The following article is translated into Portuguese from the English original, written by Kevin Carson.
Os anarquistas querem extinguir o estado, com todas as funções hoje desempenhadas pelo estado passando a ser desempenhadas por associações voluntárias. Portanto, naturalmente, objetamos a “emprego público” — o financiamento de serviços por meio de tributação compulsória — em princípio.
A questão é, como chegaremos lá partindo de onde estamos hoje?
Algumas das coisas atualmente feitas por empregados do governo financiados pelo contribuinte são funções legítimas que existiriam em alguma forma numa sociedade sem estado. A entrega de correspondência é um exemplo. A educação seria sem dúvida diferente, sob muitos aspectos, numa sociedade livre — nada de leis de frequência obrigatória e nada de processamento de recursos humanos em benefício do estado corporativo. Ensinar crianças, porém, é função importante em qualquer sociedade, e muito do que os professores de escola pública fazem hoje provavelmente seria carreado sem grandes mudanças. Mesmo parte do que a polícia faz, tal como deter o crime violento e apreender agressores, ainda seria necessário — mas sem leis contra crimes sem vítima, ou qualquer dos comportamentos truculentos sistematicamente relatados por pessoas como Radley Balko.
Muitos empregados do governo desempenham tais funções num ambiente onde o estado cooptou a função e inviabilizou maneiras alternativas de organizá-las.
Se vemos o estado tomando conta de funções necessárias, e interpondo-se entre os provedores de serviços e os recebedores de tais serviços, nossa meta última é trazer de volta essas funções para o domínio da associação voluntária. Eliminar o intermediário parasitário, que se inseriu no relacionamento entre os prestadores e os usuários de serviços, é importante parte desse processo. Qualquer coisa que fortaleça a mão dos trabalhadores do setor público contra as excelsitudes dominadoras(*) do estado também enfraquece a mão do estado e de seus aliados plutocráticos. (* Commanding heights – para Lenin, os setores críticos dominantes da atividade econômica. Ver por exemplo http://www.nationalaffairs.com/publications/detail/the-new-commanding-heights)
Dificilmente será óbvio, a despeito da retórica de Scott Walker, que redução de poder de barganha dos trabalhadores do setor público vá traduzir-se diretamente em redução de tributos. A gerência superior das burocracias do governo sistematicamente justifica cortes em pagamento, benefícios e quantitativos de pessoal em relação àqueles que efetivamente prestam serviços em nome de poupar dinheiro do contribuinte — e em seguida mais que anula qualquer poupança conseguida, ao promover contratação excessiva de gerentes, viagens de gerentes por conta do contribuinte e “retiros motivacionais” para si própria. Na medida em que os sindicatos do setor público lutam contra tentativas de enxugamento do quadro, aumento não remunerado de produção e formas de fazer as coisas pagando o mínimo possível, poderão estar em realidade defendendo os interesses dos recebedores dos serviços a expensas de seus chefes burocratas.
No caso das escolas públicas, qualquer coisa que fortaleça as mãos dos administradores da escola e dos departamentos de educação a expensas da autonomia de professores sem graduação também serve para impor o dogma educacionista autoritário a todos estes. As maiores vítimas de tais políticas são frequentemente não os incompetentes e analfabetos, mas aqueles que ensinam seus alunos a questionar a autoridade e a solapar a ideologia oficial do estado corporativo. Os melhores professores que jamais tive dentro da barriga do monstro, os que mais me lideraram para mais longe da ortodoxia, passavam a maior parte do tempo olhando por cima dos próprios ombros. Se alguma coisa garantia desarraigar essas pessoas independentes era tirar-lhes a segurança no emprego e torná-las empregadas sem garantias, à mercê de diretores e superintendentes idiotas.
O mesmo é verdade acerca de outros serviços financiados pelo contribuinte. São amiúde os trabalhadores da produção quem luta mais duramente contra as tentativas da gerência superior de enxugar o quadro de pessoal e passar a raspadeira apropriando a poupança para si própria. Um trabalhador sem garantias e sem contrato com o sindicato muito menos provavelmente porá o pescoço de fora para argumentar em público contra a gerência de uma agência dos correios ou de um hospital da Administração de Veteranos.
E francamente, as tentativas de Walker de retratar os trabalhadores do setor público como sanguessugas privilegiadas por causa de seus salários e níveis de benefício irrita-me mais do que apenas um pouco, dada minha própria condição de trabalhador de colarinho azul. A remuneração e o poder de barganha que têm os trabalhadores do setor público eram, no passado, compartilhados por uma parcela significativa dos trabalhadores do setor privado, antes de pessoas do tipo de Walker terem destroçado os sindicatos do setor privado uma geração atrás.
Assim, embora eu em princípio objete ao governo, fico intranquilo no tocante a apresentação do problema que retrata trabalhadores sem graduação como vilões e Walker como o bom sujeito. Se é equívoco defender trabalhadores do governo como esses, as pessoas que apoiam os empregados do estado de Wisconsin pelo menos o fazem impulsionadas por instintos sadios.
Elas percebem, corretamente, que Walker deseja dobrar os sindicatos do setor público não inspirado por qualquer aderência baseada em princípios aos livres mercados, e sim por eles serem sindicatos. Os sindicatos, do modo como são, constituem um dos poucos vestígios remanescentes de um estilo de vida de classe média, numa época de salários reais estagnados e galopantes salários de Executivos Principais e lucros corporativos. Walker, como outros Republicanos do establishment, serve aos interesses de uma aliança espúria entre o governo hipertrofiado e as grandes empresas. Se quiserem saber à voz de que dono ele obedece, simplesmente prestem atenção a de quem ele recebe telefonemas.
Nosso objetivo é substituir o presente sistema por um modo diferente de fazer as coisas — não vilificar aqueles apanhados por ele.
Artigo original afixado por Kevin Carson em 2 de março de 2011.
Traduzido do inglês por Murilo Otávio Rodrigues Paes Leme.