The following article is translated into Portuguese from the English original, written by Kevin Carson.
De acordo com a ideologia democrática oficial — a ideologia inculcada por discursos políticos, retórica de dia de eleição e aulas de educação cívica nas escolas — o povo é soberano. O governo — nossos “funcionários públicos” — é agente da vontade popular, e o público é o delegante.
Se, porém, você atentar para como o povo realmente vê a autoridade do estado em nível emocional — e como o estado nos vê — essa doutrina se revela como 99,44% balela. A atitude realmente estimulada entre o público em geral, e que provavelmente prevaleceu entre a maioria das pessoas pelo menos até recentemente, foi descrita por Paul Goodman em Como uma Província Conquistada:
“Elegemos uma administração e ela, por meio do serviço de inteligência, de diplomacia secreta, de instruções/informações do Departamento de Defesa e outros órgãos, adquire informação privilegiada que capacita só a ela entender a situação …. [H]á um grupo permanente de abnegados e sábios funcionários públicos, especialistas e repórteres imparciais que entendem a tecnologia, a estratégia e a diplomacia que nós não temos como entender; em decorrência, temos de forçosamente fazer o que eles recomendam.”
Vimos esse ponto de vista exposto, em nível muito mais vulgar, na reação do público à assim chamada “traição” de Bradley Manning ao ele alegadamente vazar, há dois anos, centenas de milhares de telegramas do Departamento de Estado. Este comentário relatado porMarja Erwin é típico:
“você está bem certo, os estadunidenses têm ódio de traidores como você. o que faz todo sentido. achar que o governo não deveria ter segredos e todo mundo deveria ter acesso à informação é absurdo. seus argumentos acerca do governo também são absurdos. você nunca pensa nas consequências imprevisíveis dos assuntos acerca dos quais escreve?”
A perspectiva dos funcionários do estado é similar. Em 2004 o antigo Assessor de “Segurança Nacional” de Clinton, Sandy Berger, advertiu, a respeito de decrescente apoio do público à guerra no Iraque: “Temos demasiado em jogo … para perder o povo estadunidense.” Assim, pois, independentemente do que os livros de educação cívica dizem, nossos “funcionários públicos” veem o estado como tendo interesses próprios — interesses ao qual o público alegadamente soberano aquiesce, porque o estado é mais competente para tratar do assunto.
Esse é essencialmente o ponto de vista expressado por Samuel Huntington em A Crise da Democracia no início dos anos 1970. Ao longo das décadas do pós-guerra os Estados Unidos só conseguiram atuar como “poder hegemônico num sistema de ordem mundial” por causa de uma estrutura doméstica de poder na qual o país “era governado pelo presidente atuando com apoio e cooperação de indivíduos e grupos decisivos no Executivo, na burocracia federal, no Congresso e nas mais importantes empresas, bancos, escritórios de advocacia, fundações e mídia, que constituem o establishment privado.”
Isso tudo deveria ser o suficiente para nos convencer da inverdade da ideia de o “governo pelo consentimento dos governados” ser qualquer coisa mais do que um conto da carochinha. Como diz Erwin, “se o governo mantém segredos fora do alcance do público, não tem como obter consentimento, e portanto não pode ter legitimidade, e é incoerente ao invocar ‘traição’ quando alguém revela os segredos dele ao público.”
Qualquer seja a ideologia oficial da democracia, o arcabouço emocional da maioria das pessoas no tocante a seu relacionamento com o estado está colorido por sua socialização de infância em relação à autoridade dos pais. Os psicólogos desenvolvimentistas dizem-nos que as crianças são, em realidade, socializadas para ver o governo como uma extensão da autoridade paterna. O Presidente é visto em primeiro lugar como uma espécie de Mamãe ou Papai, com o povo estadunidense como família. Gradualmente atores tais como o Congresso, os tribunais e assim por diante entram no cenário — de início entendidos como apenas “auxiliares” do Presidente, e só mais tarde como limitadores constitucionais da autoridade presidencial. Contudo a aura de autoridade dos pais persiste, em nível subliminar, mesmo então.
De acordo com Alice Miller essa atitude geral em relação à autoridade, na qual as crianças são socializadas, inicialmente dentro da família, e a qual é mais tarde estendida para o estado, decididamente não é saudável. Miller (Não Serás Consciente) refere-se a esse sistema de valores, que pune a avaliação crítica da autoridade pela pessoa ao esta pensar com a própria cabeça, como “pedagogia venenosa.” Sem essa aculturação autoritária,
“… [s]eria inconcebível … os políticos repetirem da boca para fora clichês vazios de conteúdo para atingirem os mais altos cargos de poder por meios democráticos. Visto, porém, os eleitores – os quais seriam normalmente capazes, enquanto crianças, de não se deixarem embair por aqueles clichês, graças à ajuda de seus sentimentos – terem sido especificamene proibidos de fazê-lo em seus primeiros anos de vida, perdem essa capacidade como adultos. …
“Todo o nosso sistema de educar e instruir crianças oferece aos sedentos de poder uma malha de trilhos pronta de antemão que eles podem usar para atingir os objetivos que desejem. Só precisam apertar os botões que pais e educadores já instalaram.”
O único arcabouço dentro do qual a genuína democracia pode existir é a associação voluntária de iguais, na qual todos nós somos reconhecidos como fins e não como meios, e onde respeitado nosso direito de consentimento bem-informado em assuntos que nos afetam.Você nunca encontrará isso dentro do estado.
Artigo original afixado por Kevin Carson em 13 de junho de 2012.
Traduzido do inglês por Murilo Otávio Rodrigues Paes Leme.