas violações dos valores em cima dos quais o país foi fundado.
Preterir Eisenhower bem pode ter sido o dobre fúnebre da democracia estadunidense, mas o desmascaramento pode soar o início de nova era de direitos humanos. Aqueles que vierem online pela primeira vez daqui a poucos anos ou décadas bem poderão deparar-se com mundo completamente diferente daquele no qual vivemos, talvez parcialmente por terem escolha entre as redes monitoradas de Oceania ou a criptarquias liberais da Eurásia. O mercado indubitavelmente terá voz no que acontecerá depois disso.
Por ora, entanto, há um plano surgindo. Os hackers e os ativistas de direitos humanos, as pessoas partidárias da liberdade na rede e quejandos e os tecnófilos vêm-se despertando do esmorecimento pós-primavera árabe e estão lembrando das coisas que precisam ser feitas para impedir o próximo Mubarak. Criptografia melhor, mais simples, mais usável. Sistemas monetários anônimos verificáveis, de comunicação direta, e sistemas de tomada democrática de decisão. Comunicações seguras e completa transparência dentro da governança.
Durante a transição para esse novo futuro europeu, muitos dados serão armazenados – dados refugiados buscando asilo dos terrores do estado de escuta anglo-estadunidense. Embora os governos de Suécia e Reino Unido possam estar de certo modo ávidos demais para compartilhar dados que fluem por seus centros residentes de dados com seus colegas estadunidenses, há alguns países, notavelmente Islândia, dispostos proporcionar forte ambiente legal, energia renovável barata, e boa conectividade para o resto do mundo. Os centros de dados não são o futuro, mas são o presente, e por ora há espantosa oportunidade de negócios neles para países dispostos a se erguerem e defenderem a soberania de dados, a noção de que os indivíduos têm o direito a privacidade e controle dos dados que geram.
Para aqueles que desejem praticar soberania de dados antes de ela se tornar moda, eu diria: Venham para a Islândia. Tragam dados.
Artigo original afixado por Smari McCarthy 18 de julho de 2013.
Traduzido do inglês por Murilo Otávio Rodrigues Paes Leme.