Algo cheira mal no debate sobre os desodorantes
O artigo a seguir foi traduzido para o português a partir do original em inglês, escrito por Kevin Carson.

Em um artigo para o site da revista Reason (“Bernie Sanders: Don’t Need 23 Choices of Deodorant, 18 Choices of Sneakers When Kids Are Going Hungry“, 26 de maio), Ed Krayewski criticou o senador Bernie Sanders por afirmar em uma entrevista recente à MSNBC: “Não é possível continuar crescendo por crescer em um mundo onde sofremos com o aquecimento global e todo tipo de problemas ambientais. (…) Nós não precisamos necessariamente poder escolher 23 tipos diferentes de desodorantes ou 18 pares de tênis quando crianças passam fome neste país”.

Sanders, de acordo com Krayewski, está “enganado em suas premissas básicas”. Ele “representa tudo o que há de errado com a esquerda populista redistributivista”. Ao contrário da “retórica anticapitalista e econocamente ignorante” de Sanders, segundo a qual “os ricos são abertamente vilanizados”, Krayweski alega que o crescimento econômico “não é um fim em si mesmo — o crescimento econômico ocasionado pela liberação dos mercados tirou mais gente da pobreza no último século do que qualquer outra força ao longo da história”.

Imagino que Sanders provavelmente está com a errônea impressão de que as 23 marcas de desodorante e as enormes disparidades de riqueza dentro de nossa economia são, em grande parte, resultantes do “sistema de livre mercado”, algo produzido automaticamente pelo “capitalismo desregulado” se não houver intervenção estatal. Mas talvez eu esteja errado. Na mesma entrevista, Sanders diz estar “preocupado com quão livre o mercado de fato é”. Se com isso ele sugere que o mercado não é de fato livre e que o ambiente está viciado em favor das grandes empresas, ele provavelmente está mais bem informado em suas “premissas fundamentais” que Krayewski.

O que eu sei é que alguém que defende as 23 marcas de desodorante e as fortunas dos “ricos” ou quaisquer outros aspectos do capitalismo americano desenvolvidos no último século como resultantes da “liberação dos mercados” mal pode acusar os outros de serem ignorantes econômicos.

O capitalismo corporativo baseado na produção em massa é fundamentalmente estatista — uma criatura do estado. E o consumo massificado e a segmentação de mercado que resulta em 23 marcas de desodorante é absolutamente vital para a sobrevivência desse sistema.

A forma institucional mais eficiente para a segunda revolução industrial seria o modelo descentralizado idealizado por Piotr Kropotkin e William Morris: integrando máquinas elétricas gerais para a produção artesanal em pequena escala para os mercados locais — algo que funciona atualmente na economia em rede da região de Emilia-Romagna na Itália. Ao invés disso, o estado americano, através de várias medidas que incluíam várias medidas como os subsídios a rodovias e cartéis de patentes, promoveu o modelo de produção em massa, com sua aplicação intensiva de capital e maquinário altamente especializado. A única maneira de manter os custos mais baixos por unidade e pagar por esse maquinário é mantê-lo em funcionamento contínuo.

O resultado é o modelo de distribuição descrito por Ralph Borsodi há mais de oitenta anos em seu livro The Distribution Age (em português, A era da distribuição). A produção deve ser feita através da criação de oferta, sem consideração por condições de demanda preexistentes — um modelo baseado na demanda, ao contrário, só produz quando há encomendas. Por sua vez, esse modelo requer que haja um grau de certeza que a produção será adquirida — de fato, ele presume que toda a sociedade será construída em torno da garantia do consumo da produção.

O capitalismo corporativo de fato tem a ver com o crescimento pelo crescimento, o que inclui a produção de desperdício e a obsolescência planejada — além da diferenciação de marcas com base em embalagem, imagem e diferenças meramente cosméticas em suas características para criar uma demanda estável, evitar excessos e manter as rodas da indústria girando. (Por sinal, en passant, eu observaria que um livre mercado genuíno provavelmente teria muito maior variedade, com escolhas entre vários produtos artesanais de produtores locais; a produção em massa depende efetivamente da limitação da variação entre os produtos para que a escala de produção possa aumentar e o remanejamento das máquinas seja mínimo.)

Então, embora Bernie Sanders provavelmente acredite que mais estado seja necessário (e não menos) e fale muito sobre as coisas “progressistas” que o governo pode fazer, a verdade é que uma sociedade com um mercado genuinamente livre provavelmente se pareceria muito mais com o ideal de Sanders do que com o de Krayewski.

Traduzido por Erick Vasconcelos.

Anarchy and Democracy
Fighting Fascism
Markets Not Capitalism
The Anatomy of Escape
Organization Theory