A pena de Brock Turner não é o problema
O artigo a seguir foi traduzido para o português a partir do original em inglês, escrito por Nick Ford.

Em 18 de janeiro de 2015, Brock Turner foi encontrado em cima de mulher inconsciente. A mulher havia tido suas roupas íntimas removidas, seu vestido puxado para cima e Turner fazia avanços sexuais sobre ela. Brock foi achado por dois estudantes em Stanford, onde ele e a mulher também fora. Os estudantes conseguiram capturar Turner antes que ele fosse muito longe.

No começo de março deste ano, Turner foi processado e recebeu uma sentença de 10 anos depois de ser julgado culpado por três crimes. As acusações incluíam intenção de estuprar e penetração sexual com um objeto estranho.

Turner alegava estar bêbado e que tinha recebido consentimento anteriormente, além de não estar ciente da incapacidade da mulher para consentir. Foi estabelecido que a mulher tinha três vezes o limite legal de álcool no sangue e não se lembrava do que havia acontecido, enquanto Turner tinha duas vezes o limite legal e afirmava se lembrar do que havia acontecido.

Um juiz chamado Aaron Persky recentemente decidiu que a falta de antecedentes criminais, a quantidade de álcool envolvida e a ausência de uma ameaça geral à sociedade eram fatores mitigantes. Assim, Persky decidiu que 6 meses com possibilidade de condicional e o registro de Turner na lista de agressores sexuais eram uma sentença mais justa.

Compreensivelmente, muitas pessoas ficaram indignadas e várias delas argumentaram que a punição não era adequada ao crime, uma vez que o juiz teria sido indevidamente leniente com Turner por causa de sua proximidade social: Turner é branco, um estudante prestigiado da Universidade de Stanford e um ex-atleta muito respeitado.

Todos esses fatos são constantemente apontados pela mídia. Há múltiplos artigos no jornal Washington Post sobre o caso e todos passam grande parte do tempo numa discussão sobre como isso afetará a vida de Turner, mas muito pouco se fala sobre o que foi feito com a vítima. Os amigos e a família de Turner escreveram algumas mensagens ao juiz culpando a vítima pelo que ocorreu, algo que evidentemente melhorou as chances de Turner.

Ken White, um conhecido blogueiro, apontou a questão da empatia: “O juiz Persky claramente tinha empatia por Brock Allen Turner. Turner foi campeão de natação e estudante de Stanford; o juiz Persky foi também aluno de Stanford e capitão do time de lacrosse”.

Privilégio e empatia são vias de mão dupla, como White observa: “Os juízes podem ser capazes de reconhecer a tragédia de sair de sua amada faculdade, mas quantos deles conseguiriam ter empatia por um réu que perdeu seu subemprego porque não conseguiu pagar a fiança?”.

Contudo, nem toda a empatia do mundo pode mudar um sistema fundamentalmente injusto. White está certo em observar os problemas sérios do sistema penal atual, mas não é radical o suficiente em sua crítica. Isso é compreensível, uma vez que o próprio White é um advogado criminalista e, por isso, provavelmente acredita que o sistema pode ser mudado de dentro para fora.

Essa esperança absurda retrata o sistema como algo que pode ser reformado com a combinação certa de políticas, juízes e leis. Porém, chegar a essa conjunção de fatores pode ser difícil, uma vez que aqueles que são mais prejudicados pelo sistema (como White aponta) não têm poder para mudá-lo.

O sistema criminal não oferece qualquer restituição às vítimas e apenas promete punir os estupradores em locais onde o estupro é um fenômeno disseminado. E embora o desejo por justiça da parte da vítima seja justificável, devemos ter cuidado ao utilizar a prisão como resposta aos males sociais. As prisões não ensinam que o estupro seja uma violação injustificável da autonomia individual. Pelo contrário, ensinam às pessoas que o estupro é uma forma de viver e de sobreviver dentro de um ambiente violento e corrupto. As prisões reforçam a cultura do estupro e do entitlement*, porque as prisões privilegiam e beneficiam estupradores e potenciais e estupradores.

Como muitos comentadores já observaram, a carta de 12 páginas da vítima de Turner já foi capaz de fazer muito mais para combater a cultura do estupro do que trancar outro estuprador na prisão. E, como nota o jurista Dean Spade, a prisão é o estuprador — o que faz com que nosso uso das prisões para reabilitar estupradores seja no mínimo problemático.

* [N. do T.] Uma cultura onde há um senso inflado dos próprios direitos em relação às outras pessoas.

Traduzido por Erick Vasconcelos.

Anarchy and Democracy
Fighting Fascism
Markets Not Capitalism
The Anatomy of Escape
Organization Theory