Por William Gillis. Artígo original: Right-Wing Collectivism, 27 março 2018. Traduzido para o português por Nico.
Existem poucas figuras que a alt-right odeia mais do que Jeffrey Tucker; o que deve ser algum tipo de plot twist, dada a suposta participação dele nas newsletters racistas de Ron Paul, nos anos 80. Ainda assim, Tucker evoluiu em um apaixonado crítico ao racismo, da alt-right e Trump. Um otimista e afável proponente do liberalismo clássico e cosmopolita, seu tom tem se tornado mais desesperado e furioso nos últimos dois anos, se tornando o crítico mais proeminente contra o fascismo dentro dos círculos libertarianos.
Right-Wing Collectivism é uma compilação dos escritos de Tucker entre 2015 e 2017 conforme ele buscou alertar e explicar sobre a ameaça do fascismo para sua audiência. Tomados juntos eles formam um volume que não é ruim, mas também permanece profundamente incompleto.
Tucker está nitidamente fazendo generalizações históricas, para contar uma história bastante ampla, ainda assim ele instintivamente foca em posições de políticas públicas e alguns grandes nomes da filosofia, mais citados que de fato explorados, em vez de uma sociologia dos movimentos fascistas ou investigação de como a ideologia encontrou apelo massivo.
Right-Wing Collectivism também é inegavelmente escrito para uma audiência bastante específica, e é evidente quanto a suas lealdades tribais. E enquanto eu não tenho nenhum problema com seu conteúdo político (um livro sobre fascismo escrito por um libertariano para libertarianos, é um ótimo projeto) o viés cultural é difícil.
O próprio Tucker é uma infame criatura de ternos caros e McDonalds. A cisão na cultura burguesa, entre aspirações aristocráticas de exclusividade e simplicidade suburbana, descaradamente reunidas em uma pessoa. Essa aliança de classe pessoal é bastante evidente e explícita em Right-Wing Collectivism, que em certo ponto praticamente celebra a própria ignorância sobre movimentos fascistas e as lutas contra eles. Não recrimino Tucker por suas alianças culturais, mas seus apelos barulhentos ao status de seu próprio grupo para sua audiênca, que é principalmente (como veremos) de direita e burguesa impede o livro de se tornar qualquer coisa remotamente atemporal ou relevante. Ainda assim, essa postura irritante é algo que devemos ignorar uma vez que a mensagem de Tucker é tão necessária, dada sua audiência.
Além da infame popularização de fetichizar os assassinatos em massa de dissidentes cometidos por Pinochet, os últimos dois anos viram uma tendência particularmente estúpida de jovens libertarianos dizendo coisas como “fachos são amigos” e sendo feitos de idiotas por “aliança ancap-fascista”. Enquanto os mais altos escalões de libertarianos da academia têm sido relativamente imune (com poucos casos de apoio a narrativas fascistas e alguns fiascos sobre “sangue e solo”) à base libertariana de homens brancos de 20 e poucos anos definitivamente saiu debaixo deles, engolida pelo fascismo e o reacionarismo. A moral dessa história, suponho, deveria ser que ideologias raramente são diretamente representativas do que seus proponentes de fato acreditam ou pelo que são motivados. Muitos libertarianos nunca adotaram o libertarianismo como foi codificado por seus teóricos, o que eles adotaram foi o libertarianismo como uma série de justificativas por se sentirem como a elite e por resistirem à crítica de seus privilégios e o status quo. Libertarianismo, em resumo, ofereceu a única defesa remotamente aceitável para reacionários que buscavam ares de intelectualidade. Agora que o fascismo é aceito em público, eles se apressam para reformular as definições ou abandonar completamente o libertarianismo.
Um livro como Righ-Wing Collectivism deveria ser julgado principalmente por seu objetivo declarado; sua efetividade em ajudar a empurrar o libertarianismo de volta do abismo fascista. Porém, por mais que eu vá a conferências libertarianas e debata teóricos libertarianos, não tenho pretensões de estar envolvido nos fluxos de cultura e identidade libertariana. Eu sou um anarquista bastante convencional que acabou convencido da importância dos mercados, não sou um nativo da tribo libertariana. Portanto, estou mal equipado para julgar a retórica e o contexto político no qual Right-Wing Collectivism está envolto.
