Nós, libertários, defendemos a liberdade econômica, não as grandes empresas. Defendemos mercados livres, não a economia corporativa. Como seria uma sociedade baseada em mercados liberados? Sem dúvida, totalmente diferente dos mercados controlados que temos hoje em dia. Mas com que frequência ouvimos que o desemprego em massa, as crises financeiras, as catástrofes ecológicas e o status quo econômico resultam da voracidade dos “mercados desregulados”? Como se estivessem por toda a parte!
As crises colocadas na conta do laissez faire são crises de mercados que não podem ser considerados nada além de regulados. Quando os críticos nos confrontam com as ilicitudes das corporações, com a pobreza estrutural existente ou com a marginalização socioeconômica, devemos enfatizar que os princípios do mercado livre não requerem que defendamos as grandes empresas — e que grande parte do que está sendo condenado resulta da regulação estatal e de privilégios legais. Como modelo de análise do poder das corporações e de defesa dos mercados de baixo para cima, nós, libertários do século 21, nos voltamos às nossas raízes do século 19 — aos insights dos individualistas americanos, especialmente seu expoente mais talentoso, Benjamin Ricketson Tucker (1854-1939), editor do jornal anarquista de livre mercado Liberty.
Os livros de história convencionalmente tratam a Era Dourada dos Estados Unidos (1870-1900) como uma época de incessante exploração e laissez faire econômico. Tucker, porém, alegava que as características mais evidentes do capitalismo de sua época resultavam não das forças de mercado, mas de sua deformação pelos privilégios políticos. Tucker não utilizava a terminologia que apresentamos aqui, mas podemos delinear quatro padrões de deformação que a ele eram especialmente preocupantes: mercados cativos, efeitos catraca, concentração de propriedades e proteção de incumbentes.
Tipos de distorção
Mercados cativos: Privilégios legais e monopólios instituídos pelo estado produzem mercados cativos nos quais os consumidores ficam artificialmente presos a serviços ou produtores específicos, que não seriam suportados pelo público se requerimentos políticos não inflassem sua demanda. Por exemplo, o mercado de seguros automotivos é moldado por legislações que estabelecem sua obrigatoriedade e regulam os serviços mínimos que devem ser adquiridos. Mercados cativos garantem às empresas privilegiadas o acesso a um número constante de clientes, encurralados pela ameaça de multas e prisão.
Efeitos catraca: Encargos legais, distorções de preço e mercados cativos se combinam para inflar os custos fixos de vida a um patamar muito mais alto do que o que prevaleceria num mercado livre. As pessoas vivem sujeitas pela necessidade de cobrir esses custos persistentes e inflexíveis — e fazem isso através da venda do seu trabalho, da compra de seguros, da contração de dívidas — sob circunstâncias artificialmente rígidas. Efeitos catraca mantêm pessoas constantemente em busca do próximo contracheque, criando estados permanentes de crise financeira para os pobres.
Concentração de propriedades: O confisco, a redistribuição regressiva e os monopólios legais privam os trabalhadores de recursos ao mesmo tempo em que concentram a riqueza e o controle econômico numa classe empresarial politicamente favorecida. Com dificuldades para cobrir seus custos fixos, os trabalhadores são despojados dos meios de sustento independente e entram em mercados onde a propriedade de terras, capital e recursos chave está legalmente concentrada nas mãos de poucos. Os trabalhadores, portanto, dependem muito mais de bons relacionamentos com chefes e corporações do que em mercados liberados, o que transforma a atividade econômica em relacionamentos hierárquicos e economias restritivas de aluguel.
Proteção dos incumbentes: Os mercados cativos e resgates financeiros protegem as grandes empresas, enquanto monopólios legais, barreiras regulatórias e subsídios anticompetitivos inibem a competição e a substituição de produtos por alternativas mais acessíveis. O suporte do estado garante a posição das grandes empresas, sufocando as pressões sociais e econômicas que poderiam surgir. Os negócios protegidos podem tratar seus empregados e consumidores com muito menos consideração e contenção; ao mesmo tempo, a intervenção no mercado destrói soluções alternativas, através do bloqueio de concorrentes menores, populares ou informais.
