Contra o Sistema Penal, Parte III: Por Uma Justiça Efetiva

De Jason Lee Byas. Original: Against the Criminal Justice System, Pt. III: For Actual Justice, 30 de novembro 2020. Traduzido para o português por Gabriel Serpa.

Nas últimas duas partes desta série, eu defendi que a prática punitiva e a instituição do Direito Penal são inerentemente injustas. Como alternativa, propus que nós as substituíssemos por um sistema puramente de Direito Civil. Todos os casos seriam baseados na resolução de disputas, nos quais os infratores não são punidos, mas sim obrigados a indenizar as suas vítimas. Nesta parte, fornecerei algumas respostas breves para algumas das críticas mais comuns a essa ideia.

Dissuasão Insuficiente

Um problema que é frequentemente levantado para se contrapor a um sistema exclusivamente de Direito Civil, é que este falha em assegurar uma dissuasão suficiente. As variantes mais sofisticadas desta acusação não afirmam que o sistema restitutivo falha completamente em dissuadir os agressores, mas em alguns casos bastante específicos.

Um deles é no caso de o agressor vir a ser um indivíduo muito rico. Se as consequências legais de uma infração somente girarem em torno da compensação monetária devida pelo infrator à vítima, elas serão pouco efetivas para impedir os crimes de uma pessoa que porventura tenha uma reserva inimaginável de dinheiro.

Outro caso diz respeito ao daqueles transgressores que venham a ser muito pobres. Se um homem já se encontra afundado em dívidas que mal consegue pagar, uma a mais talvez não lhe faça muita diferença.

A primeira coisa a ser apontada é que há base legítima para se exigir uma indenização maior de infratores mais ricos do que daqueles menos abastados, ainda que o sistema de restituição seja puramente centrado na vítima; a base para tal está no princípio da proporcionalidade. Gerar uma compensação de três milhões de dólares pode ser um pequeno inconveniente para alguém como Bill Gates, mas poderia arruinar a vida de uma pessoa comum. Por causa disso, a dívida pode ter um impacto muito maior para uma pessoa do que para outra; ela pode ser imposta pela força, com razoabilidade, para alguém, mas passar demasiadamente do ponto para outrem.

Além disso, pode haver também o caso em que a dívida indenizatória não seja suficiente para dissuadir um potencial agressor. Mesmo assim, se tudo o que eu disse nos artigos anteriores for verdadeiro, esta não seria uma razão plausível para que o sistema restitutivo fosse rejeitado. A dissuasão pode até vir a ser um efeito colateral positivo do Direito, mas ela não é o seu propósito precípuo.

Além do mais, ações dissuasivas não são realizadas exclusivamente pela lei. Sanções e pressões sociais também realizam um papel fundamental, especialmente no caso de infratores mais ricos (devido à sua imagem pública). Mas o mesmo também vale dentro dos círculos e espaços sociais frequentados por pessoas mais comuns (vejam, por exemplo, as considerações feitas pela feminista e defensora do fim das prisões, Victoria Law, sobre como resistir à violência de gênero fora do sistema legal).

Mais um caso em que o poder dissuasivo de um sistema puramente restitutivo parece não obter sucesso, é no de assassinatos em que a vítima não tenha pessoas próximas — familiares ou amigos conhecidos. Normalmente, quando o ofendido não está mais vivo, a compensação passa a ser devida (como qualquer outra dívida) aos seus herdeiros. Logo, se a vítima não tiver quaisquer pessoas que se encaixem nesta condição (nem mesmo um contato mais próximo que pudesse ser apontado como tal), a indenização não seria devida a radicalmente ninguém.

Uma solução para este problema é aplicar ao caso o princípio de homestead. Se outra pessoa, ou organização, assume a responsabilidade pelo caso em nome da vítima, ela poderia ser titular do direito à restituição. É claro que se muitas partes tentassem fazê-lo, haveria de ser numa demanda coletiva, ou a corte teria de determinar qual delas apresentou as justificativas mais legítimas para ser titular do crédito indenizatório. Por exemplo, no caso do assassinato de um morador de rua, uma associação voltada a socorrer pessoas nesta condição teria prioridade ante a um advogado rico que quisesse assumir a causa apenas pelo dinheiro.

Condenação Insuficiente / Justiça Imperfeita

Dizer que tudo que um sistema legal deve fazer a um agressor é forçá-lo a pagar uma compensação financeira para sua vítima, pode parecer intuitivamente errôneo. Há um sentimento verdadeiro de que isso simplesmente não dá conta, por completo, da profundidade de um erro moral que tenha sido cometido, não representando uma justiça perfeita.

Infelizmente, a base desta crítica é certeira. No entanto, o erro está em pensar que, por isso, temos razões suficientes para apoiar o punitivismo do Direito Criminal. É fato que nenhuma quantia em dinheiro jamais trará uma vida de volta e, com frequência, não será suficiente para atenuar o sofrimento causado por outros crimes violentos. Entretanto, tampouco há uma quantidade certa de punição que, se aplicada ao infrator, dará conta disso. A diferença é que sob um modelo restitutivo de justiça, pelo menos alguma coisa é feita para restaurar aquilo que pode ser restaurado, e alcançar a justiça o mais próximo do que ela pode ser alcançada.

Ademais, apesar do modelo de restituição afirmar que a compensação financeira é a única coisa sobre a qual o sistema legal pode usar de violência para obter, isso não significa que apenas uma compensação de tal natureza possa ser estipulada, num eventual acordo. Qualquer quantidade de arranjos restitutivos alternativos — em que há um foco maior na prestação de serviços e reparações, por parte do agressor — é possível e pode vir a substituir, em partes ou completamente, a quantia monetária devida a princípio. Quando estes acertos são viáveis, nos aproximamos ao máximo da perfeição jurídica.

Para além disso, devo enfatizar, mais uma vez, que um dos problemas do Direito Penal, e seu foco punitivista, é que ele nos faz perder a noção dos remédios jurídicos possíveis fora do sistema judicial. Um tribunal deveria ser, idealmente, um local de resolução de conflitos, e não um lugar em que se decreta qual será a moralidade oficial adotada em nossa comunidade. A condenação moral, em vez de vir de uma autoridade centralizada, deveria ser alçada a partir das bases da própria comunidade.

De fato, em havendo punição e absolvição morais advindas de causas judiciais, este modelo contamina os julgamentos (direcionando mal as decisões, que se preocupam com declarações morais extravagantes) e desautoriza outras áreas da sociedade civil na tomada desta prerrogativa em suas mãos. Uma vez que a corte tenha proferido uma sentença, presumimos que já não há mais nada a ser discutido sobre a matéria.

Finalmente, quando não estamos falando de questões jurídicas, a maioria de nós tende a concordar que o uso da violência não é apropriado na construção e exposição de um posicionamento, no âmbito da moralidade. Pior ainda seria defender o sequestro e escravização de alguém para atingir tais propósitos. Essa postura deveria se estender ao modo como pensamos o Direito: a condenação moral não é uma base legítima para a punição e, certamente, não é uma base legítima para a prisão.

Que o equivalente à prisão parece ser pior do que o equivalente à punição corporal, é digno de ser apontado. Portanto, na próxima parte, minha tarefa será a de explicar o porquê de as prisões serem intrinsecamente injustas, por razões que vão além da punição.

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