Não posso prever quão potente o livro de Tucker será em atingir seus fins, o que eu posso fazer, entretanto é trazer minha perspectiva de observador externo para examinar o livro de uma maneira mais abstrata. Se o libertarianismo realmente deseja adentrar o campo dos estudos antifascistas e comentários sobre fascismo é imperativo que eles de fato se desafiem, para assim melhorarem suas análises e discursos. Nós não deveríamos dar estrelas douradas a eles, meramente por tentarem.
A parte mais objetivamente fraca de Right-Wing Collectivism é exatamente o que você deveria esperar: Tucker é agressivamente orgulhoso de sua ignorância com relação ao ativismo antifascita (uma ignorância orgulhosa e ativa, infelizmente compartilhada pela geralmente adorável Deidre McCloskey em sua introdução). Em certo ponto Tucker literalmente diz, “Lembre-se, isso foi em 1999. Nós não tínhamos entendimento do que hoje é a alt-right ou A Antifa”. Meu Jesus. É possível sentir tanta vergonha alheia por alguém? Especialmente em cidades industriais da classe trabalhadora como Portland e Minneapolis, que há não tantos anos atrás estavam abarrotadas de neonazis que você podia ver grupos inteiros dirigindo qualquer avenida. Era difícil crescer em certas cidades e certos bairros e não estar super consciente da diferença que a organização antifascista teve em desaparecer com as gangs, antes onipresentes. A bolha epistêmica da direita é realmente impressionante.
Isso infelizmente está ligado a como Tucker acenando para pessoas da direita envolve muitos enquadramentos “da esquerda” e da divisão esquerda-direta que são imprecisas ou simplificações enganosas e podem levar a diagnósticos atrapalhados. E eu digo como um sincero crítico da esquerda. Não há dúvidas de que Tucker carrega uma bagagem libertariana de direita; em particular, uma fraqueza quando se trata a se opor a centralização do poder no mercado fora do maligno estado.
Ainda assim Tucker acertadamente chama atenção para o legado progressista do qual o fascismo pesadamente buscou referenciar. E isso é algo que a maioria dos antifascistas de esquerda que eu li não costumam se aprofundar. Eles reconhecem o fato, mas não focam tanto nisso, em parte pois condenar as regulações do estado moderno é tão inextricável de tal consciência.
Se o livro como um todo fosse um pouco mais potente, Right-Wing Collectivism serviria como um maravilhoso contrapeso aos focos dos antifascistas de esquerda. Pessoas de esquerda no geral tem tido bastante dificuldade em de fato lidar com quão central a hostilidade ao mercado e a “classe mercante” faz parte do cerne do pensamento fascista, não apenas como um apito de cachorro para o antissemitismo mas muitas vezes como sua raiz. É essa evasão que cria todo tipo de flagrantes absurdos como muitas declarações de marxistas de que o fascismo é burguês e um “estágio do capitalismo”. E nos piores cantos da esquerda esse é o ponto de encontro entre nazis e tankies, ambos historicamente contentes em denunciar os “cosmopolitas sem raízes”. É claro que intelectuais antifascistas como Shane Burley são bastante honestos sobre a frequente hostilidade fascista aos mercados, mas raramente é um foco central, tido mais como uma nota de rodapé ou a ideia para anarquistas anti-mercado fazerem mais recrutamento. Tucker é portanto um sopro de ar fresco neste sentido e sua implícita visão da história como uma luta entre liberdade e poder mais do que grupos sociais é um refrescante retorno ao encantamento anarquista.
Para os que possam suspeitar de oportunismo ou um comprometimento vazio da parte de Tucker, existem várias partes do Right-Wing Collectivism que é atravessado por inegável espírito anarquista. O horror que ele expressa ao ler The Turner Diaries é sincero e comovente. E Tucker dispara críticas contra as tendências da sua própria audiência de direita em muitos casos onde ele não precisaria, por exemplo quando ele corretamente diagnostica esforços de derrubar estátuas dos confederados como um desenvolvimento cultural positivo; não para apagar a história mas para recusar tolerar símbolos de inimaginável opressão erguidos explicitamente no século 20 como um foda-se para os moviments por direitos civis.
