The following article is translated into Portuguese from the English original, written by Kevin Carson.
Steven Cohen, escrevendo no Huffington Post (“Precisamos Responder ao Ataque Contra o Serviço Público,” 13 de junho), escreve que “o ataque profundo e que se intensifica contra o governo e o serviço público” é “de dar medo.”
Permitam-me começar dizendo que já entrei em conflito com muitos libertários ao defender empregados do setor público como aqueles de Wisconsin contra acusações reflexas de parasitismo. Se eles estão engajados em funções legítimas tais como ensinar crianças ou entregar correspondência, que também existiriam como voluntárias mesmo numa sociedade sem estado, e se o estado atualmente reprime alternativas voluntárias, eles não são mais culpados do que os trabalhadores de fábricas soviéticas de propriedade do estado.
E já argumentei que sindicatos do setor público amiúde dão poder a esses trabalhadores contra aqueles situados nos altos escalões do estado, e isso poderia servir como ferramenta útil para genuína privatização — isto é, a visão de Proudhon de transferir as funções do estado para relacionamentos sociais voluntários. Isso significa, em vez da agenda direitista de “privatização” mediante leilão de funções do governo para corporações capitalistas compadrescas, mutualizar essas funções na forma de cooperativas de consumo de propriedade dos recebedores dos serviços. De qualquer forma, briosamente apoiarei qualquer sindicato local de professores contra um superintendente de escolas, em qualquer dia da semana.
Sem embargo, a expressão “serviço público” realmente me causa engulho. Do mesmo modo que “estadismo” e “consenso bipartidário,” essa expressão encaixa-se naquela espécie de jogos de quem bebe mais que você joga quando vê picaretas gerenciais centristas como David Gergen, Chris Matthews e David Brooks juntando-se para tirarem proveito de um programa de notícias de TV a cabo.
Em qualquer dia que seja, se você acompanhar o blog de Radley Balko, poderá ver notícias acerca de “servidores públicos” plantando evidência contra suspeitos e deflagrando invasões de lares sem bater à porta, ocasiões em que atiram em animais domésticos e brandem armas de fogo para crianças (tudo a propósito de ingestão pacífica de substâncias que o estado resolveu considerar “proibidas”), e mandando pessoas para a prisão com base no testemunho de presos tornados informantes coagidos a cometer perjúrio em troca de redução da pena/benefícios. Os “servidores públicos” dos sindicatos de guardas de prisões e policiais fazem lobby junto ao estado pedindo ampliação sempre mais draconiana e invasiva da Guerra Contra as Drogas. Os “servidores públicos” em aeroportos sujeitam diariamente sua “clientela” pública a degradação e humilhação.
Todo “servidor público” do Salão Oval em meu período de vida deflagrou guerras de agressão assassinando civis inocentes aos milhares ou centenas de milhares, e os “servidores públicos” do complexo industrial-militar gastam centenas de biliões de dólares mantendo guarnições num império de milhares de bases por todo o mundo, tudo para “defender”-nos contra países do outro lado do mundo que não têm como projetar força militar além de umas poucas centenas de milhas além de suas próprias fronteiras. E todas essas guerras são estudos de caso do tipo “parceria público-privada” que Cohen exalta, combatidas no interesse dos estimados Generais Motors, Electric e Mills.
Cohen admite que o governo federal está “distante demais” de grande parte daquilo com que lida, e recomenda federalismo — descentralizar grande parte das políticas para governos locais — como remédio. A maioria de nós da Esquerda já viu o processo de encheção de linguiça em ação no governo local, especialmente no tocante à “infraestrutura” tão louvada por Cohen, e o que vimos não é nada bonito. O governo local médio pode ser “rápido em atender” aos grosseirões do Rotary Club que administram as coisas (eles por lá também gostam muito de expressões tais como “serviço público”), mas certamente não a nós. O governo local típico é uma dessas casas exibidas como amostra por desenvolvedores imobiliários locais, e sua principal função é oferecer ruas e infraestrutura pública abaixo do custo aos novos bairros suburbanos e às grandes superlojas que proliferam em cada trevo da nova rodovia subsidiada pelo governo.