Os 4 grandes monopólios de Tucker
Podemos, agora, nos voltar à ideia central de Tucker. Em “Socialismo de estado e anarquismo” (1888), Tucker argumentava que “quatro monopólios” moldavam fundamentalmente a economia da Era Dourada americana — eram quatro áreas centrais de atividade econômica onde a intervenção estatal (efeitos catraca, concentração, proteção) se cristalizou para deformar os mercados, transformando-os em “monopólios de classe” e remoldando regressivamente o resto da economia, que era afetada por essas primeiras oscilações.
O monopólio imobiliário: A propriedade das terras no século 19 nos Estados Unidos não tinha nada a ver com o livre mercado. Todas as terras desocupadas foram apropriadas pelo governo, enquanto as terras de índios, mexicanos e ocupantes independentes foram tomadas pelas forças militares estatais. A propriedade estatal e as concessões preferenciais monopolizaram o acesso às terras e impossibilitaram a ocupação livre. (A “Lei de Propriedades Rurais”, que teoricamente abria as terras do oeste dos EUA para a ocupação, na realidade impunha limites legais rígidos aos ocupantes, e apenas fazendeiros comerciais de médio porte podiam cumpri-los. Fazendas pequenas e não-fazendeiros estavam excluídos.) Tucker identificava essa concentração de terrenos nas mãos da elite como um “monopólio das terras” que criava uma classe de senhorios privilegiados e privava os trabalhadores de oportunidades de mercado legítimas para estabelecer suas moradias e escapar dos aluguéis.
Desde 1888, o monopólio das terras já se expandiu dramaticamente. Os estados do mundo inteiro nacionalizaram suas reservas de petróleo, gás natural e água. Nos Estados Unidos, os direitos de mineração e exploração de combustíveis fósseis são acessíveis em sua maior parte por licenciamento governamental, graças à propriedade estatal de 50% das terras do oeste americano. O custo das terras é inflado e as propriedades são concentradas através de legislações de zoneamento, desapropriação, “desenvolvimento” municipal e outras políticas locais que mantêm os preços dos terrenos em permanente ascensão. Mercados liberados seriam caracterizados pela propriedade mais dispersa e individual; terrenos seriam menos caros e, com maior frequência, poderiam ser ocupados sem custos; terras devolutas seriam mais facilmente abertas à ocupação; e os títulos de propriedade imobiliária se baseariam tanto em trocas monetárias quanto em transações de trabalho. Muitos não precisariam mais pagar aluguéis; aquelas pessoas que ainda escolhessem alugar suas moradias encontrariam um cenário competitivo muito superior, com melhores preços e condições aos locatários.
O monopólio monetário: Para Tucker, a faceta mais nociva dos quatro grandes monopólios era o monopólio monetário — “o privilégio, cedido pelo governo a certos indivíduos […] que possuem certos tipos de propriedade, de emitir meios circulantes”, manipular a oferta de moeda, proibir moedas alternativas e cartelizar o sistema bancário e de crédito. Tucker enxergava que o monopólio monetário não apenas garantia os lucros monopolísticos para bancos protegidos, mas também concentrava as propriedades em toda a economia, favorecendo empresas grandes e já estabelecidas — aquelas com as quais os bancos preferiam negociar.
Tucker identificou o monopólio monetário como força econômica em 1888 — antes da existência do Fed, o banco central americano, da moeda fiduciária, do FDIC, Fannie, Freddie, do FMI ou dos resgates trilionários a bancos considerados “grandes demais para quebrar”. Hoje, os cartéis regulatórios e decretos políticos também capturaram o mercado de seguros, junto com o crédito, as poupanças e os investimentos, transformando tudo isso em áreas protegidas pelo monopólio monetário e forçando os trabalhadores a se sujeitarem a mercados viciados, sem alternativas de auxílio mútuo populares e não corporativas.
Ideias e extorsão
O monopólio das patentes: Tucker condenava os monopólios protegidos por patentes e direitos autorais — “a proteção dos inventores e autores da competição por longos períodos permite que eles extraiam […] um retorno excessivo […] por seus serviços.” Uma vez que a cópia de uma ideia não priva o inventor da propriedade que ele possuía anteriormente, a “propriedade intelectual” era apenas um monopólio legal contra os concorrentes que eram capazes de duplicar os produtos do monopolista a custos menores.