Infelizmente, o foco de Tucker no estado cria seu próprio tipo de miopia. Se a esquerda falha em realmente lidar com quão anti-mercado é o fascismo, Tucker falha em realmente lidar com o problema do nacionalismo fora dos contextos estatistas formais.
Enquanto todos os fascistas encaram a vida como uma disputa de poder de soma zero, desejam retornar a um passado mitologizado, e fetichizam identidade nacional, essa motivação central geralmente opera ortogonalmente para questões do estado. Em termos de valores éticos fascistas é agora e sempre o exato oposto do anarquismo, mas há entretanto fascistas anti-estado, para os quais a “nação” pode existir na escala de tribos. Precisamos lembrar que fascismo originalmente surgiu na Itália, em parte formado por militantes niilistas que viam o estado como inimigo. Os fascistas alegremente mudarem sua postura com relação ao estado sem vergonha alguma é esperado, o estado não é a característica central do fascismo como ideologia e movimento. Em vez disso, um estado autoritário e assassinatos em massa são seu resultado usual. Não muito diferente de como o marxismo não é melhor definido em sua raiz pelos leviatãs distópicos que inexoravelmente gera.
Nós precisamos reconhecer que enquanto o fascismo é o mal encarnado suas expressões não precisam inerentemente tomar a forma do estatismo formal. Muitos dos fascismos atuais salivam ao pensar em guerras raciais descentralizadas, nem mesmo se incomodando em buscar o caminho da extermínio burocrático e industrializado.
As análises de Tucker sobre o nacionalismo estão no título: Coletivismo. Mas o nacionalismo não é tanto sobre a idolatria a algum espírito coletivo quanto é sobre cortar formas de contato e empatia com estrangeiros. Nacionalismo pode tomar a forma da construção de um grandioso Eu Único, uma rendição da agência individual e autonomia a esse reconfortante espectro, mas a única coisa que o nacionalismo realmente exige é a suspensão da compaixão e contato para além da tribo. À sua maneira, o nacionalismo pode parecer como um tipo canceroso de individualismo, “porque eu deveria me importar com qualquer um além da Minha Família??” “Nós temos o que precisamos, então vocês que se fodam”.
Isso nos faz lembrar de certas tribos de caçadores-coletores da forma insensíveis que riem dos gritos de um dos seus que precisa desesperadamente de ajuda, mas colaboram ativamente no assassinato de forasteiros por esporte. Em muitos aspectos, poderíamos argumentar que este é o fascismo em seu sentido mais básico, esvaído o breve flerte com a pompa ao estilo do Terceiro Reich. Um nacionalismo brutal tão afiado que continuadamente se torna o tipo mais tóxico de individualismo.
Esse foco excessivo no estado e a falha de observar as questões éticas, sociais e históricas para além disso, é culpa, acredito eu, da lamentável adoção de Tucker ao termo “liberalismo”.
Por outro lado, obviamente os elogios de Tucker ao “liberalismo” são um valoroso incentivo para realocar o libertarianismo em oposição ao conservadorismo, reacionarismo, tradicionalismo, etc. Entretanto, para anarquistas é obviamente um incentivo fraco e é hilariamente evidente nos elogios grandiosos que Tucker faz ao Partido Libertário no mesmo capítulos em que abraça o “liberalismo”.
Já escrevi antes sobre a dualidade em ação quando se trata de críticas ao “liberalismo”; universalmente derivado da miopia e covardice, mas de perspectivas dramaticamente opostas. Anarquistas não têm nada a ver com aqueles que criticam o liberalismo por ser muito tímido em adotar a matança e o autoritarismo. Mas ao mesmo tempo nós devemos nos manter firmes nas nossas críticas às éticas e estratégias covardes e medíocres do liberalismo.
