Livre Mercado? Abram os Olhos!

The following article is translated into Portuguese from the English original, written by Kevin Carson.

No “Programa do Ed” (2 de maio) do MSNBC o Senador dos Estados Unidos Bernie Sanders (I-VT) reiterou, como amiúde tem feito, que o que ele insiste em chamar de “livre comércio sem entraves” destruiu empregos em Vermont. Em seu site oficial ele culpa tais “políticas de livre comércio irrestrito” pelo encolhimento de nossa classe média, perda de empregos e pelo fosso cada vez maior entre os ricos e os pobres.

Ao mesmo tempo, Ilya Somin, de A Conspiração Volokh, escreve (num comentário no Libertários de Coração Terno): “Acho que a política comercial dos Estados Unidos (que fez muito para promover o livre comércio, o que até os economistas mais esquerdistas veem como benéfico para os pobres)  … geralmente [provoca] muito mais bem do que mal.”

Essa identificação comum entre “livre comércio” e as políticas existentes do governo dos Estados Unidos, vinda de extremos aparentemente opostos do espectro político estadunidense, merece algumas observações — especialmente ao considerar-se que as políticas comerciais dos Estados Unidos são praticamente o inverso de livre comércio.

O “livre comércio sem entraves” que Sanders acusa de destruir empregos e polarizar a riqueza é na realidade comércio altamente restrito administrado pelas corporações. A maioria do assim chamado “comércio internacional” é na verdade transferência de bens acabados e não acabados entre subsidiárias nacionais de corporações transnacionais — na verdade um processo interno às burocracias administrativas de corporações globais gigantescas. E as assim chamadas políticas de “livre comércio” promovidas pelo estado estadunidense são regulamentações altamente autoritárias que potenciam a gravata que essas burocracias corporativas aplicam no pescoço do comércio internacional.

Contra Somin, a política comercial dos Estados Unidos não apenas não “faz muito para promover o livro comércio” como faz o oposto. O âmago dos acordos estadunidenses de “livre comércio,” longe de constituir na simples redução de tarifas, é a imposição de monopólios de “propriedade intelectual” por meio dos quais as burocracias corporativas mantêm controle do comércio internacional.

Como tenho frequentemente destacado, a “propriedade intelectual” desempenha a mesma função protecionista em relação à economia corporativa global que as tarifas desempenharam em relação às economias industriais nacionais de há um século. Patentes e copyrights — do mesmo modo que tarifas — restringem quem tem permissão para vender determinado bem em determinado mercado.

É esse monopólio que permite à sede de uma corporação transnacional terceirizar a produção real para fabriquetas de Shenzhen mantendo ao mesmo tempo controle da comercialização e da “propriedade intelectual,” cobrando sobrepreço de marca de $200 dólares por tênis com custo de produção de $5 dólares. Faz isso tornando ilegal para aquelas mesmas fabriquetas produzirem calçados idênticos, exceto o logotipo “Swoosh,” e comercializá-los domesticamente por $10 dólares.

Esses monopólios impedem a competição de passar para o consumidor economias de custos decorrentes da inovação, de tal modo que as corporações privilegiadas pelo estado, elas sim, é que podem enclausurar essas economias como fonte de renda. Patentes de tecnologia de duplo uso – civil e militar – permitem que as transnacionais ocidentais assegurem o congelamento da última geração de tecnologia de produção e impeçam o surgimento de competição nativa no Terceiro Mundo.

Por causa desse sistema altamente estatista de lei mundial de “propriedade intelectual,” a grande maioria dos lucros das companhias transnacionais é formada por rendas auferidas de copyright ou patentes embutidas sobre o valor intangível de bens físicos. As indústrias mais lucrativas da economia global são ou altamente dependentes de IP [propriedade intelectual] (entretenimento e software), altamente subsidiadas por governos domésticos (armamentos e agronegócio), ou ambos (biotecnologia, eletrônica, farmacêuticos).

A economia corporativa global, e o regime de  “propriedade intelectual” em seu cerne, são quase tão totalmente dependentes de controles totalitários da informação quanto o era o sistema de poder da nomenklatura soviética. “Gestão de Direitos Digitais,” leis contra o aproveitamento de brechas tecnológicas, confiscos de sites sem o devido processo legal, controle/escuta/fiscalização onipresente etc. constituem um nível de estatismo policial equivalente ao da Guerra às Drogas. Não é coincidência os ofensores desse regime de controle da informação, de modo semelhante aos antigos publicadores que praticavam samizdat, serem conhecidos pelo estado como “piratas.”

E há em seguida a altamente lucrativa categoria das indústrias extrativas. Não dá nem vontade de pensar nos despejos maciços e na mudanças forçadas de residência de populações, na preempção, pelo estado, de terra desocupada, e do trabalho escravo tendo lugar em operações coloniais de mineração em todo o mundo.

Em agricultura, tem-se os tecnocratas de Washington e do Banco Mundial em conluio com governos locais e oligarquias fundiárias para enclausurar terra antes ocupada por camponeses, e por eles cultivada, tornando-a produtora de culturas comerciais, usando sementes da Monsanto geneticamente modificadas com genes esterilizadores inseridos, e trabalho mediante contrato com a Cargill e a ADM para produzir alimentos para animais para a McCattle — enquanto os camponeses que alimentavam-se a si próprios mediante cultivo da própria terra são ou empurrados para trabalhar como trabalhadores agrícolas diaristas ou morrem de inanição nas sarjetas e favelas de Nairóbi e Calcutá.

Quando pretensos adversários políticos compartem vocabulários e arcabouços conceptuais comuns, a gente percebe que há algo errado. A implicação é que “ambos os lados” de nossa narrativa política majoritária, longe de serem mutuamente exclusivos ou mutuamente exaustivos, cobrem o espectro ideológico L-O(*) e compartem provavelmente 80% de suas assunções em comum. Isso porque os “dois lados” do sistema político estadunidense são realmente duas asas do mesmo establishment — os limites de “direita” e “esquerda” do que é aceitável para a elite dirigente de nosso estado capitalista. Talvez seja hora de olhar para o homem atrás da cortina(**). (*) Ver a explicação de Thomas Knapp nos comentários, abaixo do texto original: ‘Minha assunção é a de que, se o espectro ideológico cobre de A a Z, essa parte dele cobre de L a O.’ (**) Ver http://aneweric.com/index.php/pay-no-attention-to-that-man-behind-the-curtain?blog=1 Essa cena de O Mágico de Oz é curiosa porque o homem atrás da cortina, como vocês sabem, é o homem que opera a máquina de efeitos especiais que cria o Grande e Poderoso Oz. Na realidade, o Grande e Poderoso Mágico de Oz é meramente um homem atrás de uma cortina. Desmascarado, ele diz a Dorothy e aos amigos dela para ‘ignorarem o homem atrás da cortina’, pois atentar para o homem atrás da cortina é ficar sabendo que o pretensamente poderoso mágico é apenas um homem comum.

Artigo original afixado por Kevin Carson em 4 de maio de 2012.

Traduzido do inglês por Murilo Otávio Rodrigues Paes Leme.

Anarchy and Democracy
Fighting Fascism
Markets Not Capitalism
The Anatomy of Escape
Organization Theory