Em Why the Rich Tolerate Being Looted (“Por que os ricos toleram ser roubados”, em português), Jeffrey Tucker alega que os ricos atualmente agem de maneira diferente do passado. Vestem roupas comuns, evitam casas e carros luxuosos e até defendem a cobrança de impostos maiores sobre si mesmos. Tucker explica esse novo fenômeno através de um ensaio de Peter Leeson e afirma que “[os] direitos de propriedade são fracos hoje em dia. (…) Quanto mais vulnerável for a propriedade à pilhagem por quaisquer partes, mais as pessoas têm incentivos para esconder sua riqueza”. A lógica está correta, mas a premissa não. Os direitos de propriedade na economia americana como um todo são fracos. Mas os direitos de propriedade dos ricos não são.
Acredito que Tucker tenha caído na armadilha em que muitos libertários se veem presos ao defender os mercados libertos. Tucker acaba defendendo o “libertarianismo vulgar”. O termo, cunhado pelo autor anaquista Kevin Carson, se refere às instâncias em que os libertários condenam o poder estatal existente (algo que Tucker faz com veemência) mas, ao mesmo tempo, defende aqueles que se beneficiam do poder do estado. Quem são os maiores beneficiários da violência e do roubo estatais? Os ricos. Essa não é uma opinião incontroversa.
“O maior subsídio aos ricos está na regulamentação estatal dos serviços financeiros. (…) [Cidadãos comuns] não pagam por esse “serviço” proporcionalmente a seus depósitos. Ao contrário, eles subsidiam a regulamentação e a manutenção do sistema financeiro do qual a elite se beneficia desproporcionalmente.”
Esses subsídios se estendem à proteção das propriedades também. Weiland continua: “A vigilância de regiões mais ricas são um dos exemplos da socialização da segurança, em que os custos de defesa e patrulha não são pagos diretamente pelos beneficiários”. Uma vez que os ricos tendem a possuir mais propriedades e serem maiores alvos de roubos, eles se beneficiam desproporcionalmente dos serviços de proteção estatais.
Kevin Carson destaca o seguinte:
“A característica dominante da sociedade americana é o subsídio aos grandes negócios e aos ricos. Esses subsídios consistem de vários tipos de intervenções governamentais no mercado para forçar a escassez artificial e para proteger direitos artificiais de propriedade.”
De fato, o assistencialismo corporativo é galopante na economia americana. De acordo com um estudo feito pelo instituto Good Jobs First em relação aos governos estaduais e municipais, “pelo menos 75% dos subsídios acumulados foram direcionados a 965 grandes corporações”. De acordo com um estudo do instituto Cato em relação ao governo federal, “os subsídios corporativos custam aos pagadores de impostos cerca de US$ 100 bilhões anualmente”. São US$ 100 bi de transferência direta do cidadão comum para corporações gigantes.
Além disso, quando levamos em conta o imperialismo americano, Carson argumenta:
“Ao contabilizarmos o orçamento de “defesa”, duas guerras custosas, gastos em ‘segurança nacional’ aplicados no DHS, na CIA, no DOE e na NASA e juros de dívidas de guerras passadas, o grosso do orçamento do governo federal é formado por subsídios ao complexo militar-industrial.”
Ou seja, mais prêmios para os ricos.
Essas são apenas as transferências diretas a grandes corporações. O governo também usa diversas estratégias regulatórias para tornar o sistema mais favorável às grandes empresas já estabelecidas, lideradas pelos ricos.
Políticas estatais como projetos de renovação urbana, controles de preços e salários, regulamentações ocupacionais e de segurança, limitação de responsabilidade corporativa, custos regulatórios, requerimentos de capitalização, expansão monetária, regulações financeiras, zoneamento, políticas protecionistas, leis de propriedade intelectual e várias outras barreiras à entrada promovem a centralização e a cartelização às custas das transações voluntárias e da criatividade privada que Tucker e eu apreciamos tanto.
Essas políticas não só criaram as grandes disparidades econômicas que vemos hoje em dia, mas as fortalecem. Quando as grandes corporações enfrentam pouca ou nenhuma competição por já terem encurralado o mercado, os degraus do meio da escada econômica desaparecem. Ficamos à mercê das corporações e de sua capacidade especial de canalizar a violência estatal para seus propósitos exploratórios e anticompetitivos.
Com o advento de mais e mais políticas corporativistas, a distinção entre estatal (“público”) e corporativo (“privado”) fica turva. Como Murray Rothbard argumentou em Confiscation and the Homestead Principle (“Confisco e o princípio da apropriação”, em português):
“O governo (…) não é uma entidade mística, mas um grupo de indivíduos, isto é, indivíduos ‘privados’ que agem como uma quadrilha criminosa organizada. Mas isso significa que também podem existir criminosos ‘privados’ e pessoas diretamente afiliadas ao governo. Os libertários, portanto, não devem se opor ao governo em si, mas ao crime, aos direitos de propriedade injustos ou criminosos; não somos favoráveis à propriedade ‘privada’ em si, mas à propriedade privada não-criminosa, inocente. Nosso foco principal deve ser no embate entre justiça e injustiça, entre inocência e criminalidade.”
Um governo dos ricos para os ricos não é novidade, porém. O status dos ricos durante a Gilded Age, a que Tucker se refere em tom de reverência, não rea mais honesto ou virtuoso do que atualmente. Em Socialismo de estado e anarquismo, Benjamin Tucker identificava quatro monopólios criados pelo estado em sua época: o monopólio da moeda, das terras, das tarifas e das patentes. Longe de ser uma época de liberdade, o final do século 19 foi dominado por uma classe de parasitas ricos, como a economia moderna.
O mercado livre, sem essas distorções, tem uma força equalizadora impressionante. Weiland concluía:
“Um verdadeiro livre mercado sem subsídios à segurança, regulamentações e arbitragem impõe custos a agregados de ativos de larga escala que rapidamente os consome. (…) É possível que o libertarianismo, levado às suas consequências lógicas, seja muito mais igualitário e redistributivo do que imaginamos — não por causa do estado central, mas pela falta dele.”
Jeffrey Tucker escreveu:
“Nenhum de nós estará verdadeiramente seguro até que os ricos novamente andem nas ruas com orgulho, vivam em suas enormes casas plenamente visíveis ao populacho e se vistam de forma que reflita seu status social.”
Ao contrário, nós só conheceremos a segurança (do punho de ferro do capitalismo de estado) quando os ricos de hoje em dia andarem nas ruas preocupados porque seu amigo, o estado, desapareceu. Quando os ricos viverem em barracos plenamente visíveis em guetos porque seu amigo, o estado, desapareceu. Quando os ricos se vestirem com roupas velhas e rasgadas porque seu amigo, o estado, desapareceu.
Tucker continua:
“Afinal, um mundo que não seja seguro para os ricos também não é seguro para o resto de nós.”
Eu acredito que uma compreensão correta do relacionamento entre os ricos, suas fortunas e o poder do estado nos leva a uma conclusão oposta. Um mundo que seja seguro para os ricos atuais nunca será seguro para o resto de nós. Não estaremos seguros até que as fortunas gigantescas dos ricos e o poder do estado que as protege sejam destruídos. Destruir o estado e engolir os ricos são dois lados da mesma moeda.
Traduzido para o português por Erick Vasconcelos.