Nada está mais de acordo com o ápice do “liberalismo” do que a adoção da política eleitoral. Você quer comparar com o marxismo? Não existe erro mais crucial no marxismo do que adotar o estado como uma ferramenta. Libertarianos costumam esquecer que Marx explicitamente, ainda que de forma não convincente, tinha a liberdade como objetivo. Capture o estado e ele se dissolverá! Essa estratégia é um absurdo completo. Foi um desperdício de energia, um investimento massivo e ineficiente que só pode sair pela culatra, e (pior) revela uma grave falta de confiança nas pessoas, sua criatividade e ordem espontânea. Quando libertarianos recuam para adotar os meios de seus inimigos isso revela a miséria de suas imaginações.
Com todas suas falas sobre fascismo, Tucker analiticamente evita falar sobre regimes fascistas como a Espanha de Franco e o Chile de Pinochet. Onde estão as odes poéticas aos estudantes dissidentes sequestrados das ruas, torturados e estuprados até a morte, os assassinatos em massa feitos em silêncio enquanto seus pais esperavam para sempre pelos desaparecidos? Onde Tucker lida com o legado de Milton Friedman e a cumplicidade da escola de Chicago nesses crimes contra a humanidade que deixou cicatrizes em geracionais até os dias de hoje? Onde está a porra do ultraje, a autocrítica contundente sobre as formas como a apatia da classe média por qualquer coisa além alíquotas de impostos mantidas por esses regimes? Miopia é uma característica fundamental do liberalismo, e nós não devemos perder isso de vista ou seus efeitos horríveis.
Tucker não faz uma pausa sequer para de fato analisar a oposição fascista ao comunismo. No cenário que ele pinta, são algumas diferenças mínimas sobre questões como religião e se o coletivismo de um é baseado em classe ou radicalidade. E certamente isso é verdade se você comparar fascistas com comunistas autoritários, mas o comunismo surge em muitos sabores, incluindo ardentes inimigos do estado, mesmo na forma de anarquistas com um pé firme na guerra entre liberdade e poder. É crítico que entendamos que o que o fascismo se opõe no “comunismo” é precisamente o que se opõe no liberalismo; isso é, a definição deles de “comunismo” é precisamente “se importar com todas as pessoas” e eles enxergam isso como uma coisa ruim, a mais primordial e desprezível infecção no nosso mundo.
Tucker menciona isso apenas uma vez, na página 151 de Right-Wing Collectivism, apontando que fascistas odeiam o universalismo do comunismo. Ele não explora isso pois enfraqueceria o poder da retórica de absolutos e definições singulares no que se refere a “esquerda”, “direita”, e “liberalismo”.
Mas sou da opinião de que precisamos ser capazes de olhar para o que as pessoas realmente representam, e não necessariamente que bandeira elas levantam. Sobre certas definições, a direita, esquerda, e liberalismo são todas fudidamente terríveis, e sobre outras definições elas podem ser valiosas.
Isso também é verdade, é claro, quando se trata de termos como “capitalismo”: alguns vendo apenas oligarquias e produção de miséria, hierarquias rentistas da nossa ordem presente, enquanto outros enxergam a dinâmica da anarquia de livre associação erodindo todas as tradições e relações de poder, agressivamente reduzindo margens de lucro. É nítido, quais dessas noções você vê como positivas ou negativas é outra totalmente outra questão.
É incrível ler o livro de Tucker como uma contrapeso ao “Agaisnt Fascist Creep” de Alexander Reid Ross. Como anarquista, Ross vê a esquerda como um projeto humanista de libertação para todos, uma grande coalizão daqueles que realmente se importam em derrubar a tirania versus os defensores de poder e dominação na direita. Mas Tucker vê ambas, esquerda e direita como campeãs do poder e da dominação opostos ao liberalismo humanista.
Ao mesmo tempo Tucker está falando com uma audiência que ele vê os termos como “esquerda” e “direita” exatamente em pólos opostos aos de Ross. Se eles enxergam um tirano, isso os faz pensar que por definição esta pessoa é de esquerda, e se alguém não busca governar ou deixar que outros os governem, eles são de direita. Dã. Essa é uma visão que colocaria o Rei Leopoldo como de esquerda e Leo Tolstoy como de direita, mas de alguma forma isso faz muito sentido para pessoas aclimatadas com o mundo discursivo da direita. E eu penso que isso exige alguma tolerância a Tucker, eu quero dizer, esse é exatamente o tipo da audiência que ele está tentando alcançar.
