Aqueles que detêm o poder frequentemente ignoram as condições do mundo real e as limitações materiais à transformação de suas ordens em realidade. Isso ocorre por alguns motivos: seu poder os isola da experiência direta do mundo material e das limitações concretas da realidade material.
Por exemplo, no começo deste mês, a Suprema Corte do estado americano de Indiana decidiu que um juiz pode considerar legitimamente as recordações de um policial dos acontecimentos transcorridos em um caso, quando ditas em testemunho, como mais válidas que evidências em vídeo. Isso mesmo: quando uma gravação em vídeo dos eventos contradiz a memória subjetiva do policial, pior para a realidade. A “experiência” do policial e suas “habilidades superiores de observação” têm mais peso mesmo quando o que ele observou não aconteceu.
Embora isso possa parecer absolutamente ridículo, não é tão incomum. Nos anos 1960, o teórico Kenneth Boulding observava que “quanto maior e mais autoritária a organização, serão maiores as chances de que os tomadores de decisão atuem em mundos puramente imaginários”. O fluxo de informações dentro do sistema numa hierarquia é desenhado para filtrar as mensagens de baixo que contradizem a visão de mundo construída nas mentes daqueles que estão no topo. Para avançar dentro da hierarquia, é necessário ter “espírito de equipe”, ou seja, reforçar a imagem da realidade dos que estão no topo da pirâmide e protegê-los da exposição a qualquer realidade factual que possa contradizê-la. Então, naturalmente, quando aqueles em posição de autoridade entram em contato com informações do mundo real que abalam suas visões oficiais, eles as descartam o mais rápido possível, usando todos os protocolos de materiais perigosos.
Ao mesmo tempo, quem está no topo das hierarquias toma decisões e baixa decretos repetidamente àqueles que estão abaixo desconsiderando completamente os recursos necessários para sua execução ou limitações materiais possíveis a sua implementação. O Faraó do Egito antecipava as melhores práticas dos CEOs corporativos atuais, na era do downsizing, quando afirmou “Daqui em diante não torneis a dar palha ao povo, para fazer tijolos, como fizestes antes: vão eles mesmos, e colham palha para si. E lhes imporeis a conta dos tijolos que fizeram antes; nada diminuireis dela, porque eles estão ociosos”.
Quando a implementação das técnicas estúpidas de gerência do Studer Group chegou a seu auge há alguns anos, todos ganhamos (de “presente” do “Dia da Valorização do Funcionário”) pequenos livretos inspiracionais, cheios de mensagens de Mahatma Gandhi e Madre Teresa sobre entrega e doação constante sem esperar nada em troca, somente pela pura alegria de fazer o bem aos outros. “E, quanto a seu salário e alocação de pessoal, por que andais solícitos? Olhai para os lírios do campo: E eu vos digo que nem mesmo Salomão, em toda a sua glória, se preocupava com qualquer um deles.” No caso do hospital em que eu trabalho, também nos garantiam em boletins internos que nós éramos capazes de prover “cuidados extraordinários aos pacientes”, com nossa “abundância ou falta de recursos”.
Estranhamente, nossa gerência, apesar de sua aparente crença de que vivemos em um mundo de luz e espírito removidos das preocupações com o mundo concreto, não estava imune às necessidades da esfera material. Nosso CEO corporativo ganhou um salário de US$ 18 milhões no ano, mais um bônus de US$ 3,6 milhões. Os gerentes constantemente choravam miséria a respeito da necessidade de economizar em pessoal, “porque os funcionários da enfermaria são responsáveis por nossos maiores custos” (apesar de os salários dos gerentes do hospital estarem mais ou menos parecidos com o do pessoal da enfermagem). Eu me perguntava por que a gerência não poderia milagrosamente multiplicar seus recursos para contratar funcionários suficientes, como fez Jesus com o pão e com os peixes. É o que eles aparentemente esperavam que fizéssemos para prover cuidados adequados aos pacientes com o número absolutamente perigoso e criminalmente negligente de trabalhadores empregados.
As pessoas em posições de autoridade estão completamente desconectadas da realidade. O que isso significa? A boa notícia é que as organizações autônomas voluntárias, como redes horizontais, estão destituindo as velhas hierarquias corporativas e governamentais e as engolindo vivas. Há pouco mais de 20 anos, John Gilmore disse que “a rede trata a censura como dano e desvia dela”. Redes autônomas e outras associações voluntárias, da mesma maneira, tratam as invasões das autoridades irracionais como danos e se isolam delas. Estamos construindo um mundo em que a interferência irracional dos que estão em posições de autoridade está se tornando cada vez menos relevante para nossas vidas e suas ordens estúpidas vão se tornando inexecutáveis. Não quer se juntar a nós?
Traduzido do inglês para o português por Erick Vasconcelos.