A “propriedade intelectual” (PI) cresceu vigorosamente desde 1888, uma vez que a mídia, a tecnologia e a inovação científica tornaram o controle sobre a economia da informação uma peça fundamental do poder das corporações. Os lucros monopolísticos sobre a PI são o modelo de negócios efetivo de empresas da Fortune 500 como a GE, Monsanto, Microsoft e Disney, que exigem poderes legais virtualmente ilimitados para se proteger da concorrência. Os períodos de validade dos direitos autorais quadruplicaram, enquanto expansões sincronizadas do protecionismo intelectual se tornaram características padrão de “acordos” de “livre comércio” como o NAFTA e o KORUS FTA (acordo entre os Estados Unidos e a Coreia do Sul). Em mercados liberados, esses modelos de negócio cairiam — como também cairiam os custos aos consumidores pelo acesso à cultura, medicina e tecnologia.
O monopólio protecionista: Tucker via nas tarifas protecionistas um monopólio porque elas isolavam os produtores domésticos politicamente favorecidos da competição estrangeira, aumentando os custos incorridos pelos consumidores.
Com a ascensão de corporações multinacionais e os acordos de comércio neoliberais, as tarifas entraram em declínio. Porém, o mecanismo legal específico era menos importante do que o objetivo de controlar o comércio para proteger as empresas domésticas estabelecidas. Em 1888, isso se traduzia em tarifas. Em 2011, é uma vasta rede de controles políticos utilizados para gerenciar a “balança comercial”: exportar subsídios, manipular as taxas de câmbio e agências multigovernamentais como o Banco Mundial e o FMI.
Monopolização Metaestática
Os quatro grandes monopólios de Tucker apenas cresceram desde os anos 1880. Contudo, o século passado também assistiu à proliferação metaestática de agências regulatórias estatais que têm como objetivo reestruturar novos tipos de transação e capturar novos mercados. Entre os Muitos Monopólios atuais, cinco são especialmente prevalentes:
O monopólio do agronegócio, que abrange o sistema estabelecido pelo New Deal formado por cartéis do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos, compras pelo governo de excessos de produção, irrigação subsidiada, subsídios à exportação e medidas similares que inflam os custos, distorcem a produção e concentram a atividade agrícola em monoculturas de grande escala, com aplicação intensiva de capital. Tais medidas, implementadas em grande parte em nome de “pequenos fazendeiros”, invariavelmente beneficiam grandes fazendas mecanizadas e conglomerados agrícolas como a ADM e a Tyson.
O monopólio da infraestrutura inclui a infraestrutura física e de comunicações. O estado constrói estradas, ferrovias e aeroportos através de desapropriações e isenções fiscais, além de impor regulações cartelizantes sobre a maior parte do transporte público. A restrição à entrada garante lucros monopolísticos para operadoras protegidas; o confisco de dinheiro e propriedade para subsidiar o transporte e o frete de longa distância cria oportunidades de negócio subsidiadas por impostos para o agronegócio, grandes varejistas e outros negócios que dependem do transporte rodoviário. Grandes empresas de telecomunicação e mídia, como AT&T, Comcast e Verizon acumulam impérios através do controle da largura da banda de internet; o controle das frequências de transmissão é concentrado politicamente pela FCC; e a propriedade de bandas de telefone, cabo e fibra óptica se concentra em monopólios locais.
O monopólio dos serviços públicos concede o controle sobre a eletricidade, água e gás natural para grandes produtores centralizados, com planejamento, subsídios e monopólios regionais abrangentes. A geração caseira de energia, sistemas policêntricos locais ou alternativas fora da rede são proibidas ou reguladas até o colapso.
O protecionismo regulatório
O protecionismo regulatório provavelmente é o mais disperso dos Muitos Monopólios. Como o monopólio protecionista de Tucker, ele concentra e protege os produtores estabelecidos através da criação de obstáculos para potenciais concorrentes. As empresas consolidadas suprimem a concorrência de produtores menores com o lobby por maiores exigências burocráticas, taxas extorsivas e licenças complexas para tudo, desde dirigir táxis até o trabalho de cabeleireiro. Padrões industriais, que em outro cenário seriam estabelecidos por convenções sociais e experimentações no mercado, são removidos da alçada da competição e determinados por pressões políticas. Os altos custos de observância das regulamentações protegem os incumbentes que podem pagá-los dos concorrentes que não podem, isolando os pobres de oportunidades empresariais e sustentos independentes.