Obviamente, acho que é um erro tratar a crítica da direita ao comunismo como sendo sempre a crítica antiautoritária ao coletivismo, quando na prática geralmente é uma crítica a se importar com pessoas estranhas e grupos excluídos. Essa pode ser uma retórica estratégica efetiva para reformular a orientação de um grupo ao defender a posição deles de uma maneira que reformula as razões pelas quais sustentam determinada posição, mas o perigo é sempre de que sempre a justificativa boa não substitui de fato a justificativa ruim, apenas embaralha as duas. E ignorando as justificativas ruins que algumas pessoas sustentam uma posição que você compartilha podem levar a uma imagem pouco precisa do mundo.
Por exemplo, Tucker repete a declaração de que fascismo é uma resposta ao perigo percebido da ascensão iminente da tirania de esquerda. Esse é um boato comum entre a direita, mas eu não estou certo de que a prova está realmente lá. Parece mais que autoritarismo de esquerda e movimentos de direita surgem ao mesmo tempo, não em resposta um ao outro mas em respostas as mesmas condições, e somente DAÍ se retroalimentam através de discursos sobre a ameaça de um sobre o outro.
Por outro lado, o viés de direita de Tucker pode ser uma vantagem.
As partes mais consistentes de Right-Wing Collectivism são a investigação de Tucker sobre Eugenia e a Era Progressista. Ele tem uma fúria justa contra uma miríade de formas na qual noções profundamente racistas e sexistas foram aplicadas por planejadores centralistas. Enquanto pessoas de esquerda fazem muito barulho sobre seu legado, nós geralmente esquecemos como muitas das nossas leis e instituições modernas foram o resultado consciente de pessoas profundamente patriarcais e supremacistas brancos.
Este é o lugar onde o libertarianismo domina correções muito necessárias. Tanto o estado regulador, quanto tantas regulações que os liberais e social-democratas instintivamente defendem e enxergam como vitórias do cidadão comum, são na verdade, elaborados com um objetivo vil. Nos momentos em que as mulheres e minorias étnicas estavam prestes a alcançar educação ou autonomia econômica, um emaranhado de restrições eram introduzidas. Coisas como leis de salário mínimo tinham a intenção de serem barreiras, para remover grupos específicos de pessoas da possibilidade de emprego, diminuindo a capacidade de barganha destes e criando uma reserva de trabalho incapaz de sustentar a si mesma.
Tucker foca em como os eugenistas queriam que essas leis excluíssem (e por fim, exterminassem) aqueles que eles viam como degenerados, mas vale a pena voltarmos mais uma vez nossa atenção para as implicações econômicas. Enquanto impedir sua tia de vender pamonha é ruim para o mercado, é bom para o capital. O que exclui escolhas e a competição colaborativa de livre associação força competição desesperada do trabalho por emprego e aumenta as margens de lucro; precisamente o que mercados saudáveis deveriam manter em zero.
Tucker não entra em muitos detalhes em Right-Wing Collectivism, mas ele o faz quando se trata de Progressismo, e sua ira é muito bem direcionada. Por exemplo, você sabia que os salários das mulheres eram relativamente mais altos que os dos homens em 1920 do que eram em 1980? Qualquer um que leia qualquer libertariano de esquerda é familiar com o quão horrível as políticas progressistas são e conhecem suas longas e sombrias consequências, mas Tucker aqui em boa forma, expõe infindáveis citações de gelar o sangue, com progressistas exaltando as justificativas mais horríveis, racistas, sexistas e etaristas para leis que hoje são bem vistas.
Mas é claro, Tucker mantém seu ponto cego no que diz respeito a perniciosidade do capital em adição ao estado. Então por exemplo, um progressista é justamente criticado por se opor a empregar mulheres pois o trabalho as deixariam feias, mas Tucker evita o contexto das elites oligárquicas empregando trabalhadores desesperados para trabalhos massacrantes que escarificariam os corpos tanto de homens quanto de mulheres.
