De Nathan Goodman. Original: Does Anarchism Conflict With Human Nature? 24 de outubro 2013. Traduzido para o português por Gabriel Serpa.
Sei o suficiente sobre a natureza humana para saber que isso [o anarquismo] é um conceito ingenuamente falho.
A anarquia é uma bela ideia, mas entra em conflito com a natureza humana.
Os anarquistas estão acostumados a ouvir tais objeções a todo momento. Parece haver um consenso de que uma sociedade sem estado, erigida sobre os princípios da esquerda libertária, é incompatível com a natureza humana. Mas será que isso é verdadeiro?
Penso que se a natureza humana existe, nós discernimos sobre ela através de pesquisas psicológicas, antropológicas, históricas e econômicas. Sendo assim, o que algumas pesquisas nessas áreas têm a nos dizer a respeito dos estados — e das sociedades sem estado?
Pesquisas antropológicas e históricas confirmam a existência de sociedades estáveis, sem nada que se possa denominar estados. James C. Scott documenta algumas delas no Sudeste Asiático, no seu livro The Art of Not Being Governed. Há também evidências de uma sociedade efetivamente sem estado que existiu sob leis policêntricas funcionais, por um período prolongado, na Islândia.
Que tal agora uma pesquisa no campo psicológico? Experiências em psicologia social, como aquelas de Milgram e Zimbardo, mostram que hierarquia e autoridade — que são, essencialmente, intrínsecas aos estados — criam fortes incentivos ao abuso de poder. A psicóloga Sharon Presley resume algumas pesquisas sobre obediência e autoridade em seu artigo The Present and Future of Obedience to Unjust Authority.
E quanto à economia? Elinor Ostrom utilizou tanto modelos da teoria dos jogos quanto uma extensa pesquisa empírica para mostrar que instituições sociais participativas, descentralizadas, e de base podem efetivamente administrar e gerir recursos comuns, sem qualquer regulamentação estatal. Embora a própria Ostrom não fosse uma anarquista, sua pesquisa demonstra as possibilidades vigorosas de autogoverno, e ilumina como a organização descentralizada e voluntária pode construir uma ação coletiva sem os problemas de informação que afetam os estados. A pesquisa econômica que reforça o argumento do anarquismo não se limita, porém, ao trabalho de Ostrom. No que tange aos estados, por exemplo, a teoria da escolha pública parte de suposições bastante razoáveis de que a economia dominante se aproveita da natureza humana; e mostra que os estados muitas vezes vêm com incentivos perversos — inatos — que os levarão a se comportar de forma destrutiva e irresponsável.
Portanto, se olharmos a natureza humana através das lentes das ciências sociais, não é nada óbvio que ela seja uma força contrária ao anarquismo. Com efeito, ela pode fornecer um fortíssimo argumento em favor dele.