O discurso diversionista de Cohen acerca da grande guerra ideológica entre “capitalismo” e “comunismo” não tem nada a ver com o assunto. Pressupõe algum tipo de rivalidade entre governo e empresas, quando de fato os liberais do governo hipertrofiado têm sido — nas palavras de Roy Childs — “os lacaios servis dos grandes homens de negócios.”
Em minha opinião, a maior parte da rivalidade entre os assim chamados setores “público” e “privado” do discurso político estadunidense é mais ou menos tão genuína quanto aquela entre o “policial bom” e o “policial ruim” num recinto de interrogatório da polícia. O que é chamado de “setor privado” por aquele tipo de apologistas corporativos de direita que tipicamente se fazem passar por “libertários” é tão cartelizado e subsidiado pelo estado que a fronteira entre a corporação gigante do setor de capital monopolizado e o órgão de governo hipertrofiado é, na melhor das hipóteses, bastante indistinta.
Os grandes interesses empresariais aos quais autoproclamados “defensores do livre mercado” como Dick Armey desejam entregar o país são essencialmente criações do estado.
Assim, a observação de Cohen de ter “ensinado administração para futuros administradores públicos durante cerca de trinta anos” dispara, para mim, campainhas de alarme. Trabalhei tanto no setor “público” quanto no “privado” e vi parasitas de escritório em ambos, reduzindo equipes de funcionários de serviços gerais enquanto remetendo-se a si próprios a confortáveis retiros para gerentes. Os chefes de visão estreita são muito parecidos entre si.
Em realidade Cohen é defensor de exatamente o tipo de conluio governo-corporação que vem definindo o capitalismo tal como este vem existindo na prática nos últimos 150 anos ou mais. Ele argumenta que “[A]s potências econômicas do século 21 serão aquelas que concebam como desenvolver um relacionamento produtivo e sofisticado entre governo e setor privado.”
Isso é certamente verdade, sem dúvida. As “potências econômicas” que temos neste momento — várias centenas de corporações transnacionais que dominam a economia global — devem seu porte, se não sua própria existência, a uma “parceria” com o governo. É aquele tipo de parceria no qual o governo subsidia as despesas operacionais básicas delas e permite a elas externalizar seus custos de ineficiência decorrentes do grande porte para os contribuintes, limita severamente competição de preço e qualidade por meio de cartéis reguladores, e faz cumprir as assim chamadas leis de “propriedade intelectual” como barreiras ao surgimento de novos empreendimentos, de trás das quais gananciosos corporativos privilegiados podem extrair renda proveniente da escassez artificial.
Basta ver os exemplos de Cohen. Há o complexo Departamento de Agricultura dos Estados Unidos-agronegócios que (imitando a propaganda da Cargill), diz ele tornou os Estados Unidos “o celeiro de pão do mundo.” E, naturalmente, querido de todos os verdadeiros liberais, o Sistema Interestadual de Rodovias — construído sob a direção do Secretário do Departamento de Defesa Charles “O que é bom para a General Motors” Wilson, e que é agora a base do modelo de negócios das superlojas “armazéns sobre rodas” que destruíram o pequeno comércio de rua.
Em suma, o governo, em todos os níveis, oferece aquele tipo de “serviço público” do qual, se você não gostar, terá enorme dificuldade para desvencilhar-se. Tal serviço é compreensivelmente popular entre o “público” dos grandões corporativos e dos rentistas de cupons e vales. Qualquer seja porém o cliente desse “serviço público,” não é nem você nem eu.
Artigo original afixado por Kevin Carson em 14 de junho de 2011.
Traduzido do inglês por Murilo Otávio Rodrigues Paes Leme.