Eu não posso enfatizar o quanto essa atenção aos males do estatismo envolve e cega Right-Wing Collectivism.
Vamos reconsiderar a caracterização que Tucker dá ao fascismo declarando que, “a sociedade não contém em si a capacidade para a sua própria auto-organização”. Pelo contrário, muitos fascistas diriam que o coletivismo étnico é um tipo de auto-organização bastante natural que emerge espontaneamente quando não é suprimida. Que isso emerge através da violência, para muitos deles não é problema algum. O pecado aqui, aos olhos deles, é que tais avanços da violência atualmente estão sendo suprimidos de forma “artificial”.
Não é preciso especular sobre fascistas que se opõem ao estatismo precisamente pois um estado funcional com qualquer tipo interesse racional na sua própria base de poder será menos sanguinário e inclinado a limpezas étnicas. Não vamos esquecer nunca que o genocídio descentralizado em Ruanda foi em muitos aspectos mais eficiente do que os genocídios centralizados no Terceiro Reich.
Esse deveria ser uma percepção libertariana. Descentralização oferece maior eficiência comparada ao planejamento centralizado, não apenas na obtenção de frutos de uma existência pacífica e criativa, mas também para alcançar miséria e maldade abjeta. O mercado é uma ferramenta para dar às pessoas o que elas querem. Não é suficiente apenas libertar o mercado do estado, nós precisamos trabalhar para garantir que os valores do cosmopolitismo e da compaixão dominem toda a humanidade.
Falei publicamente sobre isso várias vezes, mas há uma confusão pouco percebida em nossa linguagem política quando se trata do termo “nacionalismo”. Ele é a idolatria do todo-poderoso espírito ou entidade coletiva (A Nação) ou é o encerramento da empatia, interação, e conexão com outros além de um certo ponto arbitrário? Nossos modelos de “nacionalismo” deveriam se centrar sobre as particularidades do estado-nação moderno ou deveriam focar em tribalismo?
Na prática essas duas dinâmicas e sistemas representativos interagem e se misturam, mas acredito que a última deve ser reconhecida como uma raiz realmente perniciosa. E portanto nós devemos entender o fascismo como algo que pode ser removido do contexto do estatismo. Um fascista pode ser um anti-estatista, ainda que não possa ser anarquista (já que ele não se opõe à dominação em si, e nem busca a libertação de todos) e portanto esse anti-estatismo é fraco, mesmo diante do mais fraco sopro de vento.
Para a liberdade vencer devemos não apenas criticar A Nação (isso é, as narrativas de massa e coletivismo que sustentam o nacionalismo e as expressões estatistas) mas também criticar o nacionalismo como a atrofiação da consciência e da solidariedade.
O estado é ruim, mas é apenas o predador apex em um vasto ecossistema de dinâmicas de poder na nossa sociedade.
Nos faria bem evitar diagnósticos de simplicidade bruta. Nos faria bem enxergar a guerra entre liberdade e poder como incrivelmente arrebatadora, tocando todos os cantos da nossa cultura e hábitos. As soluções para o estado não virão do pensamento estatista. Para derrotar os planejadores centralistas devemos evitar conceitos de planejamento central que considerem a existência de apenas Um Problema que pode ser facilmente abordado e eliminado. Nós devemos aprender a apreciar quão densamente, o que não enxergamos, pode envolver um único problema visível.
O mais dura das passagens de Right-Wing Collectivism é sobre um jovem Tucker sendo abordado por um mecenas encantado por suas posições políticas e que (nos é revelado) deseja recrutá-lo ao nazismo. Irritantemente, por um compromisso ético, Tucker não revela o nome da maldita mulher, mas eu considero seu repúdio genuíno. Tucker usa essa passagem para demonstrar como apesar da esquerda dominar a academia, nazistas continuaram espreitando lugares de influência. É um bom ponto que todas as pessoas de direita precisam desesperadamente ouvir, mas é um pouco enfraquecido por sua relativa inação e falta de auto-reflexão sobre a situação.
