Muitos dos anarquistas individualistas do século 19, particularmente os pensadores associados ao jornal Liberty, editado por Benjamin Tucker, procuravam combinar uma teoria política baseada na soberania individual e na autopropriedade com uma teoria econômica baseada na teoria do valor-trabalho. Como os marxistas, eles tendiam a condenar o sistema de trabalho assalariado como opressivo e interpretavam os lucros, a renda e os juros como formas de exploração; ao contrário dos marxistas, porém, consideravam essa exploração um produto não do mercado livre, mas da intervenção governamental e, assim, recomendavam não a abolição da propriedade privada, mas do estado.
Embora defendessem a competição, o livre mercado e a propriedade privada (ou uma manifestação dela), esses pensadores chamavam a si mesmos de “socialistas”, i.e. oponentes do capitalismo — porque pelo termo “capitalismo” eles não falavam do mercado em si, mas da divisão econômica prevalente entre capitalistas e trabalhadores, que enxergavam como uma interferência estatal nos mercados (especificamente, a proibição da emissão monetária e a defesa de títulos de propriedade que não se baseavam na ocupação pessoal). Frequentemente esses autores se chamavam também de “mutualistas”.
Embora a teoria política austro-libertária contemporânea se baseie em grande parte nas ideias de Benjamin Tucker, Lysander Spooner e outros da tradição mutualista, a teoria econômica austro-libertária foi inaugurada pela revolução marginalista e subjetivista inaugurada nos anos 1870 por Carl Menger e outros. Os austríacos consideram que essa revolução sepultou a teoria do valor-trabalho, vindicando assim o lucro, a renda e os juros como fenômenos legítimos de mercado. Os austro-libertários normalmente (embora nem sempre) inferem, assim, que não há nada de errado com o sistema “capitalista” de trabalho assalariado em si.
O livro Studies in Mutualist Political Economy (em português, “Estudos sobre a economia política mutualista”), escrito pelo anarquista individualista Kevin A. Carson, pretende reviver e defender a posição mutualista sobre esses tópicos e, ao mesmo tempo, incorporar alguns conceitos austro-libertários. Por exemplo, Carson pretende defender a teoria do valor-trabalho — mas em uma versão “austrianizada” que, ao contrário da marxista, tenta incorporar tanto o subjetivismo quanto a preferência temporal. Além disso, o trabalho histórico de Carson sobre o papel das elites corporativas é influenciado pelo trabalho de austro-libertários radicais como Murray Rothbard e Joseph Stromberg.
Contudo, embora a versão mutualista das ideias libertárias que Carson expõe tenham muito em comum com a versão austríaca, ele — como seus antecessores mutualistas e em contraste com a maior parte dos austríacos — considera injusta a separação dos trabalhadores da propriedade dos meios de produção. Sua investida contra o “capitalismo” (neste sentido do termo) tem caráter interdisciplinar e emprega argumentos econômicos sobre o grau de interferência do estado no mercado, argumentos históricos sobre o processo pelo qual essa separação de fato ocorreu e argumentos filosóficos a respeito dos princípios de justiça adequados que governam a aquisição e a transferência dos direitos de propriedade. A avaliação dos argumentos de Carson, igualmente, deve ser interdisciplinar.
Os argumentos provocantes de Carson merecem ser escutados se corretos e refutados quando incorretos. Portanto, eu apresento esta edição do Journal of Libertarian Studies dedicada a uma avaliação do livro de Carson de um ponto de vista austro-libertário (ou melhor, a partir de vários pontos de vista austro-libertários). Artigos escritos por mim, Robert Murphy, Walter Block e George Reisman examinam vários aspectos dos argumentos de Carson — econômicos, históricos e filosóficos. A eles, segue uma resposta de Carson. O simpósio é aberto com um artigo de 1965 de Murray Rothbard que, embora obviamente não direcionado à versão de Carson do mutualismo, pode servir como uma introdução útil a algumas das maiores semelhanças e diferenças entre as tradições aqui expostas.
Traduzido por Erick Vasconcelos.