O monopólio da saúde nasce de um efeito cascata causado por outros monopólios, mas é digno de nota por causa do crescimento explosivo do setor médico e porque planos de saúde moldam profundamente as decisões a respeito de emprego, dinheiro e planejamento financeiro. O fato econômico central do sistema de saúde é um efeito catraca devastador. As patentes inflam os custos dos remédios e protegem os lucros da Pfizer e da GlaxoSmithKline. A FDA e o licenciamento médico instituem uma forma de protecionismo regulatório, restringindo a oferta de profissionais, hospitais e empresas farmacêuticas, concentrando lucros e aumentando ainda mais os custos. Uma necessidade médica pode se tornar um custo catastrófico que requer planos de saúde abrangentes. Anteriormente, os trabalhadores tinham acesso a seguros saúde por meio de sociedades fraternais de ajuda mútua, mas os monopólios monetários transformaram inteiramente o mercado de planos de saúde através de subsídios, decretos e controles regulatórios. Os trabalhadores agora estão presos a seus empregadores por conta dos custos de seus “benefícios” de plano de saúde, embora ainda encarem o constante perigo da perda de cobertura, pedidos negados e dívidas crescentes.
A análise de Tucker sobre os Quatro Monopólios que controlavam a economia da Era Dourada, suplementada pelos Cinco Grandes que nossa época introduziu, tem grande capacidade de explicar por que os mercados existentes funcionam da forma que funcionam e falham para as pessoas para quem falham. Talvez, também, inspire algumas objeções dos libertários atuais.
Os Muitos Monopólios deformam os mercados e os transformam em negócios estereotipicamente “capitalistas”, mas os governos intervêm em mais de um sentido. E quanto a regulamentações ou programas de bem-estar que beneficiam os pobres, ou mesmo restrições a grandes firmas consolidadas? Estas existem, sem dúvida, mas não necessariamente atingem seus supostos objetivos. Como mostrado no livro de Gabriel Kolko, O triunfo do conservadorismo, a estrutura regulatória progressista e as leis antitruste, longe de limitarem as grandes empresas, formam a base do protecionismo regulatório, cartelizando e protegendo os negócios estabelecidos. Há, além disso, questões de prioridade e escala. Embora eu tenha objeções a empréstimos da SBA ou à TANF tanto quanto qualquer outro defensor do livre mercado, nesta era de resgates bancários trilionários, mesmo quando o governo coloca os dedos dos dois lados da balança, um dedo empurra mais forte que o outro.
E quanto às explicações de economistas tradicionais para a maior eficiência das grandes corporações, que se baseiam em maior divisão do trabalho, economias de escala e ganhos de transação? As maiores empresas não seriam capazes de superar suas rivais menores mesmo sem subsídios e monopólios?
Em resposta a isso, devemos apontar que Tucker não rejeitava a divisão do trabalho, os ganhos comerciais ou da produção em grande escala. Porém, ele sugeria que o trabalho, o comércio e a escala fossem organizados de maneira diferente: contratos independentes, cooperativas e oficinas gerenciadas pelos trabalhadores são formas de especialização e comércio tão válidas quanto as firmas centralizadas. Ganhos de escala podem ser internalizados com o gerenciamento central ou externalizados pelo comércio policêntrico. Uma economia corporativa é apenas uma alternativa entre as muitas que existem para a divisão do trabalho e a troca de valores. A questão que se coloca é se essa forma predomina por causa de forças econômicas que persistiriam em mercados livres de privilégios estruturais ou por conta de crises que se dissipariam quando os concorrentes estivessem livres para oferecer alternativas menos centralizadas e gerenciadas, com mais oportunidades de comércio e independência empresarial para os trabalhadores comuns.
Se a análise de Tucker está correta, ela prova que há muitos pontos de nossa vida econômica em que as pessoas comuns são estimuladas a gastar dinheiro que não gostariam de gastar com parceiros comerciais que prefeririam não ter. As intervenções estatais mais disseminadas e vastas incentivam a concentração, o comercialismo, a escala hipertrofiada e a consolidação da hierarquia necessária para seu gerenciamento — não porque esses sejam fenômenos naturais da economia de mercado, mas porque essas características crescem dentro da estufa dos custos socializados e da concorrência restrita.
O cinto e os ossos
Durante a maior parte do século 20, os libertários americanos foram vistos como defensores do “capitalismo” (em contraponto a isso, confira as dúvidas de Clarence Carson sobre essa palavra no artigo de 1985 da Freeman, “Capitalism: Yes and No“). A maioria dos libertários e quase todos os seus oponentes pareciam concordar que o libertarianismo significava uma defesa dos grandes negócios dos ataques do estado e que o propósito do laissez faire era o de libertar as formas existentes de comércio de suas amarras políticas.