O que pode ter dado tão catastroficamente errado que literalmente um fascista teve a ideia de fazer propostas a um sincero defensor da liberdade?
A resposta obviamente, é o libertarianismo. Um movimento que anteriormente exigia a abolição das fronteiras, lentamente infectado e corrompido ao ponto que literalmente os malditos nazistas enxergam como sua fonte primária de recrutamento. Um movimento encerrado no anti-estatismo mais reducionista, para que seja facilmente cercado e consumido.
Não é que o libertarianismo “esqueceu” que a direita é tanto uma ameaça quanto a esquerda, é que eles foram sistematicamente desarmados de críticas ao poder exceto pelo mais fraco“classe média recebeu uma multa de velocidade”. Existem inúmeras exceções, é claro, e considero muitos meus amigos. Mas como um todo, os mais comprometidos proponentes da liberdade se retiraram do libertarianismo. Uma coalizão política com cada vez menos pontos em comum, que dirá substância profunda, reduzindo o que deveria ser uma rica ética aos formulismos mais superficiais.
Não se pode simplesmente declarar-se em oposição ao coletivismo e pensar que o problema do poder está resolvido. Tucker eviscera de forma justa os “progressistas” históricos mas retorna de novo e de novo a um pensamento simplista sobre “progresso” que enquadra a esquerda e a direita como revanchismos, com saudades do passado, buscando vingança em um mundo moderno que melhorou em todos os aspectos.
A centralização do poder privado simplesmente não pode ser posto junto de todas as descentralizações sociais e esforços anti-hierarquia como igual medida de progresso. Mesmo Rothbard reconheceu a injustiça da oligarquia. A acumulação de grandes riquezas nas mãos de uns poucos não é “progresso” em nenhum sentido positivo. Eu pediria a Tucker para investigar o quanto ele (em seu otimismo estático) está implicitamente enquadrando a descontrolada concentração de riqueza como uma questão de hierarquias naturais. Um conceito absolutamente fascista.
Há um enquadramento onde liberalismo/libertarianismo é rotulado como a adoção cosmopolita a liberdade e cooperação de soma positiva e não como uma guerra de todos contra todos. Mas se se você vai adotar essa definição de liberalismo/libertarianismo você deveria saber muito bem e admitir abertamente que muitos socialistas ao longo da história têm sido motivados pela mesma visão de mundo, mesmo que a adoção deles ao meios estatistas tenham sido catastroficamente estúpidos. Se você vai enxergar beleza nobre na cultura e preocupações da burguesia, porque não nas subculturas como a ralé de ativistas tão desclassificada e gauche a ponto de (quelle horreur) protestar? Haverá belezas espontaneamente auto-organizadas e ordem além das fronteiras da tribo cultural de Tucker?
Proponentes sinceros da liberdade estão em todos os lugares, a indomável efervescência da compaixão e criatividade humana. O que eles precisam é de mais audácia.
Tucker é infamemente otimista e suas visões são infecciosas. Comércio cosmopolitano vazando do punho de ferro e melhorando a vida de todos em um turbilhão descentralizado de incomparável beleza. Eu compartilho de seu encantamento, ao menos entre outras lentes úteis através das quais enxergamos o mundo.
Mas assim como o otimismo é uma lente útil, também é o ultraje à ineficiência e lentidão do primeiro. Esqueça quantos foram salvos, quantos mais permanecem famintos hoje por conta dos horrores estatistas como o apartheid internacional das fronteiras?
Na nossa guerra contra o poder nós não podemos meramente serrar galhos, devemos atacar a raiz. O estado é apenas uma expressão do poder. Para combater os horrores do fascismo nós devemos entender o apelo e função de coisas como o nacionalismo fora do aparato do estado. Nós devemos, nas palavras de Karl Hess e anarquistas através da história, abolir o poder.
Muito além das míopes medidas provisórias do liberalismo e do libertarianismo há o anarquismo. Destemido e incansável nas duas duras críticas a todo poder. A distância é longa, mas pode ser atravessada em um instante se você tiver a coragem de dar este passo.