Libertários tradicionais como Tucker tinham uma atitude praticamente oposta, algo que podemos chamar de “anticapitalismo de livre mercado”. Ele foi um dos mais conhecidos defensores dos mercados liberados nos Estados Unidos do século 19, quando resumia seus princípios econômicos como “livre comércio absoluto, […] sendo o laissez faire a regra universal”. Para Tucker, portanto, o libertarianismo era um ataque ao privilégio econômico através da remoção dos privilégios políticos que o sustentavam, destruindo os monopólios através de sua abertura à competição vinda de baixo.
Os Muitos Monopólios são prevalentes e moldam fundamentalmente a realidade da nossa economia. Porém, se esse é o caso, por que tanto oponentes quanto defensores do livre mercado ignoram a análise de Tucker? Como resultado, vemos progressistas constantemente culpando a desigualdade, a exploração e o poder corporativo nos “mercados desregulados”, enquanto libertários “pró-capitalistas” respondem com justificativas do status quo. Paradoxalmente, pode ser que a abordagem de Tucker seja esquecida parcialmente por causa de sua profundidade e graças à prevalência dos problemas que identifica.
As intervenções que os libertários do século 20 tinham maior probabilidade de identificar — impostos progressivos, assistencialismo, regulamentações ambientais — são intervenções superficiais, economicamente falando. Embora busquem reformar ou restringir a economia capitalista-estatal, elas tomam suas características básicas — concentração, proteção, custos inflados e poder corporativo — como premissas e tentam apenas conter seus efeitos mais desagradáveis. Regulamentações progressistas compensatórias são como um cinto colocado no capitalismo. Um homem pode precisar ou não usar um cinto, mas seu corpo permanece o mesmo com ou sem ele.
Os meios políticos que consolidam os Muitos Monopólios fazem muito mais além de interferir nos resultados das estruturas de mercado existentes. Os privilégios para os capitalistas moldam padrões básicos de propriedade, acesso e custos para bens e fatores de produção essenciais. São forças que reestruturam fundamentalmente os mercados, inventando as estruturas de classe de propriedade, custos e competição que produzem o trabalho assalariado, os aluguéis e a economia corporativa em que vivemos. Essas intervenções primárias não são um cinto para o capitalismo estatal usar ou remover; são seus ossos. Sem eles, o que sobra não é um visual diferente para o mesmo corpo — é um organismo inteiramente novo.
Quando usamos um cinto, é fácil visualizar como ficaríamos sem ele. Os libertários do século 20 corretamente denunciavam como o cinto era apertado pela coerção estatal — porém, raramente notavam que, não importando o quanto esse cinto antiempresarial restringia a forma natural da economia capitalista, o sistema sem essas amarras ainda era um produto político moldado pela intervenção pró-empresas, até os seus ossos. Os monopólios que criam capitalistas, os donos de terras, os financistas e sustentam o poder corporativo estão tão integrados à economia existente, tão acoplados ao consenso político, que é fácil confundi-los com o funcionamento normal de uma sociedade de mercado.
Podemos dizer — com a devida vênia a Shulamith Firestone — que a economia política do capitalismo de estado é tão profunda a ponto de ser invisível. Talvez ela pareça um conjunto superficial de intervenções, um problema que pode ser resolvido por algumas reformas legais, possivelmente a eliminação de um resgate ocasional ou subsídio à exportação, mantendo intactos os padrões reconhecíveis básicos da economia corporativa. Contudo, há algo mais profundo, mais generalizado, em questão. Um mercado inteiramente liberado significa a liberação dos postos de comando essenciais da economia do controle estatal, que devem ser retomados pelo empreendedorismo social e de mercado. O mercado que surgiria nesse novo cenário seria totalmente diferente do que temos agora. Que uma mudança tão profunda não possa facilmente ser embalada em categorias tradicionais de pensamento — como “libertário”, “esquerda”, “laissez faire“, “socialista”, “empreendedor” ou “anticapitalista” — não é porque essas categorias não se apliquem, mas porque não são amplas o bastante: mercados livres radicais transbordam por elas. Se houvesse uma palavra ainda mais abrangente que revolucionário, nós a usaríamos.
Traduzido por Erick Vasconcelos.